H - O Recurso Contencioso de Anulação
Conceito e natureza
127. Origem, Evolução, Conceito e Natureza
O recurso contencioso nasceu da necessidade de conciliar o princípio da separação de poderes com o controlo da actividade administrativa. Pode dizer-se que esta conciliação indispensável se fez em torno de três conceitos básicos:
- O conceito de acto administrativo, espécie de criação jurídica de um “alvo” em direcção ao qual se vai orientar a garantia contenciosa;
- O conceito de Tribunal Administrativo, como órgão especializado da Administração (e não da jurisdição);
- O conceito de recurso contencioso, como meio de apreciação da conformidade legal de um acto administrativo – o processo feito ao acto.
O recurso contencioso, trata-se de um meio de impugnação de um acto administrativo, interposto perante o Tribunal Administrativo competente, a fim de obter a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto. Com efeito:
- Trata-se de um recurso, ou seja, de um meio de impugnação de actos unilaterais de uma autoridade pública, é um recurso e não uma acção;
- Trata-se de um recurso contencioso, ou seja, de uma garantia que se efectiva através dos Tribunais;
- Trata-se de um recurso contencioso de anulação, isto é, o que com ele se pretende e se visa é eliminar da ordem jurídica de um acto administrativo inválido, obtendo, para o efeito, uma sentença que reconheça essa invalidade e que, em consequência disso, o destrua juridicamente.
A actual regulamentação do recurso contencioso revela, por um lado, uma confluência de elementos de índole objectivista e de índole subjectivista; por outro, a existência de dois modelos principais de tramitação, um mais subjectivista do que o outro. Principais elementos de índole subjectivista:
- O recurso interpõe-se contra o órgão autor do acto e não contra a pessoa colectiva pública (art. 36º/1-c LPTA);
- A resposta ao recurso somente pode ser assinada pelo autor do acto – e não por advogado (art. 26/2 LPTA);
- O órgão recorrido é obrigado a remeter ao Tribunal todos os elementos constantes do processo administrativo, incluindo aqueles que lhe forem desfavoráveis (art. 46º/1 LPTA);
- Não existem sentenças condenatórias.
Os principais elementos de índole objectivista:
- Os poderes processuais do órgão recorrido (art. 26º/1 LPTA);
- A garantia contra a lesão de direitos subjectivos e interesses legítimos através do recurso contencioso (art. 268º/4 CRP).
128. Elementos do Recurso Contencioso
Os elementos do recurso contencioso são:
a) Os sujeitos: são o recorrente, é a pessoa que interpõe o recurso contencioso, impugnando o acto administrativo; os recorridos, são aqueles que têm interesse na manutenção do acto recorrido; o Ministério Público; e o Tribunal.
b) O Objecto: o objecto do recurso é um acto administrativo. Se se impõe um recurso contencioso sem que haja acto administrativo, o recurso não tem objecto ou fica sem objecto. Aquilo que se vai apurar no recurso é se o acto administrativo é válido ou inválido. Tal apuramento faz-se em função da lei vigente no momento da prática do acto – e não em função da lei que eventualmente esteja a vigorar no momento em que é proferida a sentença pelo Tribunal.
c) O pedido: o pedido do recurso é sempre a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto recorrido
d) A causa a pedir: é a invalidade do acto recorrido, as mais das vezes resultante da sua ilegalidade. Os Tribunais Administrativos não podem substituir-se à Administração activa no exercício da função administrativa: só podem exercer a função jurisdicional. Por isso não podem modificar os actos administrativos, nem praticar outros actos administrativos em substituição daqueles que reputem ilegais, nem sequer podem condenar a Administração a praticar este ou aquele acto administrativo.
129. Principais Poderes dos Sujeitos sobre o Objecto do Processo
Poderes do Tribunal:
- Fazer prosseguir o recurso quando o acto seu objecto tenha sido revogado com eficácia meramente extintiva (art. 48 LPTA);
- Determinar a apensação de processos (art. 39º LPTA).
Poderes do Ministério Público:
- Arguir vícios não invocados pelo recorrente (art. 27º-d LPTA);
- Requerer o prosseguimento do recurso, designadamente em caso de desistência do recorrente (art. 27º-e LPTA);
- Suscitar questões que obstem ao conhecimento do objecto do recurso (art. 54º/1 LPTA).
Poderes do recorrente:
- Desistir;
- Pedir a ampliação ou a substituição do objecto do processo quando seja proferido acto expresso na pendência de recurso de acto tácito (art. 51º/1 LPTA).
Poderes do órgão recorrido (art. 26º/1 LPTA).
130. O Direito ao Recurso Contencioso
Os particulares têm direito ao recurso contencioso. É um Direito Subjectivo público, que nenhum Estado de Direito pode negar aos seus cidadãos (art. 268º/4 CRP). A garantia constitucional do direito ao recurso contencioso abrange:
a) A proibição de a lei ordinária declarar irrecorríveis certas categorias de actos definitivos e executórios;
b) A proibição de a lei ordinária reduzir a impugnabilidade de determinados actos a certos vícios;
c) A proibição de em lei retroactiva se excluir ou afastar, por qualquer forma, o direito ao recurso.
A jurisprudência constitucional considera que o direito ao recurso contencioso é um Direito fundamental, por ter natureza análoga à dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados na Constituição, aplicando-se-lhe portanto o regime destes (art. 17º CRP).
Pressupostos processuais
131. Conceito
Os “pressupostos processuais” são as condições de interposição do recurso, isto é, as exigências que a lei faz para que o recurso possa ser admitido.
Importa não confundir condições de interposição, ou pressupostos processuais, com condições de provimento:
- As condições de interposição, ou pressupostos processuais, são os requisitos que têm de verificar-se para que o Tribunal possa entrar a conhecer do fundo da causa;
- As condições de provimento são aquelas que têm de verificar-se para que o Tribunal, conhecendo do fundo da causa, possa dar razão ao recorrente.
132. Competência do Tribunal
O principal factor determinante da competência dos Tribunais Administrativos no âmbito dos recursos contenciosos é a categoria do autor do acto recorrido. A natureza da questão controvertida passou a constituir também factor relevante em 1996, tendo passado a existir um Tribunal Central Administrativo que, no âmbito do recurso contencioso, possui competência especializada em função da matéria, nas questões relativas ao funcionalismo público.
