E - O procedimento em primeira instância
Dinâmica da instância
Vicissitudes
62. Início
A instância inicia-se com a propositura da acção, entendendo-se que esta se considera proposta, intentada ou pendente quando for recebida na secretaria (art. 150º/3 CPC) a respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido enviada pelo correio, na data do seu registo postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC). No entanto, em relação ao réu, os efeitos decorrentes da pendência da causa só se produzem, em regra, após a sua citação (art. 267º/2 CPC; sobre uma excepção a esta regra, art. 385º/6 CPC).
63. Suspensão
São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:
* Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (arts. 276º/1-a; 277º/1 CPC), salvo se já tiver começado a audiência final ou se o processo já tiver inscrito em tabela para julgamento, hipótese em que a instância só se suspende depois de ser proferida a sentença ou o acórdão (art. 277º/1 CPC);
* Nos processos em que for obrigatória a constituição de advogado (arts. 32º/1 e 3; 276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);
* Sempre que o Tribunal a ordene (arts. 276º/1-c; 279º/1; 97º/1; 284º/1-c CPC);
* Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1; 39º/3; 356º; 549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL 329-A/95, de 12/12; no art. 24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art. 3º/2, CRegP.);
* A vontade das partes também constitui uma causa de suspensão da instância: as partes podem acordar nessa suspensão por um prazo não superior a seis meses (art. 279º/4 CPC).
Durante a suspensão da instância só se podem praticar os actos urgentes destinados a evitar o dano irreparável (art. 283º/1, 1ª parte CPC) e os prazos judiciais não correm enquanto ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas a suspensão não impede a desistência, confissão ou transacção, desde que estas não se tornem impossíveis ou não sejam afectadas pelo fundamento da suspensão (art. 283º/3 CPC).
64. Interrupção
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º CPC). A interrupção da instância é, assim, consequência do incumprimento do ónus de impulso subsequente das partes (art. 265º/1 CPC). A interrupção cessa se o autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento dele (art. 286º CPC).
A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele, aliás, que justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a caducidade se refere ao exercício jurisdicional de um direito potestativo, a interrupção da instância implica que não se conta, para efeitos dessa caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e aquela interrupção (art. 332º/2 CC). Isto é, o prazo de caducidade começa a correr de novo com a interrupção da instância, pelo que pode suceder que ele se esgote antes de cessar essa interrupção.
65. Extinção
O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o julgamento (art. 287º-a CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de mérito ou de absolvição da instância (arts. 288º e 289º CPC). Mas existem outras causas de extinção da instância. São elas:
- A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art. 1º/1 e 2 LAV), ou seja, a atribuição da competência para o julgamento da acção pendente a um Tribunal Arbitral;
- A deserção da instância (art. 287º-c CPC), isto é, a interrupção da instância durante dois anos (art. 291º/1 CPC);
- A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);
- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).
Com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção (art. 481º CPC; arts. 323º/1 e 2; 805º/1; e 1292º CC). A desistência, absolvição e deserção da instância, bem como a caducidade do compromisso Arbitral (art. 4º LAV), implicam que o prazo prescricional – cujo decurso fora interrompido pela citação do réu (art. 323º/1 CC) ou passados 5 dias depois de esta ter sido requerida (art. 323º/2 CC) – começa a correr de novo (e desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts. 327º/2 e 326º/1 CC).
Fases do processo
66. Noção
A tramitação da acção comporta uma sequência de actos que pode ser decomposta em várias fases. A fase processual pode ser construída através de um critério cronológico ou lógico: naquela primeira acepção, a fase engloba os actos temporalmente contíguos na marcha do processo, mesmo que realizem finalidades distintas; em sentido lógico, a fase abrange todos os actos, qualquer que seja o momento em que sejam praticados, que prossigam uma mesma finalidade.
Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma função, ainda que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da respectiva fase em sentido cronológico.
Processo ordinário
Fases dos articulados
67. Função da fase
A fase dos articulados é aquela em que as partes da acção – o autor e o réu – apresentam as razões de facto e de direito que fundamentam as posições que defendem em juízo e solicitam a correspondente tutela judicial. É através dos articulados que as partes iniciam o seu diálogo na acção.
68. Articulados
São as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC). Essas peças recebem o nome de articulados, porque, em princípio, nas acções, nos incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessam à fundamentação do pedido ou da defesa (art. 151º/2 CPC), isto é, cada facto deve ser alegado separadamente num artigo numerado. O processo ordinário comporta, na tramitação normal, quatro articulados: a petição inicial (art. 467º CPC), a contestação (art. 486º CPC), a réplica (art. 502º CPC) e a tréplica (art. 503º CPC); em determinadas situações, podem ainda ser apresentados articulados supervenientes (art. 506º CPC).
69. Apoio judiciário
O apoio judiciário é, em conjunto com a consulta jurídica, uma das modalidades da protecção jurídica (art. 6º DL 387-B/87, de 29/12; art. 20º/2 CRP). Têm direito à protecção jurídica as pessoas singulares e colectivas que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais da causa (art. 7º/1 e 4, DL 387-B/87), ou seja, as pessoas para as quais esses encargos possam constituir motivo inibitório do recurso ao Tribunal (art. 7º DL 391/88, de 26/10). Gozam da presunção de insuficiência económica aqueles que requeiram alimentos ou que os estejam a receber por necessidade económica, que reúnam as condições exigidas para a atribuição de quaisquer subsídios em razão da sua carência de rendimentos, que tenham rendimentos mensais provenientes do trabalho iguais ou inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional, bem como o filho menor para efeitos de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade (art. 20º/1, DL 387-B/87).
A protecção jurídica – e, portanto, o apoio judiciário – é concedido para as causas em que o requerente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos lesados ou ameaçados de lesão (art. 8º DL 387-B/87). O apoio judiciário aplica-se em todos os Tribunais, qualquer que seja a forma processual do requerente e da sua concessão à parte contrária (art. 17º/1, DL 387-B/87), e, se for atribuído, compreende a dispensa, total ou parcial, de taxas de justiça e do pagamento das custas, ou o seu diferimento, assim como a dispensa do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1, DL 387-B/87). Essa dispensa abrange as despesas com os exames requeridos a organismos oficiais e as multas que condicionam o exercício de uma faculdade processual.
Normas em vigor actualmente referentes à protecção jurídica:
- Lei n.º 34/2004 - Acesso ao direito e aos Tribunais
- Portaria n.º 10/2008 - Regulamento da lei do Acesso ao direito e aos Tribunais
- Modelo requerimento protecção juridica
70. Petição inicial
A petição inicial é o primeiro articulado do processo, no qual o autor alega os fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada e formula o correspondente pedido contra o réu.
A entrega da petição inicial é o resultado de uma actividade prévia do advogado do autor e, frequentemente, de várias opções quanto à estratégia a adoptar. Aquela actividade inclui a indagação dos factos relevantes para a fundamentação da posição do seu mandante e a averiguação dos meios de prova susceptíveis de ser utilizados por esta parte (art. 456º/2-a), b) CPC).
