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C - Fontes de Direito Fiscal

 

15.  Princípios jurídicos fundamentais e costume constitucional

A expressão “fontes de Direito” admite diversos entendimentos, ou conteúdos. Um substancial respeita  à origem e à razão vinculativa das normas; outro formal, abrange os revestimentos pelos quais os preceitos jurídicos se revelam, são enunciados, se apresentam aos seus destinatários. É neste sentido formal que a expressão vai aqui ser empregada.

A Constituição material, abrange necessariamente, os mais diversos sectores. Assim, não será concebível que o direito á vida, o direito a constituir família, a não retroactividade da lei penal, o poder paternal, etc., não tenham relevância, e ao nível das formas fundamentais, impondo-se ao legislador ordinário, se a Constituição escrita, por demasiado sucinta, ou por qualquer outro motivo, não tiver enunciado tais princípios ou direitos. Não há dúvida que a difusão das “declarações de direitos” e das regras fundamentais do chamado “Estado de Direito” vieram reforçar a orientação neo-jusnaturalista e dar volume à ideia de uma Constituição material que se sobrepõe à Constituição formal. Esta sobreposição poderá mesmo suscitar o problema de uma admissível inconstitucionalidade formal, por inobservância de alguma ou mais regras da Constituição material.

Os princípios tributários fundamentais: nem sempre de ideia de costume constitucional permitirá o enquadramento de princípios fundamentais, inclusivamente tributários, não enunciados pela Constituição no sistema jurídico. Porque pode acontecer que alguns desses princípios nunca tenham sido incluídos em qualquer lei constitucional.

Admite-se que determinados princípios e normas de Direito Fiscal, pelo enraizamento na consciência dos povos, tenham assento supra-constitucional, que se imponha ao legislador, sem excluir o próprio legislador constitucional. E, não pretendendo embora qualquer enumeração taxativa em tal matéria, estariam nesse plano os citados princípios da legalidade e da anualidade do imposto, da igualdade de tratamento na repartição dos encargos tributários e da capacidade contributiva como base da incidência fiscal.

 

16.  Lei Constitucional

A lei constitucional ocupa, compreensívelmente, lugar de particular relevo na hierarquia das fontes de Direito em geral. E no campo do Direito Tributário, para além da sua função comum de supremacia relativamente à lei ordinária, tem ainda a definir a zona reservada à lei em sentido formal, em obediência ao princípio da legalidade do imposto. Assim, na Constituição, o princípio da legalidade do imposto, conjugado com o da anualidade, reflecte-se nos preceitos contidos nos arts. 103º/2, 104º, 165º/1-i. Também poderá entender-se que o princípio da igualdade fiscal tem acolhimento na Constituição, através do art. 13º e do art. 104º/1.

 

17. Lei ordinária formal

O princípio da legalidade não é exclusivo do Direito Fiscal, mas apresenta á face deste um significado mais rigoroso e exigente. Com efeito, o princípio da legalidade desdobra-se em dois aspectos: o da preeminência da lei e o da reserva da lei. Quanto à preeminência da lei, ele domina toda a ordem jurídica, se algum modo excluir o Direito Privado, não obstante o princípio da autonomia da vontade. Em qualquer sector do Direito, só se pode agir validamente em subordinação à lei, aceitando a sua preeminência. Mesmo quando as partes interessadas decidem, preferem, optam livremente, de harmonia com a sua vontade, fazem-no na medida em que a lei ou o costume com relevância de lei assim o admite. Quanto à reserva de lei, trata-se de um aspecto menos amplo e menos extenso; mas mesmo assim, atinge sectores do Direito Privado, designadamente os institutos respeitantes ao estado e á capacidade das pessoas (art. 165º/1-a CRP). Este mesmo aspecto de reserva de lei ganha particular relevo no campo do Direito Fiscal, porquanto os impostos só podem ser criados e estruturados por lei. E trata-se de uma reserva de lei em sentido formal, posto que a lei criadora dos impostos deve provir de um órgão com competência legislativa normal (arts. 103º, 165º/1-i CRP).

 

18.  Decreto-lei

O Governo pode legislar, através de decretos-lei, sobre outras matérias tributárias, alheias àquela zona reservada. E mesmo sobre as matérias pela Constituição reservadas à lei formal, poderá o Governo legislar, também através de decretos-lei, na base de autorizações legislativas. Em tal caso, a Assembleia da República limita-se a “definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização”. Baseado nessa definição, já o Governo poderá criar o imposto na mesma definição indicado, e formular as respectivas normas de incidência, incluindo as que fixem taxas e estabelecem benefícios fiscais, assim como legislar sobre garantias dos contribuintes.

 

19. Regulamento

Relativamente às matérias reservadas á lei pelo art. 103º CRP, só parecem admissíveis regulamentos complementares, ou de execução. Em tais matérias não serão admissíveis regulamentos autónomos, ou independentes. Poderá causar estranheza a afirmação de que os regulamentos complementares contenham normas sobre matérias reservadas à lei pelo art. 103º CRP. Mas assim acontece com frequência. É corrente que em decretos regulamentares se incluam normas de incidência, se fixem taxas tributárias, se definam benefícios fiscais e garantias dos contribuintes.