* Competência do Supremo Tribunal Administrativo (art. 26º/1-c ETAF);
* Competência do Tribunal Central Administrativo (art. 40º-b ETAF). Dos recursos de actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelo Governo, seus membros, Ministros da República e Provedor de Justiça, todos quando relativos ao funcionalismo público, pelos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e seus membros, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, pelos Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, pelos órgãos colegiais de que algum faça parte, com excepção do Conselho Superior de Defesa Nacional, bem como por outros órgãos centrais independentes ou superiores do Estado de categoria mais elevada que a de director-geral;
* Competência dos Tribunais Administrativos de círculo (art. 51º/1-a - d2):
a) Dos recursos de actos administrativos dos directores-gerais e de outras autoridades da administração central, ainda que praticados por delegação de membros do Governo;
a') Dos recursos de actos administrativos de órgãos das Forças Armadas para cujo conhecimento não sejam competentes o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo;
a”) Dos recursos de actos administrativos de governadores civis e de assembleias distritais;
b) Dos recursos de actos administrativos dos órgãos de serviços públicos dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa;
c) Dos recursos de actos administrativos dos órgãos da administração pública regional ou local e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
d) Dos recursos de actos administrativos dos concessionários;
d1) Dos recursos de actos administrativos dos órgãos de associações públicas;
d2) Dos recursos de actos de que resultem conflitos de atribuições que envolvam órgãos de pessoas colectivas públicas diferentes;
Determinação da competência territorial (art. 52º ETAF), o Tribunal Administrativo de círculo territorialmente competente é o da residência habitual ou sede do recorrente.
Regime de incompetência do Tribunal (art. 4º LPTA), a circunstância de o pedido ser dirigido ao Tribunal Administrativo incompetente não determina a perda do prazo de recurso e, se a incompetência for apenas em razão do território, o processo é oficiosamente remetido ao Tribunal competente.
133. Recorribilidade do Acto
Para que o Tribunal possa receber o recurso contencioso de anulação é necessário que o acto impugnado seja um acto recorrível.
E para que um acto seja recorrível é necessário, que se trate de um acto administrativo externo, definitivo e executório (art. 25º/1 LPTA será inconstitucional por superveniência do art. 268º/4 CRP?).
Significa isto que não são recorríveis:
1) Os actos que não sejam actos administrativos;
2) Os actos administrativos internos;
3) Os actos administrativos não definitivos;
4) Os actos administrativos não executórios.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem admitido, a título excepcional, a possibilidade de se interpor recurso contencioso destes actos, que embora juridicamente não sejam executórios, de facto foram executados.
Após a revisão constitucional de 89, a supressão da referência a actos definitivos e executórios no actual n.º 4 do art. 268º, abriu caminho a uma orientação doutrinária que, com maior ou menor amplitude, admite que se possa recorrer de actos que não satisfaçam as exigências de definitividade e executoriedade, desde que apresentem a característica da lesividade (de direitos subjectivos ou interesses legítimos).
O DL 134/98 de 15 de Maio, permite o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação da Administração Pública, que prescindindo de qualquer requisito de definitividade e executoriedade, limitando-se a exigir que tais actos lesem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 2º/1).
134. Os Actos Irrecorríveis.
Segundo o art. 4º /1 do ETAF:
1. Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto:
a) Actos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício;
b) Normas legislativas e responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício da função legislativa;
c) Actos em matéria administrativa dos Tribunais judiciais;
d) Actos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da acção penal;
e) Qualificação de bens como pertencentes ao domínio público e actos de delimitação destes com bens de outra natureza;
f) Questões de Direito Privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de Direito Público;
g) Actos cuja apreciação pertença por lei à competência de outros Tribunais.
Este preceito legal representa afinal de contas, na linha tradicional do nosso Direito Administrativo, a aplicação concreta dos seguintes princípios:
- Há recurso contencioso de todos os actos administrativos;
- Não há recurso contencioso de actos que não sejam administrativos (ressalva a recorribilidade, expressamente ditada pelo ETAF, dos actos administrativos das entidades referidas no art. 26º/1 alíneas b), c) e d))
135. Impugnação de Actos Administrativos Praticados sob a Forma Regulamentar e Legislativa
Cabe recurso contencioso contra qualquer acto administrativo definitivo e executório ilegal, mesmo que formalmente incluído numa lei, num decreto-lei ou num diploma regulamentar.
136. O Problema dos Actos Políticos ou de Governo
Os actos políticos ou de governo são outra categoria de actos irrecorríveis.
Desde sempre se considerou que há certos actos do poder executivo que, sendo embora actos concretos e porventura ofensivos dos direitos individuais, não devem ser objecto de recurso contencioso de anulação, ainda que ilegais.
Isto porque, os Tribunais Administrativos se destinam a apreciar o contencioso administrativo, e este abrange os litígios emergentes do exercício da função administrativa – e não as questões que surjam do exercício da função política.
O único critério possível, é o das funções do Estado, definidas por um critério material: são actos políticas os actos praticados no desempenho da função política, tal como são actos legislativos os praticados no desempenho da função legislativa, actos administrativos os praticados no desempenho da função administrativa e, enfim, actos jurisdicionais os praticados no desempenho da função jurisdicional.
Deste modo, o problema transfere-se para outro, que é o de saber como se define a função política e em que é que ele se distingue, nomeadamente, da função administrativa.
Algumas categorias de actos políticos ou de governo:
a) Actos diplomáticos;
b) Actos de defesa nacional;
c) Actos de segurança do Estado;
d) Actos de dinâmica constitucional;
e) Actos de clemência.
Todos estes actos, são actos característicos da função política: como tais, merecem a qualificação de actos políticos ou de governo e, nessa qualidade, são insusceptíveis de recurso contencioso de anulação, ainda que porventura sejam ilegais.
Os actos administrativos podem ter consequências políticas, mas nem por isso se transformam em actos políticos: só são actos políticos os que correspondem ao conceito de função política.
É este o critério que deve considerar-se consagrado na lei portuguesa, nomeadamente no art. 4º/1-a do ETAF que considera irrecorríveis “os actos praticados no exercício da função política”.
O critério é pois, um critério objectivo e material: se o acto corresponde a função política é um acto político, se corresponde a função administrativa é um acto administrativo.
O Estado de Direito exige que a categoria dos actos políticos seja reduzida ao mínimo – e, nomeadamente, que não seja alargada para além dos limites específicos da função política.
137. Observações Complementares
Impugnação de um acto tácito: se o particular, por engano, dirige um requerimento a um certo órgão da Administração, mas este está privado do exercício da sua competência porque a delegou, o deferimento ou indeferimento tácito é imputado, para efeitos de recurso contencioso, ao delegado, mesmo que este não tenha sido remetido inicialmente o requerimento (art. 33º LPTA).