A petição inicial contém, em termos formais, quatro partes: o intróito ou cabeçalho, a narração, a conclusão e os elementos complementares. A petição inicial começa por um intróito ou cabeçalho, no qual é designado o Tribunal onde a acção é proposta (art. 467º/1-a CPC), se identificam as partes através dos seus nomes, residências, profissões e locais de trabalho (art. 467º/1-a CPC) e se indica a forma do processo (art. 467º/1-b CPC). Se a petição inicial não contiver estes elementos, a secretaria deve recusar o seu recebimento (art. 474º-a), b), c) CPC).
Na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art. 467º/1-c CPC). Esta parte da petição inicial contém a exposição dos factos necessários à procedência da acção, isto é, a alegação dos factos principais, bem como dos factos instrumentais para os quais seja oferecida prova documental que deva ser junta à petição inicial (art. 523º/1 CPC). Os factos devem ser deduzidos por artigos (art. 151º/2 CPC) e, se faltar qualquer facto essencial, a petição é inepta por falta de causa de pedir (art. 193º/2-a CPC).
À narração dos factos e das razões de direito segue-se a conclusão. É nesta parte da petição inicial que o autor deve formular o pedido (art. 467º/1-d CPC), isto é, definir a forma de tutela jurídica que pretende a situação jurídica alegada. A falta de indicação do pedido ou a contradição deste com a causa de pedir apresentada na narração importam a ineptidão da petição inicial (art. 193º/2-a, b CPC).
A petição inicial termina com algumas indicações complementares (arts. 467º/1-e/2; 474º-d, e; 523º/1; 255º/1; 32º/1-a, b; 40º CPC).
A petição inicial deve ser entregue ou enviada à secretaria judicial do Tribunal competente (art. 150º/1 e 3 CPC). A acção considera-se proposta, intentada ou pendente logo que aquele articulado seja recebido na secretaria (art. 267º/1 CPC).
O art. 234º/4 CPC, enumera as hipótese em que a citação do réu é precedida de despacho judicial e o art. 234º-A/1 CPC, estabelece os casos em que o juiz é chamado a proferir aquele despacho pode indeferir liminarmente a petição. O indeferimento limiar pode basear-se na improcedência manifesta da acção ou na existência de uma excepção dilatória insanável e de conhecimento oficioso (art. 234º-A/1 CPC). Esse indeferimento pode ser parcial, tanto quanto a um dos objectos cumulados, como quanto a um dos vários autores ou réus.
O indeferimento liminar extingue a instância (art. 287º-a CPC), e produz caso julgado quanto ao seu fundamento. Por aplicação analógica do art. 476º CPC, o autor pode entregar, no prazo de 10 dias após a notificação do indeferimento liminar, uma nova petição inicial.
O art. 234º-A/1 CPC, coloca o problema de saber se o único despacho admissível nesse momento é o de indeferimento liminar. Pode perguntar-se se, perante uma petição irregular ou deficiente, o juiz está impedido de solicitar a sanação da irregularidade ou de convidar o autor a aperfeiçoar esse articulado.
71. Citação do réu (art. 480º - art. 233º CPC)
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art. 228º/1, 1ª parte – 480º CPC). Em regra, a citação é posterior à distribuição, mas, quando aquela não deva realizar-se editalmente (art. 233º/6 CPC), o autor pode requerer, invocando os respectivos motivos, que a citação preceda a distribuição (art. 487º/1 CPC).
A citação do réu está submetida aos princípios da oficiosidade e da celeridade (arts. 234º/1 e 479º CPC).
A citação pode ser pessoal ou edital (art. 233º/1 CPC). A citação pessoal é aquela que é feita através de contacto directo com o demandado ou que é efectuada em pessoa diversa do citando, mas encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto (art. 233º/4; sobre estas situações: arts. 233º/5, 236º/2 e 240º/2, 2ª parte CPC). A citação pessoal pode ser realizada através da entrega ao cintando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação postal (art. 233º/2-a CPC), mas também pode ser efectuada através de contacto pessoal do funcionário judicial (art. 233º/2-b CPC) ou do mandatário judicial do autor com o citando (art. 233º/3 CPC). Em regra, a citação é pessoal (art. 233º/6 CPC) e, em regra também, é realizada pela via postal (arts. 239º/1 e 245º/2 CPC).
Modalidades de citações:
* Citação postal (art. 236º/1 CPC);
* Citação por funcionário judicial (arts. 235º; 239º/1; 240º/2, 4 – art. 348º CP – art. 241º CPC);
* Citação por mandatário judicial (art. 245º/2 CPC)
* Citação edital (art. 233º/6 CPC)
* Citação no estrangeiro (art. 247º/1 CPC).
A citação pode ser impossível por três circunstâncias: a incapacidade de facto do citando (art. 242º CPC), a ausência do citando em parte certa e por tempo limitado (art. 243º CPC) e a ausência dele em parte incerta (art. 244º CPC). No primeiro caso, se o juiz reconhecer a incapacidade do réu, é-lhe nomeado um curador provisório (art. 242º/3 CPC); no segundo, faculta-se ao Tribunal a opção entre proceder à citação postal ou aguardar o regresso do citando (art. 243º CPC); por fim, no terceiro, procura-se obter, junto de quaisquer entidades, serviços ou autoridades policiais, informações sobre paradeiro ou a ultima residência conhecida do citando (art. 244º/1 CPC), utilizando, em seguida, se essa ausência for confirmada, a citação edital (arts. 233º/6, e 248º CPC).
A citação pode faltar (art. 195º CPC) e ser nula (art. 198º CPC). Segundo o disposto no art. 195º CPC, verifica-se a falta de citação quando o acto tenha sido completamente omitido, quando tenha havido erro de identidade do citado, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (arts. 233º/6 e 251º CPC), quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, ou seja, quando ele tenha ilidido a presunção estabelecida no art. 238º CPC, ou quando a citação tenha sido realizada apesar da sua incapacidade de facto (art. 242º CPC). A falta de citação considera-se sanada se o réu ou o Ministério Público intervierem no processo e não arguirem o vício (art. 196º CPC).
A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei (art. 198º/1 CPC) – arts. 235º e 246º/1 CPC), desde que essa inobservância possa prejudicar a defesa do citado (art. 198º/4 CPC)
72. Contestação
A contestação é a resposta do réu à petição inicial do autor, ou seja, é a manifestação da posição do réu perante aquele articulado do autor. Pode ser entendida num sentido material ou formal. A contestação em sentido material é qualquer acto praticado pelo réu, no qual essa parte mostre a sua oposição ao autor e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2 e 487º/1 CPC).
A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à petição inicial do autor: à contestação em sentido formal referem-se por exemplo os arts. 488º e 489º/1 CPC.
O réu pode tomar uma de duas atitudes fundamentais perante a petição inicial: opor-se ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma destas condutas depende dos factos indagados pelo mandatário do réu e das provas de que esta parte possa dispor, havendo, naturalmente, que observar o dever de verdade que recai sobre essa parte (art. 456º/2-a, b CPC) e o dever de não advogar contra a lei expressa e de não usar meios ou expedientes ilegais que obriga o mandatário (art. 78º-b EOA).