 

20.  Ordens internas da administração (despachos, instruções e circulares)

O carácter geral e abstracto dos chamados “despachos genéricos”, das instruções e circulares, emanados de diversas entidades sobre matérias tributáveis, tem levado, por vezes, a considerar a questão de saber se tais “resoluções meramente administrativas”, pois essa é a sua natureza, serão fontes de Direito Fiscal. Não parece que o sejam porquanto a força vinculativa de tais diplomas se acha circunscrita a um sector da ordem administrativa. E essa mesma força vinculativa resulta tão-somente da autoridade hierárquica dos agentes onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados as quais se dirigem.

 

21.  Costume

“Tacitus consensus populi longa cosutudine inveteratus” (prática reiterada e constante com convicção de obrigatoriedade), há-de afirmar-se como fonte de Direito. Mas não parece que tal aconteça no campo tributário, onde as normas não são criadas espontaneamente pelos destinatários. Não é o princípio da legalidade do imposto que leva a afastar o costume daquele campo. Porquanto como se sabe, esse princípio domina apenas alguns aspectos da tributação, especialmente o da incidência fiscal. Mesmo assim, é difícil admitir que outros aspectos, como o lançamento, o da liquidação ou da cobrança, possam conformar-se com a disciplina de normas consuetudinárias.

 

22.  Normas internacionais

À face do entendimento para o qual os destinatários das normas internacionais são os Estados e não os indivíduos, não faria sentido a inclusão das normas internacionais entre as fontes de Direito Fiscal (arts. 15º/2 e 74º CIRS, evitar a dupla tributação: (1) método da imputação; (2) método da não incidência; (3) método da isenção).

De harmonia com o art. 8º CRP, “as normas e os princípios de Direito Internacional Geral ou Comum fazem parte integrante do Direito português”; e “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna”, assim como, mesmo sem ratificação ou aprovação, as normas emanadas de organizações internacionais de que Portugal faça parte e cujos tratados constitucionais vinculam, pois, directamente os particulares; e quanto às normas de carácter geral ou comum sem qualquer limitação ou resguardo, ao nível da legislação constitucional portuguesa, e prevalecendo, por isso, sobre leis ordinárias do Direito Interno.

Entre essas normas internacionais contam-se algumas de natureza tributária, pelo que não poderá oferecer dúvidas, na actualidade, a inclusão das normas internacionais entre as fontes de Direito Fiscal.

 

23.  Jurisprudência e doutrina

Nem a jurisprudência nem a doutrina constituem fontes imediatas de Direito Fiscal, salvo, quanto à primeira. Os Tribunais, normalmente, não criam normas jurídicas através das suas sentenças e dos seus acórdãos.

No entanto, a jurisprudência e a doutrina desempenham um papel do maior relevo como fontes mediatas de Direito Fiscal, pela influência que exercem na evolução dos sistemas de Direito Positivo. E esta influência é ainda mais marcada no campo do Direito Fiscal, por se tratar de um ramo de Direito que tem sofrido ultimamente e está sofrendo, grandes e profundas alterações, as quais são muito frequentemente influenciadas pela opinião dos doutrinadores e pelas orientações jurisprudenciais.

 

24.  Categorias de normas fiscais

a) Normas de soberania fiscal: são as que definem o poder de tributar, separando a esfera patrimonial da comunidade política e as esferas patrimoniais dos particulares, determinando até onde, dentro dos quais limites, podem desenvolver-se as exigências do poder político quanto aos sacrifícios patrimoniais daqueles que se situam na sua esfera de domínio político-económico. Os quadros dentro dos quais se situam os poderes tributários do Estado são delimitados por normas de soberania fiscal.

b) Normas de incidência: definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação. Determinam quem é o sujeito activo da obrigação de imposto, quem são em abstracto, os sujeitos passivos da mesma obrigação, qual a matéria colectável, isto é, a riqueza, os valores económicos sobre que recai a tributação, qual a taxa do imposto, quota ou percentagem, calculada sobre aquela matéria colectável para efeitos de fixação da colecta, da prestação tributária a pagar e qual o facto dinamizante, gerador que, reunindo, pondo em contacto, os pressupostos tributários, permitirá que nasça, se constitua, uma obrigação de imposto.

c) Normas de lançamento: consiste no conjunto de actos e operações pelos quais os serviços fazendários, ou os contribuintes, nos casos de auto-lançamento, determinam, em concreto, os elementos da obrigação de imposto.

d) Normas de liquidação: operações que consistem na aplicação da taxa de imposto à matéria colectável, para determinação da colecta, do quantitativo da prestação tributária.

e) Normas de cobrança ou de pagamento: conforme a operação seja considerada do ponto de vista do fisco ou do contribuinte, são todas aquelas que disciplinam a cobrança ou pagamento dos impostos.

f) Normas de organização de serviços: são nitidamente de índole administrativa, não se podendo razoavelmente atribuir-lhes natureza diversa daquela que corresponde às normas de organização de outros quaisquer serviços do Estado.

g) Normas de fiscalização: entre estas à a distinguir duas espécies: umas respeitam à fiscalização dos serviços e essas são nitidamente de natureza administrativa; outras respeitam à fiscalização dos contribuintes e de terceiros, que se julgue disporem de elementos susceptíveis de possibilitar, ou facilitar, as operações fiscais orientadas para uma regular percepção dos impostos.

h) Normas de sanção: destinam-se a penalizar os contribuintes e, por vezes, também terceiros, por actos cometidos susceptíveis de comprometer as operações de lançamento, de liquidação ou de cobrança dos impostos, participam da natureza das normas penais, ou seja, punitivas.

i) Normas de contencioso: as que se encontram no Código do Processo Tributário.
 

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