Isto significa que o erro de escolha da entidade a quem enviar o requerimento não obsta à formação de acto tácito. O recurso contencioso deve nestes casos ser interposto contra o acto do delegado, e não do delegante.
Acto expresso confirmativo de acto tácito: o acto expresso confirmativo de acto tácito é contenciosamente impugnável, desde que o recorrente, que impugnou o acto tácito, requeira, no prazo de um mês a contar da notificação ou publicação do acto expresso, que este último seja acrescentado ao acto tácito (ampliação do objecto de recurso) ou tome o lugar do acto tácito (substituição do objecto de recurso), art. 51º/1 LPTA.
Cumulação de recursos: o recorrente pode no mesmo recurso cumular a impugnação de dois ou mais actos administrativos recorríveis, desde que eles se encontrem entre si numa relação de dependência ou de conexão (art. 38º/1: o recorrente pode cumular a impugnação de actos que estejam entre si numa relação de dependência ou de conexão LPTA). Esta regra comporta algumas excepções (art. 38º/3: a cumulação e a coligação não são admissíveis:
a) Quando a competência para conhecer das impugnações pertença a Tribunais de diferente categoria;
b) Quando a impugnação dos actos não esteja sujeita à mesma forma de processo).
138. Legitimidade das Partes
A “legitimidade das partes” é o pressuposto processual através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a Tribunal.
Por remissão sucessiva dos arts. 5º do ETAF e 2º da LPTA, as regras relativas à legitimidade processual continuam a constar basicamente dos arts. 46º do RSTA e 821º do Código Administrativo.
A legitimidade processual é uma posição das partes em relação ao objecto do processo, posição tal que justifica que elas possam ocupar-se em juízo desse objecto.
No recurso contencioso de anulação, há três espécies de legitimidade processual: a legitimidade dos recorrentes, a legitimidade dos recorridos, e a legitimidade dos assistentes.
Comecemos pela legitimidade dos recorrentes. Há três tipos de recorrentes com legitimidade para interpor o recurso contencioso de anulação: 1) os interessados; 2) o Ministério Público; 3) os titulares da acção popular.
139. A Legitimidade dos Recorrentes: Os Interessados
Aquele em que um particular recorre de um acto administrativo inválido que o prejudica.
E quem é que se pode considerar interessado? É a lei que dá a resposta a esta pergunta, nos arts. 46º do RSTA e 821º do CA.
Para ter legitimidade processual, o particular que queira recorrer de um acto administrativo tem que demonstrar, por um lado, que é titular de um interesse na anulação desse acto, e por outro, que esse interesse reúne as seguintes características: é um interesse directo, é pessoal, e é legítimo.
A pessoa pode dizer-se interessada quando espera obter da anulação desse acto um benefício e se encontra em posição de o receber. Portanto, “interessado” é aquele que espera e pode obter um benefício da anulação do acto.
O interesse diz-se “directo” quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado. Ficam, portanto, excluídos da legitimidade processual aqueles que da anulação do acto recorrido viessem a retirar apenas um benefício mediato, eventual, ou meramente possível.
O interesse diz-se “pessoal” quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na própria esfera jurídica do interessado.
O interesse diz-se “legítimo” quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente.
A aceitação do acto recorrido (ou ilegitimação processual daqueles que aceitaram o acto): para que o interesse subsista é, no entanto, ainda preciso que o interessado não tenha aceitado o acto em causa, arts. 47º RSTA, 827º CA e 3º/1 DL 134/98.
Em consequência, quem aceitar o acto administrativo não tem legitimidade para recorrer dele – o que aliás bem se compreende, porque a aceitação equivale à perda do interesse no recurso.
Citação dos Contra-interessados: os contra-interessados, são aquelas pessoas titulares de um interesse na manutenção do acto recorrido, oposto portanto ao do recorrente. São os demais recorridos, a que se refere o art. 49º da LPTA, ou os interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar, referidos no art. 36º/1-b LPTA.
Coligação de recorrentes: podem coligar-se no mesmo recurso vários recorrentes quando todos impugnem, com os mesmos fundamentos jurídicos, actos contidos num único despacho ou noutra forma de decisão (art. 38º/2 LPTA). Esta regra conhece algumas excepções (art. 38º/3 LPTA).
140. A Acção Pública
Além dos interessados, isto é, dos titulares do interesse directo, pessoal e legítimo, pode também interpor recurso contencioso o Ministério Público (arts. 219º/1 CRP; 69º ETAF; 27º LPTA).
Existem agentes do Ministério Público junto dos Tribunais Administrativos – e esses podem, se assim o entenderem, recorrer contenciosamente dos actos administrativos inválidos de que tenham conhecimento.
Ao direito que ao Ministério Público assiste de recorrer de um acto administrativo chama-se Acção Popular: portanto, o Ministério Público é titular do direito de acção popular.
Os arts. 821º/1 CA e 46º/2 RSTA, estabelecem as condições em que esse direito pode ser exercido pelo Ministério Público: como e quando o entender, segundo o seu exclusivo critério, quer tenha conhecimento pelos seus próprios meios da existência de um acto administrativo inválido, quer esse conhecimento lhe tenha sido trazido por qualquer pessoa.
Para além desta possibilidade de que goza o Ministério Público, assiste-lhe ainda a faculdade de prosseguir com o recurso contencioso se este, tendo sido interposto por um particular interessado, estiver ameaçado de extinção pelo facto de o recorrente particular desistir do recurso; o Ministério Público assume a posição de recorrente, art. 27º-e LPTA.
141. A Acção Popular
Finalmente, o recurso contencioso de anulação pode ser interposto pelos titulares do direito de acção popular. A esta figura refere-se o art. 52º CRP. É no art. 822º do CA, que se ocupa da acção popular no âmbito do contencioso local.
A Constituição, no art. 52º/3, apontou no sentido da reelaboração de um conceito de legitimidade “altruísta”, com o alargamento do âmbito de aplicação da acção popular, por forma a abranger as situações correspondentes à ideia de tutela de interesse difusos.
A Constituição foi objecto de concretização legislativa através do Capítulo III da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto.
A acção popular passa, com esta lei, a abranger a acção popular civil e a acção popular procedimental administrativa, podendo esta última servir-se da via do recurso contencioso ou da via da acção administrativa (art. 12º/1).
A Acção Popular significa a possibilidade de qualquer cidadão, residente numa certa circunscrição administrativa, ou contribuinte colectado nessa área, tem de impugnar contenciosamente actos administrativos definitivos e executórios das autarquias locais ou de outras entidades, arvorando-se, assim, em defensor do interesse público e da legalidade administrativa.