A contestação do réu marca a sua oposição relativamente ao pedido do autor. A contestação pode consistir na impugnação dos factos articulados pelo autor ou na invocação de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias (art. 487º CPC). A escolha da modalidade da defesa (por impugnação ou por excepção) é condicionada pela posição que o réu pretende assumir na acção (arts. 487º/2 e 493º/2 e 3 CPC).
Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular um pedido reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido reconvencional não esteja sujeito a qualquer preclusão se não for formulado na acção pendente, a opção pela sua formulação nessa acção só deve ser tomada quando for possível coligir, no prazo de contestação, todos os elementos necessários para a sua procedência.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual devem ser expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido e indicado o seu valor (art. 501º/1 e 2 CPC).
O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art. 486º CPC). A esse prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha sido realizada na própria pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e quando o réu tenha sido citado fora da comarca sede do Tribunal onde pende a acção (art. 252º-A/1 CPC).
O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da petição inicial (art. 488º CPC).
A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 489º/1 CPC), ou melhor, no prazo da sua apresentação (art. 486º/1 CPC), pelo que fica precludida quer a invocação dos factos que, devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação, num momento posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos forem invocados fora do prazo determinado para a contestação, o Tribunal não pode considerá-los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade daquela decisão (art. 668º/1-d, 2ª parte CPC).
Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão, importa ter presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos que fundamentam uma excepção dilatória ou peremptória, como limitar-se a impugnar os factos invocados pelo autor na petição inicial (art. 487º/2 CPC).
73. Conteúdo material
A contestação pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e por excepção (art. 487º/1 CPC). A defesa por impugnação pode ser directa ou de facto ou indirecta ou de direito:
– A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos factos articulados na petição inicial (art. 487º/2, 1ª parte CPC);
– A impugnação é indirecta ou de direito quando o réu afirma que os factos alegados pelo autor não podem produzir o efeito jurídico pretendido por essa parte (art. 487º/2, 1ª parte in fine CPC).
A impugnação directa é um meio de defesa do réu; como o Tribunal conhece oficiosamente a matéria de direito (art. 664º, 1ª parte CPC), este órgão, mesmo sem essa impugnação, deve controlar se os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor podem decorrer dos factos alegados por esta parte. A delimitação entre a impugnação indirecta e a excepção peremptória faz-se, por isso, através do seguinte critério:
- Se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é, a atribuir uma diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor, há impugnação indirecta;
- Se, pelo contrário, o réu opõe a esse efeito a alegação de um facto impeditivo, modificativo ou extintivo, verifica-se a dedução de uma excepção peremptória.
a) Defesa por excepção:
Consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, importam a improcedência total ou parcial do pedido (art. 487º/2, 2ª parte CPC). No primeiro caso, o réu alega a falta de um pressuposto processual e invoca uma excepção dilatória (art. 493º/2 CPC); no segundo, o réu opõe uma excepção peremptória (art. 493º/3 CPC).
b) Defesa por impugnação:
A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo autor na petição inicial (art. 490º/1 CPC); se assim não suceder, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (art. 490º/2, 1ª parte CPC).
A contestação produz efeitos processuais, inclui-se a possibilidade, admitida em certos casos, de réplica do autor (art. 502º/1 e 2 CPC). E substantivos, importa referir que a contestação torna litigioso o direito afirmado ou a coisa discutida em juízo, o que revela, por exemplo, para a proibição da cessação daquele direito (art. 579º CC) e da venda desse direito ou coisa (art. 876º CC).
74. Réplica
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida num sentido formal ou material: naquela primeira acepção, a réplica é o articulado que o autor apresenta em resposta à contestação do réu; em sentido material, a réplica consiste na contestação de uma excepção oposta pelo réu ou na dedução de uma excepção contra o pedido reconvencional formulado pelo réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela impugnação ou a dedução daquela excepção, a réplica em sentido formal é-o também em sentido material.
A réplica é admissível sempre que o réu deduza alguma excepção ou formule um pedido reconvencional (art. 502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a réplica destina-se a possibilitar a impugnação pelo autor da excepção invocada pelo réu ou a alegação de uma contra-excepção; no segundo, a réplica permite a apresentação pelo autor de qualquer contestação, por impugnação ou por excepção (art. 487º/1 CPC), do pedido reconvencional. A réplica encontra a sua justificação nos princípios da igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e do contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).
A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu implica, em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º CPC). Esta admissão não se verifica nas situações previstas do art. 490º/2 CPC, e, além disso, há que conjugar o conteúdo da réplica com o da petição inicial, pelo que devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses articulados do autor.
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica implica a revelia do reconvindo quanto a esse pedido (art. 484º/1 CPC). Essa revelia é inoperante nas condições referidas no art. 485º CPC, mas, se for operante, determina a confissão dos factos articulados pelo réu como fundamento do seu pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC).
Acessoriamente a estas funções, a réplica pode ser utilizada para o autor alterar unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC)
75. Tréplica
É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida numa acepção formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado de resposta do réu à réplica do autor; a tréplica em sentido material é a contestação pelo réu das excepções opostas à reconvenção na réplica, a impugnação da admissibilidade da modificação do pedido ou da causa de pedir realizada pelo autor na réplica (art. 273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova causa de pedir ou do novo pedido apresentado pelo autor na réplica (art. 503º/1 CPC).
A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):
- Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade dessa modificação, quer o novo pedido formulado ou a nova causa de pedir invocada;
- Quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver alegado contra esse pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por impugnação ou pela invocação de uma contra-excepção. A tréplica destina-se, por isso, a assegurar o contraditório do réu a essas matérias.
O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica, a não impugnação da nova causa de pedir e a não contestação da excepção alegada pelo autor na réplica determinam, em regra, a admissibilidade por acordo desses factos e dessa excepção (art. 505º CPC).
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o autor pode contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma excepção, à qual o réu pode responder na tréplica com a alegação de uma contra-excepção.
76. Articulados supervenientes
Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que, dada a sua superveniência, não puderam ser invocados nos articulados normais (art. 506º/1 CPC). Essa superveniência pode ser objectiva ou subjectiva:
- É objectiva quando os factos ocorrem posteriormente ao momento da apresentação do articulado da parte (art. 506º/2, 1ª parte CPC);
- É subjectiva quando a parte só tiver conhecimento de factos ocorridos depois de findar o prazo de apresentação do articulado (art. 506º/2, 2ª parte CPC).
A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o facto ocorreu depois da apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente superveniente. Mais complexa é a aferição da superveniência subjectiva, porque importa verificar em que condições se pode dar relevância desconhecimento do facto pela parte. O art. 506º/4 CPC, estabelece que o articulado superveniente deve ser rejeitado quando, por culpa da parte, ele for apresentado fora de tempo, isto é, quando a parte não tenha tido conhecimento atempado do facto por culpa própria (art. 506º/3 CPC). Portanto, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo do facto.
