L - Caracteres dos Direitos Familiares
35. Os direitos familiares pessoais como direitos funcionais
Os direitos familiares (pessoais) não são direitos subjectivos no sentido estrito, ou seja, direitos de exigir de outrem um certo comportamento no interesse do credor. São antes, poderes-deveres, poderes funcionais. O titular do poder não o exerce no seu interesse mas, antes, (“também”) no interesse do “sujeito passivo”.
O titular do interesse era a família, grupo coeso, hierarquicamente organizado que se considerava titular de interesses específicos. Era com o pretexto do interesse da família, sobretudo do seu interesse patrimonial e do seu estatuto social e político, que o seu chefe, o pai, dirigia a vida da mulher; que administrava os bens da mulher, muitas vezes sustentáculo necessário da sobrevivência da família; que destinava a profissão dos filhos, a mais adequada para assegurar a sobrevivência económica do grupo, a administração dos bens da família e o funcionamento das unidades de produção familiares; que fixava o casamento dos filhos e das filhas de modo a obter novos elementos adequados para participarem na economia familiar, para a assegurarem o seu estatuto social e político; ou para obter para as filhas novas famílias que as pudessem manter no seu estatuto sócio-económico.
Hoje, com o abandono de importantes funções da família, sobretudo da sua função de produção económica, e com a perda de parte do seu significado como veículo de transmissão dos bens e do estatuto social, os membros da família libertaram-se dos “interesses” desta, passando a prosseguir “livremente” os seus interesses pessoais. Nesta medida, os direitos familiares pessoais, são exercidos, não em nome dos interesses da família, mas atendendo aos interesses de cada um dos seus membros. Caracteristicamente, ao educar os filhos, ao aconselhá-los nos passos mais importantes da sua vida, os pais estão a pensar nos interesses individuais daqueles. O único objectivo será o livre desenvolvimento da sua personalidade, de acordo com os princípios éticos que regem as colectividades e com as características específicas das pessoas em causa.
A vida familiar deverá prosseguir os interesses de todos, através de uma interacção complexa em que o “sujeito”, por o ser, é também objecto. Em que se dá, para receber; se ama, para ser amado; se comunica com os outros, para se humanizar o próprio.
A autoridade transformou-se em serviço; a imposição em conselho; a satisfação dos interesses do grupo familiar, na realização de cada um dos seus membros. Cada membro da família é, naturalmente, um ser para os outros e com os outros.
36. Fragilidade da garantia
É correcta a ideia de que a observância dos deveres familiares pessoais está tutelada por uma garantia frágil do que a dos deveres em geral. Esta ideia parece justa pelas seguintes razões.
Os deveres familiares pessoais não estão sujeitos à tutela mais consistente dos deveres jurídicos que é a possibilidade de o credor exigir do devedor o seu cumprimento e (ou) obter deste uma indemnização.
Este carácter de “privacidade” e de intimidade leva a que não se deva atribuir ao familiar “lesado” um direito à indemnização pelo não cumprimento dos deveres do outro. Só certos casos mais graves são sindicáveis do exterior, ficando os outros impunes. É o “direito” à liberdade e à prossecução da sua felicidade que assiste a cada um dos membros da família, e que não é limitado pelo facto de se pertencer ao grupo familiar, não permite impor a nenhum deles a observância de comportamentos não desejados, contrários aos seus interesses.
Assim, perante casos graves de incumprimento dos deveres familiares, a única possibilidade que assiste ao lesado é dissolver o vínculo, de modo a não continuar a suportar violações dos seus interesses.
Cada membro da família, pelo facto de estar integrado no grupo, não aliena os seus direitos de personalidade – quanto muito estes estarão comprimidos enquanto o estado familiar durar – podendo em qualquer momento violar os seus deveres para com o outro; o que será seguramente anti-jurídico e anti-ético, mas que não desencadeia por si qualquer espécie de sanção para além da dissolução do vínculo ofendido.
37. Carácter duradouro dos estados de família
Tem-se entendido que as relações de família são permanentes, perpétuas, ou têm vocação de perpetuidade. O casamento vigorará, em princípio, até à morte de um dos cônjuges, devendo considerar-se, em princípio, excepcional a dissolução do vínculo conjugal. O mesmo se diga, por exemplo, do estado de filho. Este carácter duradouro dá origem a verdadeiros “estados”, a situações na existência, qualificadoras do seu sujeito.
Uma das características do carácter duradouro do Direito da Família é a de não se poderem pôr termos ou condições a essas relações.
38. Relatividade: o carácter relativo
Os direitos familiares pessoais são relativos: vinculam pessoas certas, não projectando os seus efeitos em relação a terceiros. Assim, se um dos cônjuges mantiver relações adulterinas com terceiro, este não será responsável para com o cônjuge “lesado”.
Há, contudo, situações em que as relações em que as relações familiares se impõem a terceiros. O exemplo característico é o dos arts. 495º/3 e 496º CC. No caso de uma lesão que proveio a morte, os familiares do lesado, que lhe podiam exigir alimentos, têm direito de pedir ao lesante indemnização pelos danos patrimoniais sofridos. E os familiares referidos no art. 496º/2 CC, podem exigir indemnização pelos danos não patrimoniais que a morte do seu familiar lhes causou.
39. Tipicidade dos direitos familiares
Os direitos e negócios familiares estão sujeitos aos “numerus clausus”, ao contrário do que sucede no Direito das Obrigações, em que vigora o princípio da liberdade contratual, não só quanto ao número dos negócios, como também quanto ao seu conteúdo. Em matéria de Direito da Família, não só se podem celebrar unicamente os negócios previstos na lei, como as relações familiares estão sujeitas, em princípio, a um conteúdo pré-fixado na lei.