Esta figura da acção popular tem bastante interesse do ponto de vista do Estado de Direito, na medida em que, por um lado, atribui a todos os membros de um certa autarquia local, desde que recenseados ou contribuintes, o direito de fiscalizarem a legalidade administrativa, independentemente de estarem ou não interessados no caso, e na medida em que, por outro lado, permite a esses mesmos cidadãos recorrer contenciosamente, nessa qualidade, sempre que possam demonstrar a titularidade de um interesse directo, pessoal e legítimo.
Há no entanto uma prevenção a fazer: não se deve confundir esta acção popular – que se chama, em linguagem técnica, Acção Popular Correctiva, uma vez que visa corrigir os efeitos de um acto ilegal da Administração – com uma outra modalidade de acção popular, chamada Acção Popular Supletiva.
A situação aqui é bastante diferente daquela que está pressuposta na primeira figura da acção popular.
Com efeito, na Acção Popular Correctiva, a situação é a seguinte: um órgão da Administração pratica um acto administrativo inválido, e o particular vai recorrer contenciosamente desse acto administrativo para obter, através do recurso, a reintegração da ordem jurídica violada.
Diferentemente, na Acção Popular Supletiva, a situação é a seguinte: a autarquia local é titular de certos direitos civis, designadamente, direitos de propriedade ou posse sobre certos bens; um terceiro violou esses direitos, por exemplo apossando-se de bens que são património autárquico; há um cidadão, residente no território dessa autarquia, que dando-se conta disso, alerta os órgãos autárquicos para essa situação, mas porque, estes nada fazem, o particular, arvorando-se em defensor dos interesses da autarquia, propõe uma acção civil para fazer valer os direitos dela contra o terceiro que os violou.
Neste caso, estamos fora do contencioso administrativo: só a primeira figura da acção popular, isto é, a acção popular correctiva, é uma figura própria do contencioso administrativo.
142. A Legitimidade dos Recorridos
Quanto ao recorrido público, ou autoridade recorrida, não há nada de especial a assinalar: tem legitimidade, a esse título, o órgão da Administração Pública que tiver praticado o acto administrativo de que se recorre.
Quanto aos recorridos particulares, ou contra-interessados, a lei define quem são ou quais entre eles têm legitimidade. Segundo o art. 36º/1-b, são aqueles “a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar” (LPTA). Quer dizer: os contra-interessados, são os particulares que ficaram directamente prejudicados se o recurso tiver provimento e, portanto, se o acto recorrido for anulado.
143. A Legitimidade dos Assistentes
Finalmente, e pelo que respeita à legalidade dos assistentes, a matéria vem regulada no art. 49º RSTA, onde se estabelece que, uma vez tomada a iniciativa de interpor recurso contencioso por quem tenha para tanto interesse directo, pessoal e legítimo, podem outras pessoas “vir em auxílio do recorrente ou de algum dos recorridos”, para reforçar a posição processual destes, ajudando-os a triunfar.
O requisito da legitimidade é, neste caso, o de que o assistente tenha um interesse legítimo no triunfo da parte principal que quer coadjuvar; esse interesse deverá ser idêntico ao da parte assistida, ou pelo menos com ele conexo.
A posição do assistente no recurso é a de parte acessória, auxiliar e subordinada.
144. Oportunidade do Recurso. Prazos
Trata-se de um pressuposto processual exclusivo dos actos anuláveis, uma vez que os actos nulos podem ser impugnados a todo tempo (art. 134º/2 CPA).
A regra geral no nosso Direito é a de que o recurso contencioso de anulação tem de ser interposto dentro de um certo prazo, sem o que será rejeitado por extemporâneo ou inoportuno. Há, todavia casos excepcionais em que o recurso contencioso pode ser interposto independentemente de prazo.
O recurso contencioso normalmente, tem por objecto um acto administrativo anulável, e a anulabilidade tem de ser invocada perante o Tribunal competente dentro de um certo prazo, sob pena de se produzir a sanação do acto e, portanto, a eliminação da invalidade.
A matéria vem regulada no art. 28º/1 LPTA. Temos pois, que o prazo geral para o recurso contencioso de anulação interposto contra actos expressos por particulares residentes em Portugal é de dois meses.
Além desta regra geral existem três regras especiais: se o recorrente residir em Macau ou no estrangeiro, o prazo é de quatro meses; se o recorrente não for um particular mas o Ministério Público, o prazo é de um ano; e se o acto recorrido não for um acto expresso mas um indeferimento tácito, o prazo é de um ano.
A título excepcional, existem casos em que o recurso contencioso pode ser interposto a todo o tempo, isto é, sem competência de prazo.
Esses casos são aqueles em que o recurso tenha por objecto actos administrativos nulos ou inexistentes, precisamente porque a nulidade e a inexistência podem ser declaradas a todo o tempo.
Desde quando se começam a contar os prazos para o recurso contencioso?
Para o caso de o acto recorrido ser um acto expresso, responde-nos o art. 29º LPTA.
Registe-se que, em relação aos actos sujeitos a publicação ou a notificação, se antes destas ocorrerem for iniciada a execução do acto, o particular pode, se quiser, interpor recurso antes da publicação ou notificação do acto (art. 29º/2 LPTA): como se trata, porém de uma faculdade, o interessado também pode, se o preferir, esperar pela publicação ou notificação.
Quanto aos actos tácitos, o prazo para recorrer deles conta-se obviamente a partir do dia seguinte àquele em que terminar o prazo de produção do acto tácito.
O art. 30º da LPTA, enuncia os requisitos da publicação ou notificação suficiente, que são os seguintes:
a) Autor do acto;
b) No caso de delegação ou subdelegação de poderes, em que qualidade o autor decidiu, e qual ou quais os actos de delegação ao abrigo dos quais decidiu;
c) A data da decisão;
d) O sentido da decisão e os respectivos fundamentos, ainda que por extracto.
No caso de a publicação ou notificação serem insuficientes – que por falta dos elementos referidos acima, quer por não contarem a “fundamentação integral” da decisão –, pode o interessado (no prazo de um mês a contar da notificação insuficiente) requerer ao autor do acto a notificação dos elementos que tenham sido omitidos, ou a passagem de certidão que os contenha (art. 31º/1 LPTA).
Se o interessado usar desta faculdade, o prazo para o recurso contencioso só começará a correr a partir da data desta última notificação, ou da entrega da certidão requerida (art. 31º/2 LPTA).
Sob o ponto de vista da sua natureza, há dois tipos de prazos: os prazos substantivos e os prazos processuais.