Fase da condensação
77. Função da fase
Realiza duas funções primordiais: uma respeitante aos aspectos jurídico-processuais da acção e uma outra relativa ao seu objectivo. Naquela primeira função, cabe a verificação da regularidade do processo e, sempre que possível, a sanação das excepções dilatórias e das nulidades processuais: é a função de saneamento. Na segunda, inclui-se o convite à correcção e ao aperfeiçoamento dos articulados e a determinação das questões de facto a resolver: é a função de concretização.
A função de saneamento visa resolver os impedimentos à apreciação do mérito da acção e sanar as nulidades processuais e a função de concretização permite delimitar as questões de facto relevantes para a decisão da causa.
78. Despacho pré-saneador
É proferido pelo juiz sempre que importe obter a sanação das excepções dilatórias (art. 508º/1-a CPC) ou a convidar as partes ao aperfeiçoamento ou à correcção dos articulados das partes (art. 508º/1-b CPC).
Ao Tribunal incumbe providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, quer determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância, quer convidando as partes a praticá-los (art. 265º/2 CPC). Se o Tribunal ainda não tiver promovido essa sanação (tal como permite o art. 265º/2 CPC), o momento adequado para o fazer é o despacho pré-saneador (art. 508º/1-a CPC).
O Tribunal pode utilizar o despacho pré-saneador para convidar as partes, dentro de prazos por ele fixados (art. 508º/2 e 3 CPC), a corrigirem ou a aperfeiçoarem os seus articulados (art. 508º/1-b CPC). Este despacho nunca é recorrível (art. 508º/6 CPC).
São de dois tipos os vícios de que podem padecer os articulados das partes: a irregularidade e a deficiência. O articulado é irregular quando não observe os requisitos legais ou quando não seja acompanhado de documento essencial ou de qual a lei faça depender o prosseguimento da causa (art. 508º/2 CPC).
O articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou impressões na exposição ou concretização da matéria de facto (art. 508º/3 CPC), isto é, quando nele se encontrem todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura. A deficiência respeita, por isso, ao conteúdo do articulado e à apresentação da matéria de facto; esse vício pode traduzir-se, por exemplo, na insuficiência dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição.
Os factos alegados pela parte para o suprimento dessa deficiência não podem implicar uma alteração da causa de pedir ou da defesa anteriormente apresentadas (art. 508º/5 CPC) e, por isso, o réu não pode deduzir no novo articulado uma reconvenção que anteriormente não formulara.
79. Audiência preliminar
É marcada pelo Tribunal para os 30 dias subsequentes ao termo da fase dos articulados, ao suprimento das excepções dilatórias ou à correcção ou aperfeiçoamento dos articulados (art. 508º-A/1 proémio CPC). O despacho que a convoca deve indicar o seu objecto e finalidade (que é qualquer das previstas no art. 508º-A/1 CPC), mas não exclui a possibilidade de o Tribunal conhecer do mérito da causa no despacho saneador (arts. 508º/3; 510º/1-b CPC).
Se a audiência preliminar for convocada, a falta das partes ou dos seus mandatários não constitui motivo do seu adiamento (art. 508º-A/4 CPC). A falta do mandatário pode reflectir-se, de modo significativo, na defesa dos interesses do seu constituinte, pelo que é susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade perante a parte (art. 83º/1-d EOA).
A audiência preliminar é dispensável quando, destinando-se à fixação da base instrutória, a simplicidade da causa não justifique a sua convocação (art. 508º-B/1-a CPC)
A audiência preliminar também é dispensável quando a sua realização tivesse por finalidade facultar a discussão de excepções dilatórias (art. 508º-A/1-b CPC) e estas já tenham sido debatidas nos articulados, a sua apreciação se revista de manifesta simplicidade (art. 508º-B/1-b CPC) ou, segundo um outro critério legal, a sua discussão prévia seja manifestamente desnecessária (art. 3º/3 CPC).
80. Finalidades essenciais
A audiência preliminar realiza-se com as seguintes finalidades essenciais, muitas das quais encontram a sua justificação no princípio da cooperação recíproca entre o Tribunal e as partes (art. 266º/1 CPC):
- Tentativa de conciliação das partes (art. 508º-A/1-a CPC);
- Discussão e produção de alegações pelas partes, se o juiz tiver de apreciar excepções dilatórias que as partes não hajam suscitado e discutido nos articulados ou tencionar conhecer, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (art. 508º-A/1-b CPC);
- Discussão das posições das partes, com vista à delimitação do litígio, e suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate (art. 508º-A/1-c CPC);
- Proferimento do despacho saneador (art. 508º-A/1-d CPC);
- Finalmente, se a acção tiver sido contestada, selecção, após debate, da matéria de facto relevante para a apreciação da causa e decisão sobre as reclamações deduzidas pelas partes contra ela (art. 508º-A/1-e CPC).
A audiência preliminar prossegue, assim, múltiplas funções: as principais são as da conciliação das partes, de audição prévia das partes, de saneamento do processo, de concretização do objecto do litígio e de selecção da matéria de facto (art. 508º-A/1-a, b, c, d, e CPC).
81. Concretização do litígio
Visa-se atingir com essa função uma dupla finalidade: por um lado, procura-se circunscrever as divergências entre as partes, distinguindo-se aquilo que é essencial do que é acessório nas suas posições; por outro, pretende-se evitar que as insuficiências e imprecisões dos articulados na exposição da matéria de facto possam criar uma realidade processual distinta da verdade das coisas.
Para a delimitação do objecto do litígio relevam elementos de direito e de facto. Quanto àqueles primeiros, é sempre admissível uma modificação da qualificação jurídica que seja compatível com os factos alegados pelas partes.
Relativamente aos elementos de facto, o problema que se coloca é o de saber se a discussão realizada para a delimitação do objecto do litígio pode ser acompanhada da modificação da causa de pedir. A resposta é positiva, mas não há qualquer motivo para entender que tal modificação deva ser admitida fora das condições legalmente previstas, isto é, para além dos casos enquadráveis na previsão do art. 272º CPC (quanto à modificação consensual) e 273º CPC (quanto à alteração unilateral).
82. Selecção da matéria de facto
Escolher os factos que se devem considerar assentes e aqueles que devem ser julgados controvertidos: também esta importante tarefa se cumpre na audiência preliminar (art. 508º-A/1-e CPC). Quanto a esta selecção, a audiência visa não só prepará-la, mas também realizá-la efectivamente. A conjugação do disposto no art. 508º-A/1-e CPC, com o estabelecido no art. 511º/1 CPC, poderia levar a entender que a selecção da matéria de facto seria realizada pelo juiz depois da audiência preliminar, isto é, poderia conduzir ao entendimento de que essa audiência visaria somente a preparação da selecção a realizar posteriormente pelo juiz.
A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.