Os prazos substantivos, contam-se nos termos do art. 279º do CC, e incluem os Sábados, Domingos e feriados.
Os prazos processuais, contam-se nos termos do art. 144º do CPC, e excluem os Sábados, Domingos e feriados.
A marcha do processo
145. A Marcha do Processo de Recurso Contencioso de Anulação
Existem hoje três regulamentações alternativas para a marcha dos processos de recurso contencioso:
a) Uma de cariz objectivista, constitui um conjunto de normas integrado pelas normas do ETAF, da LPTA, da LOSTA e do RSTA;
b) Outra, de cariz mais subjectivista, é composta pelas regras do ETAF, da LPTA e do CA (que, nalguns casos, afastam as da LPTA);
c) Uma terceira, híbrido recente e obscuro, é composto pelas regras especiais do art. 4º do DL n.º 134/98 e pelas regras do ETAF e da LPTA.
Esta trindade é indesejável e resulta basicamente de um acidente histórico (agravado por uma lei deficiente): a transferência para os Tribunal Administrativo de Círculo, em 1984, de recursos que eram, antes desta data, da competência do Supremo Tribunal Administrativo. A transferência da competência contenciosa fez-se acompanhar das regras processuais relativas à tramitação dos respectivos recursos.
A regulamentação correspondente à segunda forma de tramitação aproxima-se mais da do processo civil:
- A primeira intervenção processual da autoridade recorrida recebe o nome de contestação, tendo a sua falta efeito cominatório pleno (art. 840º CA);
- Existe a fase da condensação, com despacho saneador, especificação e questionário (arts. 843º e 845º CA);
- Não existem limitações probatórias especiais (art. 845º e 847º CA).
A regulamentação correspondente à primeira forma de tramitação afasta-se sensivelmente do processo civil:
- A primeira intervenção da autoridade recorrida denomina-se resposta e a sua falta carece de efeito cominatório pleno (art. 50º LPTA);
- Não existe fase da condensação;
- Existem limitações probatórias sérias, não sendo admitida, em regra, prova diferente da documental (art. 12º/1 LPTA).
A regulamentação correspondente à terceira forma de tramitação aproxima-se desta última (inadmissibilidade de outra prova que não a documental - art. 4º/2 DL 134/98), sobressaindo o encurtamento dos prazos inerente ao carácter urgente (n.º 4º do mesmo artigo).
Esta regulamentação aplica-se exclusivamente aos recursos interpostos de actos administrativos relativos à formação de contractos de empreitada de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, independentemente do Tribunal competente; a primeira regulamentação aplica-se aos recursos da competência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo e ainda aos recursos da competência dos Tribunal Administrativo de Círculo em que sejam recorridos órgãos das administrações directa e instrumental do Estado (com excepção dos recursos a que implica a terceira regulamentação); a segunda regulamentação aplica-se aos restantes recursos da competência destes últimos Tribunais (art. 24º LPTA e 4º DL 134/98).
146. A Marcha do Processo no Recursos da Competência do Supremo Tribunal Administrativo e nos que Seguem o Mesmo Regime
Há a considerar quatro fases:
a) 1ª Fase: Fase da petição.
É a fase em que o recorrente interpõe o recurso junto do Tribunal competente, entregando a petição de recurso (art. 35º/1 LPTA).
No art. 36º/1 LPTA formula os requisitos a que deve obedecer a petição:
a) Designar o Tribunal ou secção a que o recurso é dirigido;
b) Indicar a sua identidade e residência, bem como as dos interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar, requerendo a sua citação;
c) Identificar o acto recorrido e o seu autor, mencionando, quando for o caso, o uso de delegação ou subdelegação de competência;
d) Expor com clareza os factos e as razões de Direito que fundamentam o recurso, indicando precisamente os preceitos ou princípios de Direito que considere infringidos;
e) Formular claramente o pedido;
f) Identificar os documentos que, obrigatória ou facultativamente, acompanham a petição (vide arts. 36º/3 LPTA e 54º e 56º RSTA).
Ao apresentar os fundamentos do recurso, o recorrente deve especificar o vício ou os vícios de que enferma o acto recorrido; em caso de cumulação de vícios, o recorrente pode ordená-los “segundo uma relação de subsidiariedade” (art. 37º LPTA).
Se a petição contiver erros ou lacunas, pode o Tribunal convidar o recorrente a proceder à regularização da petição (art. 40º LPTA).
Se forem interpostos separadamente dois ou mais recursos que, nos termos do art. 38º LPTA, possam ser reunidos num único processo, o Tribunal ordenará a respectiva apensação (art. 39º LPTA).
Seguidamente deve o recorrente efectuar o preparo que for devido (art. 41º LPTA), sem o que recurso será julgado deserto (art. 29º RSTA).
Feito o preparo, os autos vão, por cinco dias, com vistas ao Ministério Público (art. 42º LPTA), o qual poderá então exercer os direitos que lhe são conferidos no art. 27º LPTA. O Ministério Público pode, nomeadamente, “arguir vícios não invocados pelo recorrente” (art. 27º-d LPTA).
A seguir, processa-se a conclusão dos autos ao juiz relator. Este, se entender que se verifica qualquer questão que obedece ao conhecimento do objecto do recurso, fará exposição escrita do seu parecer, mando ouvir sobre a questão o recorrente e o Ministério Público.
b) 2ª Fase: Fase da resposta e contestação.
Esta é a fase em que tanto a autoridade recorrida como os contra-interessados, se os houver, são ouvidos acerca da petição apresentada pelo recorrente. (arts 43º e 46/1 LPTA).
O prazo para a resposta da autoridade recorrida é de um mês (art. 45º LPTA e art. 26º/2 LPTA).
Notificada para responder, a autoridade recorrida pode na prática optar por uma de três atitudes:
- Ou responder, sustentando a validade do acto recorrido;
- Ou responde, limitando-se a “oferecer o merecimento dos autos”;
- Ou não responde.
No caso de a autoridade recorrida não responder, ou de responder sem impugnar especificadamente os fundamentos apresentados pelo recorrente, essa falta “não importa confissão dos factos articulados pelo recorrente, mas o Tribunal aprecia livremente essa conduta, para efeitos probatórios”. O que significa que o Tribunal, considerará o silêncio da Administração como equivalente à confissão.
Até ao termo do prazo para a sua resposta, pode a autoridade recorrida revogar o acto impugnado (art. 47º LPTA): se a revogação for ex tunc, o recurso extingue-se por falta de objecto; se for ex nunc, o recurso prossegue a fim de possibilitar a obtenção de uma sentença anulatória que abranja os efeitos produzidos até à data da revogação (art. 48º LPTA).
Uma vez recebida no Tribunal a resposta da autoridade recorrida, ou findo o prazo para a sua apresentação, e apensado o processo gracioso, são os contra-interessados citados para contestar a petição do recorrente (art. 49º LPTA), o que deverão fazer no prazo de vinte dias (art. 45º LPTA).
c) 3ª Fase: Fase das alegações.
É a fase em que os vários sujeitos processuais, uma vez delimitadas as posições da Administração e dos particulares, desenvolvem as razões de facto e de direito que julgam assistir-lhes (art. 67º RSTA; art. 26º/1 LPTA). O prazo para alegações é de vinte dias (art. 34º RSTA).
Antes do julgamento do recurso, o recorrente pode desistir dele, o que tem como consequência a extinção do recurso (art. 70º RSTA). Porém, se esta tiver lugar dentro do prazo em que o Ministério Público pode impugnar o mesmo acto, a lei permite-lhe requerer o prosseguimento do recurso, assumindo nesse caso o Ministério Público a posição processual de recorrente (art. 27º-e LPTA).
d) 4ª Fase: Fase da vista final ao Ministério Público e do julgamento.
É esta a fase fundamental do processo de recurso contencioso de anulação, em que o recurso é decidido a favor do recorrente ou contra ele.
Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo, vão os autos com vista, por quatorze dias, ao Ministério Público (art. 53º LPTA), o qual emitirá o seu parecer sobre a decisão a proferir pelo Tribunal (art. 27º-e LPTA). Também aqui, uma vez mais, o Ministério Público poderá suscitar questões que obstem do objecto do recurso (art. 54º LPTA; vide arts. 709º/2/3, 713º/3 CPC).
O acórdão deverá conter os seguintes elementos (art. 75º RSTA):
- Identificação do recorrente e dos recorridos;
- Resumo, claro e conciso, dos fundamentos e conclusões da petição, da resposta e das contestações;
- Decisão final e respectivos fundamentos.
Ao decidir o objecto do recurso, o Tribunal tem de conhecer dos vícios imputados ao acto recorrido (art. 57º LPTA - ordem de conhecimento dos vícios:
1. Se nada obstar ao julgamento do objecto do recurso, o Tribunal conhece, prioritariamente, dos vícios que conduzam à declaração de invalidade do acto recorrido e, depois, dos vícios arguidos que conduzam à anulação deste.
2. Nos referidos grupos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo recorrente, quando estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior).
Às decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez transitadas em julgado, são obrigatórias tanto para a Administração como para os particulares.
147. A Marcha do Processo nos outros Recursos da Competência dos Tribunal Administrativo de Círculo
A LPTA estabeleceu consideravelmente as diferenças entre estes dois regimes, e muitas delas desapareceram com a revogação das disposições legais que as estabeleciam ou com a adopção de regras uniformes para o Supremo Tribunal Administrativo e para os Tribunal Administrativo de Círculo.
Nomeadamente, desapareceram as diferenças que existiam quanto à forma articulada ou não articulada da petição de recurso; quanto à existência ou não de visto inicial do Ministério Público; quanto ao efeito cominatório ou não cominatório da falta de contestação e da falta de impugnação especificada dos factos alegados; quanto aos prazos de contestação e de resposta; quanto ao momento de oferecimento da possibilidade de contestar aos contra-interessados: e quanto à possibilidade ou não de a autoridade recorrida produzir alegações.
Mas as principais diferenças após a LPTA, são:
a) Nestes recursos, é possível cumular o pedido de anulação do acto recorrido com um pedido de indemnização por perdas de danos, isto é, pode cumular-se o recurso contencioso de anulação com a acção de responsabilidade civil contra a Administração (art. 835º § 3º CA). O mesmo não pode ocorrer nos recursos anteriores.
b) Prevê-se expressamente que, não havendo circunstâncias que obstem ao conhecimento do objecto do recurso, e desde que o recorrente tenha regularizado a petição, se for caso disso, e se mostre feito o preparo, o juiz proferirá despacho de reconhecimento do recurso (art. 839º CA).
c) Uma vez apresentada a petição e entregues a resposta da autoridade recorrida e as contestações dos contra-interessados, o juiz proferirá despacho saneador (art. 843º CA), no qual procederá à especificação dos factos que considerar confessados, admitidos por acordo das partes ou aprovados por documentos, e elaborará um questionário em que fixe os pontos de facto controvertidos cuja apuramento interesse à decisão do recurso, ordenando por fim que as partes requeiram a produção de prova relativamente a esses pontos de facto (art. 845º CA).
d) A seguir ao despacho saneador, abre-se uma nova fase, que é a fase da instrução, em que se procederá à produção de prova, a qual se rege pelo disposto na lei processual civil em tudo o que não for contrário ao preceituado no CA (arts. 844º e segs. e 847º CA). Esta fase não existe nos recursos anteriores.
e) Na produção de prova, é admitida a prova testemunhal, bem como quaisquer outros meios de prova admitidos em processo civil à excepção do depoimento de parte (arts 845º e 847º CA). Nada disto sucede nos demais recursos contenciosos de anulação, onde a via de regra só é admissível a prova documental (art. 12º LPTA).
A sentença e a sua execução
148. A Sentença no Recurso Contencioso de Anulação
A sentença é o acto final do processo.
O recurso contencioso é um verdadeiro processo de natureza jurisdicional, através do qual o Tribunal exerce a função jurisdicional do Estado e, por isso, culmina no acto jurisdicional típico, que é a sentença.
Se o Tribunal conclui que o recorrente não tem razão, nega o provimento ao recurso.
Se o Tribunal entende o contrário, isto é, que o recorrente tem razão, concede provimento ao recurso. E das duas uma:
- Ou o acto recorrido é anulável, e o Tribunal anula-o;
- Ou o acto recorrido é nulo ou inexistente, e o Tribunal declara a sua nulidade ou inexistência.
A sentença anulatória tem a natureza jurídica de uma sentença constitutiva; a sentença que declara a nulidade ou a inexistência tem a natureza jurídica de uma sentença meramente declarativa.
149. Os Efeitos da Sentença: Efeitos processuais, o Caso Julgado
Os efeitos processuais, definem-se precisamente nos termos em que são definidos em processo civil. Dentre os efeitos processuais, o mais importante é o caso julgado ou efeito de caso julgado.
“Caso julgado” é a autoridade especial que a sentença adquire quando já não é susceptível de recurso ordinário. A sentença transitada em julgado é como se fosse verdade: res judicata pro veritate habetur.