83. Finalidades acessórias
Sempre que a audiência preliminar se deva realizar, ela prossegue complementarmente as seguintes funções:
- A indicação pelas partes dos meios de prova e a decisão sobre a admissão e preparação das diligências probatórias, salvo se alguma das partes requerer a sua apresentação posterior (art. 508º-A/2-a CPC);
- Se o processo estiver em condições de prosseguir para julgamento (se o processo não dever terminar no despacho saneador, art. 510º/1 CPC), a designação da data de realização da audiência final (art. 508º-A/2-b CPC) e, em certas acções não contestadas, a solicitação da intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Finalmente, a apresentação do requerimento da gravação da audiência final (art. 508º-A/2-c; arts. 522º-B e 522º-C CPC).
Conjuntamente com a indicação dos meios de prova (art. 508º-A/2-a CPC), as partes, quando não pretenderem provar os próprio facto principal seleccionado na base instrutória, têm o ónus de indicar os factos instrumentais que desejam utilizar para a prova desse facto. Isto é, como todas as provas constituendas exigem a preferência do facto com que se pretende provar com elas (arts. 552º/2; 577º/1; 612º e 633º CPC), a parte, se não quiser demonstrar com essas provas o próprio facto principal seleccionado, tem o ónus de alegar os factos instrumentais que pretende demonstrar com a prova requerida.
Uma outra finalidade acessória da audiência preliminar é o exercício do contraditório. Se, em virtude da limitação legal do número de articulados, alguma das partes não puder responder a uma excepção deduzida no último articulado admissível, ela pode responder à matéria desta na audiência preliminar (art. 3º/4 CPC).
84. Despacho saneador
O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais da acção, como o mérito desta (art. 510º/1 CPC). Nestas funções atribuídas ao despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui a sua finalidade primária e o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma finalidade eventual. O julgamento do mérito realiza-se normalmente na sentença final (art. 658º CPC), pelo que quando o estado da causa o permitir (art. 510º/1-b CPC), ele pode ser antecipado para o despacho saneador.
O despacho saneador destina-se, antes de mais, a verificar a admissibilidade da apreciação do mérito e a regularidade do processo (art. 510º/1-a CPC); havendo toda a vantagem em que o controlo dessa admissibilidade não seja relegada para uma fase adiantada da tramitação da acção, é ela que justifica a atribuição daquela função de saneamento àquele despacho.
O momento do proferimento do despacho saneador depende da tramitação da causa em concreto. Se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar (art. 508º-B/1 CPC), o despacho saneador é proferido no prazo de 20 dias a contar do termo da fase dos articulados (art. 510º/1 proémio CPC).
No despacho saneador, o Tribunal deve conhecer das excepções dilatórias e das nulidades processuais que haja sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente (art. 510º/1-a CPC). Quanto àquelas nulidades, o Tribunal pode apreciar oficiosamente a ineptidão da petição inicial, a falta de citação, o erro na forma do processo e a falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória (art. 202º CPC). mas estas nulidades só são apreciadas no despacho saneador se o Tribunal ainda não tiver conhecido delas (art. 206º/1 e 2, 1ª parte CPC). Também as nulidades que não são de conhecimento oficioso deverão ser julgadas logo que sejam reclamadas (art. 206º/3 CPC), pelo que a sua apreciação não se realizará, em regra, no despacho saneador.
Quando o despacho saneador conheça de uma excepção dilatória ou de uma nulidade processual, ele só adquire força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas (art. 510º/3 1ª parte CPC). Assim, apenas o julgamento concreto sobre a inexistência de uma excepção ou nulidade impede que essa matéria possa voltar a ser apreciada no processo pendente (art. 660º/1 CPC).
Pelo contrário, a referência genérica no despacho saneador à inexistência de qualquer excepção dilatória ou nulidade processual não adquire força de caso julgado (art. 510º/3, 1ª parte CPC) e, por isso, não impede que o Tribunal venha a apreciar, na sentença final, uma dessas excepções ou nulidades (art. 660º/1 CPC).
A apreciação do mérito e o proferimento da decisão sobre a sua pendência ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final (art. 658º CPC). Mas, em certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para o despacho saneador: Tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, do pedido reconvencional ou ainda da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória (art. 510º/1-b CPC). Neste caso, o despacho saneador fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença (art. 510º/3, 2ª parte CPC) e dele cabe recurso de apelação (art. 691º/1 CPC).
Nas condições referidas no art. 288º/3 CPC, o Tribunal pode conhecer do mérito ainda que verifique que falta um pressuposto processual. Esta situação será certamente mais frequente no despacho saneador do que na sentença final, dado que são raras as situações em que a falta do pressuposto se detecta apenas na fase da sentença ou em que a sua apreciação é relegada para esse momento (art. 510º/4 CPC).
Fase da instrução
85. Função da fase
Os factos incluídos na base instrutória, porque são controvertidos ou porque nele foram inseridos por iniciativa do Tribunal (art. 264º/2 CPC), necessitam de ser provados (art. 513º CPC). A fase da instrução realiza uma função distinta consoante sejam utilizadas para a demonstração desses factos provas constituendas ou provas pré-constituídas. A produção de uma prova constituenda é realizada, em regra, na audiência final (art. 652º/3-a, b, c, d, CPC), mas essa actividade tem de ser previamente preparada: esta é uma das funções da fase da instrução, na qual são praticados os actos preparatórios da produção das provas constituendas.
86. Princípios estruturantes
A fase da instrução rege-se pelo princípio da cooperação (art. 266º/1 CPC), tanto nas relações das partes e de terceiros com o Tribunal (art. 266º/1 e 519/1 CPC), como nas do Tribunal com as partes (art. 266º/4 CPC). Naquele primeiro aspecto, o princípio da cooperação impõe a todas as pessoas, mesmo que não sejam partes na causa, o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (art. 519º/1 CPC). A recusa de colaboração implica a condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem admissíveis (art. 519º/2, 1ª parte CPC; sobre essa multa, art. 102º-b CCJ).
Este dever de colaboração é independente da repartição do ónus da prova (arts. 342º a 345º CC), pelo que abrange mesmo a parte que não está onerada com a prova do facto.
A recusa de colaboração é legítima se esta implicar a violação da integridade física ou moral das pessoas (art. 519º/3-a CPC).
A actividade de instrução também assenta na colaboração do Tribunal com as partes da acção (arts. 266º/4; 519º-A/1 CPC).
Apesar de o objecto do processo se encontrar, em geral, submetido à disponibilidade das partes (arts. 264º/1; e 664º in fine CPC), a instrução comporta importantes poderes instrutórios do Tribunal. Esses poderes podem recair sobre factos essenciais, complementares e instrumentais e justificam-se pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja imposta pelo non liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC) e não pela realidade das coisas averiguada em juízo. Nenhum facto relevante para a decisão da causa deve ficar por esclarecer.
A actividade de instrução comporta importantes poderes inquisitórios do Tribunal sobre os factos instrumentais. Segundo o estipulado no art. 264º/2 CPC, o Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e utilizá-los na sentença quando resultem da instrução e julgamento da causa. Uma das consequências destes poderes inquisitórios sobre os factos instrumentais é a possibilidade de o Tribunal investigar factos que permitam provar os factos principais que constam da base instrutória (arts. 508º-A/1-e e 508º-B/2 CPC) e que constituem o objecto da instrução (art. 513º CPC).
O princípio do contraditório (art. 3º/1 a 3 CPC) também releva na instrução da acção. Assim, as provas não são admitidas (nem produzidas) sem a audiência contraditória da parte a quem sejam opostas (art. 517º/1 CPC). Essa contrariedade concretiza-se de modo diferente nas provas pré-constituídas.
Relativamente às provas pré-constituídas, qualquer das partes tem a faculdade de impugnar tanto a respectiva admissão, como a sua força probatória (art. 517º/2, 2ª parte CPC).
Quanto às provas constituendas, a parte deve ser notificada, sempre que não seja relevante, para todos os actos de preparação e produção da prova e é admitida a intervir nesses mesmos actos (art. 517º/2, 1ª parte CPC).
87. Meios de prova
Os meios de prova podem ser indicados ou requeridos na petição inicial (art. 467º/2 CPC) e, por analogia, em qualquer outro articulado. Se isso não tiver acontecido, esses meios devem ser apresentados ou requeridos na audiência preliminar, salvo se alguma das partes requerer, com motivos justificados, a sua apresentação ulterior (art. 508º-A/2-a CPC); se essa audiência não se realizar, os meios de prova devem ser apresentados ou requeridos nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho saneador (art. 512º/1 CPC). Neste mesmo prazo, as partes podem alterar os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados (art. 512º/1, 2ª parte CPC).
Depois deste prazo, o rol de testemunhas ainda pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data da realização da audiência final (art. 512º-A/1 CPC), sendo a parte contrária notificada para usar, se quiser, de igual faculdade no prazo de 5 dias (art. 512º-A/1 in fine CPC). A apresentação das novas testemunhas incumbe às partes (art. 512º-A/2 CPC), isto é, o Tribunal não procede à sua notificação. Meios de prova:
a) Prova por confissão (arts. 552º segs. CPC);
b) Prova documental (arts. 523º segs. CPC)
c) Prova pericial (arts. 568º segs. CPC);
d) Prova testemunhal (arts. 616º segs. CPC);
e) Inspecção judicial (arts. 612º segs. CPC);
f) Apresentação de coisas.
Fase da audiência final
88. Função da fase
A fase da audiência final compreende as actividades de produção da prova (constituenda), de julgamento da matéria de facto e de discussão sobre a matéria de direito. Como resulta deste enunciado, esta fase realiza duas funções primordiais – que são a produção da prova e o consequente julgamento da matéria de facto – e uma função preparatória da sentença final – que é prosseguida pelas alegações de direito.
89. Princípios estruturantes
Segundo o princípio da imediação, os meios de prova devem ser apresentados directamente perante o Tribunal, ou seja, o Tribunal deve ter um contacto directo com esses meios. É este princípio que orienta o disposto no art. 652º/3 CPC, quanto à realização da prova perante o Tribunal da audiência final. Sempre que a prova seja transmitida por pessoas, a imediação na produção da prova implica a oralidade nessa realização.
a) Publicidade
As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal decidir, em despacho fundamentado, excluir essa publicidade para salvaguardar a dignidade das pessoas e a moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento (art. 206º CRP; sobre essa publicidade, também art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem). A audiência final deve ser, com essas mesmas excepções, públicas (art. 656º/1 CPC).
Mesmo quando a audiência seja pública, a publicidade pode ser excluída quando se proceda à exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos (art. 652º/3-b, 2ª parte CPC). Dado que a lei não define os critérios para a exclusão da publicidade neste caso, deve entender-se que valem aqueles que se encontram enunciados no art. 206º CRP (bem como no art. 656º/1 CPC).
b) Continuidade
A audiência final é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior, por absoluta necessidade ou nos casos regulados na lei (art. 656º/2, 1ª parte CPC), como sucede naqueles que estão previstos nos arts. 650/4; 651º/3; 654º/2 CPC. Se não for possível conclui-la num dia, o presidente marcará a sua continuação para o dia útil imediato, ainda que compreendido em férias, e assim, sucessivamente (art. 656º/2, 2ª parte CPC).
c) Plenitude
Segundo o princípio da plenitude da assistência dos juízes, só podem intervir na decisão da matéria de facto aqueles que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final (art. 654º/1 CPC). A violação desta regra origina uma nulidade processual (art. 201º/1 CPC).
Se durante a audiência, algum dos juízes falecer ou se impossibilitar permanentemente, os actos já realizados são repetidos perante um Tribunal com uma nova composição (art. 654º/2, 1ª parte CPC). Se a impossibilidade for temporária, interrompe-se a audiência ou, se parecer mais aconselhável, repetem-se perante um novo Tribunal os actos já praticados (art. 654º/2, 2ª parte CPC). Se o juiz for transferido, promovido ou aposentado, conclui-se, em princípio, o julgamento antes da efectivação dessa deslocação ou aposentação, excepto se esta se fundamentar na incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo (art. 654º/3, 1ª parte CPC).
d) Documentação
A audiência final e os depoimentos, informações e esclarecimentos nela prestados são gravados, sempre que alguma das partes o requeira (arts. 508º-A/2-c, e 512º/1 CPC) ou o Tribunal o determine (art. 522º-B CPC). A gravação é efectuada por sistema sonoro, excepto quando possa ser realizada por meios audiovisuais ou semelhantes (art. 522º-C CPC), e abrange a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), a tentativa de conciliação entre as partes (art. 652º/2 CPC), a produção da prova (art. 652/3-a, b, c, d, CPC), os debates sobre a matéria de facto (art. 652º/3-e; n.º 5 CPC), a leitura do acórdão de julgamento da matéria de facto e as eventuais reclamações deduzidas pelas partes (art. 653º/4 CPC) e ainda a discussão oral do aspecto jurídico da causa (arts. 653º/5 e 657º CPC). Se algum depoimento houver de ser prestado fora do Tribunal (art. 652º/4 CPC), também ele deverá ser gravado.
e) Efectivação
A produção da prova orienta-se por um princípio de efectividade, através do qual se procura evitar que essa actividade se torne impossível por não ter sido realizada no momento oportuno. Com vista a assegurar a efectividade da produção da prova, permite-se que, se houver justo receio de vir a tronar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de arbitramento ou inspecção, a produção destas provas possa ser antecipada ou mesmo realizada antes da propositura da acção (art. 520º CPC). É o que se chama produção antecipada da prova (ou prova ad perpetuam rei memoriam), que como pressuposto especifico o receio da impossibilidade ou da dificuldade da realização da prova no momento normal.
90. Tribunal da audiência
A discussão e o julgamento da causa são realizados, em regra, com a intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC). Esse Tribunal é um Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ) ou uma vara cível (art. 72º LOTJ); onde não os houver, é competente um Tribunal colectivo strictu sensu (art. 79º-b LOTJ).