As principais características do caso julgado, são sete:
a) Imodificabilidade: uma sentença que constitui caso julgado não pode ser alterada por modificação do critério do juiz;
b) Irrepetibilidade não se pode propor uma nova causa sobre o mesmo assunto;
c) Imunidade: o caso julgado é imune às modificações impostas por lei, ainda que retroactiva (art. 282º/3 CRP);
d) Superioridade: se houver duas ou mais decisões de autoridade em conflito, prevalece aquela que revestir força de caso julgado (art. 205º/2 CRP);
e) Obrigatoriedade: o que tiver sido decidido por sentença com força de caso julgado é obrigatório para todas as autoridade púbicas e privadas, e deve ser respeitado (art. 205º/2 CRP);
f) Executoriedade: se o conteúdo da sentença for exequível, o que nela se tiver decidido deve ser executado, sob pena de sanções contra os responsáveis pela inexecução (art. 210º/3 CRP);
g) Invocabilidade: o caso julgado pode ser invocado a favor de todos aqueles que dele beneficiem e contra todos aqueles a quem seja oponível.
De entre os vários problemas que se suscitam acerca da eficácia objectiva do caso julgado, dois há que merecem referência especial.
Em primeiro lugar, “o que constitui caso julgado é a decisão e não os motivos ou fundamentos dela”. Porque a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art. 673º - Alcance do caso julgado CPC:
A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique).
Em segundo lugar, a imutabilidade da decisão só abrange a causa de pedir invocada e conhecida pelo Tribunal.
Em relação a que pessoas é que a sentença tem autoridade de caso julgado (eficácia subjectiva)?
Esta questão tem duas respostas possíveis:
a) O caso julgado só tem eficácia em relação às pessoas que participaram no processo como partes: é a solução da eficácia “inter partes”;
b) O caso julgado tem eficácia não apenas entre as partes mas em relação a todas as pessoas que possam ser beneficiadas ou prejudicadas com a decisão jurisdicional: é a solução da eficácia “erga omnes”.
150. Efeitos Substantivos
Os efeitos substantivos, variam naturalmente conforme o tipo de sentença.
Se a sentença nega o provimento ao recurso, o seu efeito é o de confirmar a validade do acto administrativo recorrido. É aquilo a que se pode chamar o efeito confirmativo.
Se a sentença concede provimento ao recurso, de duas uma:
- Ou declara a nulidade do acto e estamos perante o efeito declarativo;
- Ou anula o acto e produz o chamado efeito anulatório, que consiste na eliminação retroactiva do acto administrativo. Isto é, os efeitos da sentença retroagem ao momento da prática do acto administrativo;
- Juntamente com o efeito declarativo ou anulatório, produz-se ainda um outro efeito da maior importância: o efeito executório: da sentença que conceda provimento ao recurso resulta, nos termos da lei, para a Administração activa, o dever de extrair todas as consequências jurídicas da anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência decretada pelo Tribunal ou, por outras palavras, o dever jurídico de executar a sentença do Tribunal Administrativo.
151. O Dever de Executar
O DL n.º 256-A/77, de 17 de Junho, cujos arts. 5º a 12º regulam minuciosamente esta matéria.
O problema da execução da execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, num sistema como o nosso, que é um sistema de administração executiva ou de tipo francês, e sobretudo pelo que toca à execução das sentenças anulatórias em recurso de anulação, é difícil e complexo, e da sua boa ou má solução depende a existência ou inexistência do Estado de Direito.
É um problema difícil e complexo por duas ordens de razões:
- O contencioso administrativo está organizado neste tipo de sistema como um contencioso de anulação, ou seja, como um contencioso que se limita a anular os actos ilegais, sem que o Tribunal deva ou possa extrair dessa anulação qualquer consequência. O Tribunal, no caso de considerar o acto ilegal ou inválido, limita-se a anular o acto.
- É a Administração, que perdeu o recurso, quem vai ter de, com boa fé e boa vontade, executar uma sentença contra si própria.
Aqui transparecem as dificuldades deste problema:
- Dificuldade jurídica: que consiste em apurar quais são as consequências jurídicas da execução de uma sentença de anulação de um acto administrativo;
- Dificuldade prática: que consiste em não poder usar da força pública contra o poder executivo, a Administração.
O problema da execução das sentenças dos Tribunais Administrativos desdobra-se em cinco aspectos fundamentais:
1) A quem compete executar as sentenças dos Tribunais Administrativos;
2) Qual o conteúdo do dever de executar;
3) Em que casos é legítimo a inexecução;
4) De que garantias dispõem os particulares contra a inexecução ilícita;
5) Como assegurar a plena eficácia destas garantias.
152. Titularidade do Dever de Executar
O dever de executar compete à Administração activa, ao poder executivo. A este dever de executar corresponde, do lado do particular que obteve vencimento no recurso contencioso de anulação, um Direito Subjectivo, que é o direito à execução. O particular tem o direito de exigir à Administração Pública a execução da sentença proferida a seu favor. O particular é, aqui, titular de um Direito Subjectivo, e não de um simples interesse legítimo.
Do preceituado no art. 5º/1 e 2 DL 256-A/77 resulta que a regra geral e a de que o dever de executar recai sobre o órgão que tiver praticado o acto anulado.
Este dever de executar nasce para Administração Pública no momento do trânsito em julgado da sentença. A lei ordena ao órgão ou órgãos competentes que cumpram espontaneamente esse dever no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença (art. 5º/1 DL 256-A/77).
Quando a lei diz que esses órgãos devem cumprir a sentença espontaneamente isto significa que eles têm o dever de a cumprir mesmo que o particular não requeira esse cumprimento.
Pode, contudo, acontecer que a Administração não cumpra espontaneamente o dever de executar a sentença. Neste caso, o particular interessado, aquele que obteve o vencimento no recurso, pode requerer ao órgão competente que execute a sentença, e dispõe de um prazo bastante longo para o fazer: três anos a contar do trânsito em julgado da sentença (art. 96º/1 LPTA). E a partir do momento em que fizer, a Administração tem 60 dias para cumprir integralmente a sentença, salvo se entender que está dispensada de o fazer por causa legítima de inexecução (art. 6º/1 DL 256-A/77).
153. Conteúdo do Dever de Executar
O dever de executar consiste no dever de extrair todas as consequências jurídicas da anulação decretada pelo Tribunal. É um dever que se traduz para a Administração activa na obrigação de praticar todos os actos jurídicos e todas as operações materiais que sejam necessárias à reintegração da ordem jurídica violada.