Mas, em certas situações, a audiência final decorre perante um Tribunal singular. Quanto às situações de revelia inoperante, há que distinguir três hipóteses:
- Se a revelia for inoperante por qualquer das circunstâncias previstas no art. 485º-b, c, d, CPC, a audiência final decorre perante o Tribunal singular excepto se as partes requererem a intervenção do Tribunal colectivo na audiência preliminar ou nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho saneador (art. 646º/2-a; art. 512º-1 CPC);
- Se a inoperância da revelia resultar da contestação de algum dos litisconsortes (art. 485º-a CPC), a audiência final realiza-se perante o Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Se a revelia for inoperante porque a citação do réu não foi pessoal (art. 484º/1 CPC), a audiência final decorre perante o Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC).
Se o julgamento for realizado por um Tribunal singular quando deveria ter intervindo um Tribunal colectivo, é aplicável – diz o art. 646º/3 CPC – o disposto no art. 110º/4 CPC, do qual resulta que aquela incompetência do Tribunal singular pode ser suscitada pela partes ou ser conhecida oficiosamente até ao termo da audiência final. Note-se que, apesar desta remissão, a incompetência prevista no art. 646º/3 CPC, é, como categoria processual, totalmente distinta daquela que é regulada pelo art. 110º/4 CPC: aquela é uma incompetência funcional, porque se refere à distribuição de poderes dentro do Tribunal competente para a apreciação da acção; esta última é uma incompetência jurisdicional. Assim, aquela incompetência do Tribunal singular não conduz à consequência da incompetência relativa (art. 111º/3 CPC), mas à nulidade do acto processual realizado pelo Tribunal singular, isto é, do julgamento da matéria de facto (art. 201º/1 CPC).
91. Realização da audiência
A audiência inicia-se com a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), isto é, com a apresentação por cada um dos advogados das partes os fundamentos das suas posições quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito. Se o objecto da acção for uma situação disponível, o presidente procurará conciliar as partes (art. 652º/2 CPC).
Sempre que alguma das partes, em consequência da limitação legal do número de articulados, não possa responder a uma excepção deduzida pela outra no último articulado admissível, aquela parte pode exercer o contraditório no início da audiência final, se não se realizou a audiência preliminar (art. 3º/4 CPC). Produção de prova:
a) Depoimento de parte, a produção de prova começa pela prestação de depoimento de parte (art. 652º/3-a CPC), quando ele tiver sido ordenado pelo Tribunal ou requerido pela outra parte, por uma comparte (arts. 552º/1, e 553º/3 CPC) ou pelo assistente (arts. 339º e 332º/1 CPC).
b) Prova documental, embora deva ser apresentada, em regra, antes da audiência final (art. 523º/1 CPC), essa audiência é o momento adequado para a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos (art. 652º/3-b, 1ª parte; 527º CPC; arts. 206º CRP, 656º/1 CPC).
c) Prova pericial, o resultado da perícia consta de um relatório (art. 596º/1 CPC), pelo que, em regra, os peritos não são chamados a depor na audiência final. Mas a presença dos peritos nesta audiência pode ser ordenada oficiosamente pelo Tribunal ou requerida por qualquer das partes, para que eles possam prestar os esclarecimentos verbais que lhes forem solicitados (art. 652º/3-c CPC).
d) Prova testemunhal, as testemunhas são inquiridas na audiência final (arts. 621º proémio e 652º/3-d CPC), excepto se for requerida a sua inquirição antecipada (arts. 621º-a e 520º CPC) ou por carta (art. 621º-b CPC). A parte pode requerer a inquirição da testemunha por carta quando ela resida fora da área do círculo judicial ou da ilha (art. 623º/1 CPC) ou da área metropolitana da sede do Tribunal (art. 623º/4 CPC). Contra a prova testemunhal pode reagir-se por impugnação, contradita ou acareação:
- A impugnação questiona a admissibilidade do depoimento (arts. 636º; 637º CPC), ou seja, tem por fundamento a incapacidade natural ou a inabilidade legal da testemunha (arts. 616º e 617º CPC);
- A contradita baseia-se na alegação de qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por efectuar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer (arts. 640º; 641º CPC);
- A acareação consiste no confronto das testemunhas, ou das testemunhas e das partes, cujos depoimentos mostrem uma oposição directa acerca de determinado facto (arts. 642º; 643º CPC).
e) Debates, após a produção da prova, realizam-se os debates sobre a matéria de facto (art. 652º/3-e CPC). Estes debates definem um importante momento na tramitação da acção. Eles marcam o termo ou encerramento da discussão, o qual determina o limite temporal da alteração do pedido (art. 273º/2 CPC), da apresentação dos articulados supervenientes (art. 506º/2 CPC), da junção de documentos (art. 523º/2 CPC), da ampliação da base instrutória pelo presidente do Tribunal colectivo (art. 650º/2-f CPC) e da consideração pelo Tribunal dos factos constitutivos, modificativos e extintivos (art. 663º/1 CPC).
92. Princípios do julgamento
a) Aquisição processual
Segundo o princípio da aquisição processual, o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova (art. 515º, 1ª parte CPC).
Uma das consequências deste princípio é a impossibilidade de retirar do processo uma prova apresentada (art. 542º/3 e 4 CPC). O mesmo processo justifica a inadmissibilidade da desistência da prova pericial pela parte requerente sem a anuência da parte contrária (art. 576º CPC).
Exceptuam-se a submissão a este princípio da aquisição processual as situações em que a lei declare irrelevante a alegação e a prova de um facto quando não sejam feitas por uma certa parte (art. 515º, 2ª parte CPC). É o que sucede com a confissão, que só pode ser feita pela parte para a qual o facto reconhecido é desfavorável (art. 352º CC), e, mais casuisticamente, com a prova da maternidade na respectiva acção de investigação, a qual só pode ser realizada pelo filho investigante (art. 1816º/1 CC).
b) Livre apreciação da prova
Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (art. 652º/3-b, c, d, CPC) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (art. 65º/1 CPC): é o caso da prova pericial (art. 389º CC; art. 591º CPC), da inspecção judicial (art. 391º CC) e da prova testemunhal (art. 396º CC).
A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um valor legal a um determinado meio de prova (arts. 358º/1 e 2, 371º/1, 376º e 377º CC), assim como quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial (art. 655º/2 CPC).
c) Fundamentação
Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos (art. 653º/2 CPC). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (arts. 655º/1 e 652º/3-b, c, d, CPC), o Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à sua valoração.
93. Procedimento do julgamento
Encerrada a discussão (art. 652º/3-e CPC), o Tribunal recolhe à sala das conferências para ponderar e decidir (art. 653º/1, 1ª parte CPC). Se não se julgar suficientemente esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e ordenar quaisquer diligências necessárias (art. 653º/1, 2ª parte CPC).
A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a Tribunal singular (art. 653º/2, 1ª parte CPC). A decisão do Tribunal colectivo é tomada por maioria e o acórdão é lavrado pelo presidente, podendo qualquer dos juízes assinar vencido quanto a qualquer ponto da decisão ou formular declaração divergente quanto à sua fundamentação (art. 653º/4 CPC). Aquela decisão deve declarar quais os factos que o Tribunal julga provados e quais os que considera não provados e especificar, quanto a todos eles, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º/2 CPC). As partes podem reclamar contra a falta dessa motivação (art. 653º/4, 2ª parte CPC) e ela pode ser exigida pela Relação (art. 712º/5 CPC).