Em que consiste essa reintegração da ordem jurídica violada?
A este respeito, existem duas concepções:
1) A Concepção tradicional: a reintegração da ordem jurídica violada consistiria no dever de repor o particular na situação anterior à prática do acto ilegal.
2) A concepção mais recente: a reintegração da ordem jurídica violada tem de traduzir-se, não no dever legal de repor o particular na situação anterior à prática do acto ilegal, mas sim no dever de reconstituir a situação que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado. É o que se chama a reconstituição da situação actual hipotética.
A reintegração da ordem jurídica violada consiste, não na reconstituição da situação anterior à prática do acto ilegal, mas sim na reconstituição da situação actual hipotética.
O conteúdo da execução de uma sentença anulatória se consubstancia sempre em três aspectos:
1. A substituição do acto anulado por outro que seja válido, sobre o mesmo assunto;
2. A supressão dos efeitos do acto anulado, sejam eles positivos ou negativos;
3. A eliminação dos actos consequentes do acto anulado.
Actos consequentes são os actos praticados ou dotados de certo conteúdo em virtude da prática de um acto administrativo anterior.
Os actos consequentes são nulos por efeito automático da anulação do acto-base. Uma vez anulado um determinado acto administrativo, automaticamente caducam todos os actos dele consequentes. Quer dizer, o particular que obteve a anulação do acto-base não necessita de interpor recurso contencioso de todos os actos consequentes, uma vez que eles caducam automaticamente por força da lei.
154. Causas Legítimas de Inexecução
O dever de executar uma sentença anulatória cessa quando se esteja perante uma causa legítima de inexecução.
As causas legítimas de inexecução, são situações excepcionais que tornam lícita a inexecução de uma sentença, obrigando, no entanto, a Administração a pagar uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução.
O art. 6º/2 do DL 256-A/77, diz o seguinte: “Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da sentença”.
Temos, portanto, dois casos em que a Administração Pública pode legitimamente não executar uma sentença anulatória de um acto ilegal:
a) A situação em que se verifica que o cumprimento da sentença é impossível;
b) A situação em que se verifica que do cumprimento da sentença decorreria um grave prejuízo para o interesse público.
A primeira das situações referidas justifica-se por razões óbvias: se a execução é impossível, obviamente não se pode executar a sentença. Como diziam os romanos, “ad impossibilia nemo tenetur” – ninguém é obrigado a fazer aquilo que é impossível.
A segunda excepção é ditada por razões pragmáticas e de bom senso. Há casos em que a Administração Pública não deve executar uma sentença por mais que isso corresponda logicamente a uma exigência do princípio da legalidade.
Em determinadas situações melindrosas é necessário, por razões pragmáticas, deixar aberta uma porta para a inexecução de certas sentenças, embora com a obrigação de indemnizar o lesado.
Deve-se notar que o DL 256-A/77 estabelece no art. 6º/5, que quando a execução da sentença consiste no pagamento de quantia certa não é invocável causa legítima de inexecução.
Nos termos do art. 7º do mesmo diploma, se o particular não concordar com a invocação feita pela Administração de que existe uma causa legítima de inexecução, pode dirigir-se ao Tribunal competente pedindo que aprecie o caso e declare a inexecução. Se o particular concordar com a invocação feita pela Administração de que existe causa legítima de inexecução, pode requerer ao Tribunal Administrativo competente para que lhe fixe a indemnização a que tem direito por não executar a sentença.
O prazo para pedir ao Tribunal a declaração de inexistência de causa legítimas de inexecução, ou para pedir a fixação da indemnização, é de dois meses ou de um ano, conforme a Administração invoque ou não causa legítima de inexecução (art. 96º/2 LPTA).
155. Garantias Contra a Inexecução Ilícita
Para que se verifique a inexecução ilícita de uma sentença, é necessário:
a) Que a Administração Pública não cumpra, não execute a sentença;
b) Que não exista, naquele caso, nenhuma causa legítima de inexecução.
Está-se, portanto, perante uma inexecução ilícita. Neste caso, as garantias que a ordem jurídica pode pôr ao serviço do particular são os três tipos, embora no nosso Direito só duas delas estejam consagradas:
a) O poder jurisdicional de substituição:
O poder que a lei dá ao Tribunal de se substituir à Administração Pública e de praticar, ele, os actos devidos pela Administração.
No nosso Direito, este poder de substituição não existe, e não existe porque o nosso sistema administrativo é um sistema de administração executiva ou de tipo francês, em que os Tribunais não podem substituir-se à Administração praticando os actos da competência desta.
Em todo o caso, há que chamar a atenção para o art. 9º/4 DL 256-A/77.
Por conseguinte, o Tribunal, embora não possa substituir-se à Administração activa, pode ordenar às autoridades que tenham poder hierárquico ou tutelar sobre o órgão competente, que exerçam os seus próprios poderes de substituição.
b) Em segundo lugar, vem o chamado poder jurisdicional de declaração dos actos efectivos:
É o poder que consiste em o Tribunal fixar quais os actos que a Administração Pública fica obrigada a praticar em cumprimento da sentença.
A lei dá ao Tribunal o poder de declarar por sentença os actos devidos, para que a Administração Pública não possa alegar mais dúvidas. É o que se passa nos casos previstos no art. 9º/2 DL 256-A/77.
c) A terceira garantia de que os particulares é a responsabilidade disciplinar, civil e penal dos órgãos ou agentes da Administração sobre quem recai o dever de executar:
Se eles persistem em não executar uma sentença que têm o dever de executar, ficam pessoalmente responsáveis, tanto do ponto de vista disciplinar, como civil e penal.
156. Eficácia das Garantias
Em última análise, se a Administração Pública teimosamente se colocar na posição de não cumprir a sentença, mantendo a situação de inexecução ilícita, só há uma saída para isto: justamente porque a Administração Pública é a detentora da força e “não se pode usar o machado de guerra contra quem o traz à cintura”, só há uma solução possível, que é aquela que existe também do Direito das Obrigações quando não se cumpre uma obrigação que seja insusceptível de execução específica – a responsabilidade civil, isto é, o pagamento de uma indemnização.
O DL 256-A/77, veio determinar no seu art. 6º/5 o seguinte:
“ Quando a execução da sentença consistir no pagamento de quantia certa, não é invocável causa legítima de inexecução”.
Não há, pois, para a Administração, o direito de não pagar indemnizações a que seja condenada pelos Tribunais – e, nomeadamente, indemnizações devidas em consequência da inexecução ilícita das sentenças dos Tribunais Administrativos.