Ao Tribunal compete, no julgamento da matéria de facto, analisar criticamente as provas (art. 653º/2 CPC). Esta análise refere-se às presunções legais e judiciais das quais pode ser inferida a prova do facto controvertido (arts. 349º a 351º CC).
O Tribunal de audiência não pode pronunciar-se sobre matéria de direito, isto é, não pode ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados. Considera-se inexistente qualquer resposta desse Tribunal sobre essa matéria (art. 646º/4, 1ª parte CPC).
94. Discussão da matéria de direito
A fase da audiência final termina com a discussão da matéria de direito, que se destina a discutir a interpretação e aplicação da lei aos factos julgados provados (arts. 653º/5 in fine, e 657º in fine CPC) e que se pode realizar oralmente ou por escrito. Em regra, a discussão do aspecto jurídico da causa realiza-se oralmente perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença final (arts. 653º/5, 1ª parte e 657º CPC), isto é, no caso do Tribunal colectivo, perante o seu presidente (art. 80º-c LOTJ). Mas se as partes não prescindirem da discussão escrita do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, faculta o processo para exame do advogado ao autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um, a fim de alegarem por escrito sobre a interpretação e aplicação da lei aos factos que tiverem sido considerados provados e àqueles que deverem ser tidos por assentes (art. 657º CPC).
Fase da sentença
95. Função da fase
A fase da sentença é aquela em que é proferida a decisão final do procedimento em 1ª instância. O proferimento da sentença final depende da forma da discussão do aspecto jurídico da causa:
- Se essa discussão se realizou por escrito (art. 657º CPC), o processo é concluso ao juiz, para o proferimento da decisão no prazo de 30 dias (art. 658º CPC);
- Se essa discussão tiver sido oral (art. 653º/5 CPC), a sentença pode ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta (art. 659º/4 CPC).
A sentença é proferida pelo juiz da causa ou pelo presidente do Tribunal colectivo (art. 80º-c LOTJ) ou do Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ).
96. Conteúdo da sentença
A sentença comporta os seguintes elementos: relatório, fundamentos, decisão e aspectos complementares. No relatório, o Tribunal identifica as partes e o objecto do litígio e fixa as questões que lhe cumpre solucionar (art. 659º/1 CPC). Ao relatório seguem-se os fundamentos, nos quais o Tribunal deve discriminar os factos que considera provados e admitidos por acordo e indicar, interpretar e aplicar as correspondentes normas jurídicas (art. 659º/2, 3 CPC). A sentença termina com a parte decisória ou dispositiva (art. 659º/2 in fine CPC), na qual se contém a decisão de condenação ou de absolvição, e deve ser assinada e datada (arts. 157º/1, e 668º/1-a CPC).
A sentença deve ser motivada (art. 208º/1 CRP; art. 158º/1 CPC) através da exposição dos fundamentos de facto – respeitam aos factos relevantes para a decisão que foram adquiridos durante o processo – e de direito – à interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis a esses factos – (art. 659º/2 CPC).
Como fundamentos de facto devem ser utilizados todos os factos que foram adquiridos durante a tramitação da causa. Nos termos do art. 659º/3 CPC, integram esses fundamentos:
- Os factos admitidos por acordo, ou seja, os factos alegados por uma parte e não impugnados pela contraparte (arts. 490º/2, e 505º CPC), mesmo que não tenham sido considerados assentes;
- Os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa das partes (arts. 523º e 524º CPC) ou do Tribunal (arts. 514º/2, e 535º CPC);
- Os factos provados por confissão reduzida a escrito, seja ela uma confissão judicial ou extrajudicial (arts. 356º e 358º CC; art. 563º/1 CPC);
- Os factos julgados provados pelo Tribunal singular ou colectivo na fase da audiência final (art. 653º/2 e 3 CPC);
- Os factos que resultam do exame crítico das provas, isto é, aqueles que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados (arts. 349º a 351º CC).
A estes factos acrescem ainda os factos notórios (art. 514º/1 CPC) e os de conhecimento oficioso (art. 660º/2 in fine CPC).
O sentido da decisão depende dos factos fornecidos pelo processo (com consideração do princípio da aquisição processual, art. 515º CPC) e da análise do cumprimento do ónus da prova (art. 516º CPC; art. 346º, 2ª parte CC).
97. Conteúdo do julgamento
A sentença começa por conhecer das excepções dilatórias que conduzem à absolvição da instância, segundo a ordem da sua precedência lógica (art. 660º/1 CPC). Estas excepções podem ser tanto aquelas que o Tribunal deixou de apreciar no despacho saneador, por entender que, nesse momento, o processo ainda não fornecia os elementos necessários (art. 510º/4 CPC), como aquelas que não foram apreciadas concretamente nesse despacho e sobre as quais não há, por isso, qualquer caso julgado (art. 510º/3, 1ª arte CPC). Dado que o despacho saneador genérico não produz caso julgado quanto à existência ou inexistência de qualquer excepção dilatória (art. 510º/3, 1ª parte CPC), o Tribunal não está impedido de a apreciar na sentença final.
Entre o despacho saneador e o termo da discussão (art. 652º/3-e CPC) pode verificar-se a sanação ou a cessação de uma excepção dilatória. Aquelas eventualidades não podem deixar de ser consideradas na sentença final, podendo invocar-se a analogia com o disposto no art. 663º/1 CPC, quanto à consideração nessa sentença dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos ocorridos até ao encerramento da discussão. Assim, na acção pendente na 1ª instância, é relevante qualquer sanação ou cessação de uma excepção dilatória, desde que ocorra até ao encerramento da discussão.
O art. 660º/1 in fine CPC, impõe o conhecimento das excepções dilatórias segundo a ordem da sua precedência lógica. São dois os preceitos que contêm enumerações de excepções dilatórias – os arts. 288º/1 e 494º CPC –, mas elas não se subordinam a nenhuma ordenação lógica, porque, por exemplo, as excepções de litispendência e de caso julgado (art. 449º-i CPC, e que cabem na enumeração residual do art. 288º/1-e CPC) são referidas depois de outras excepções dilatórias, sendo certo que, se algumas destas excepções merecem uma apreciação prévia perante as demais, as excepções de litispendência e de caso julgado estão claramente entre elas.
A apreciação de qualquer excepção dilatória na sentença final cede perante a possibilidade de um julgamento de mérito favorável à parte que seria beneficiada com a verificação do pressuposto processual que não está preenchido (art. 288º/3 CPC).
Como consequência da disponibilidade das partes sobre o objecto da causa (arts. 264º/1 e 3, e 664º in fine CPC), o âmbito do julgamento comporta dois limites. Um limite mínimo decorre do dever de conhecimento na sentença de todas as questões submetidas pelas partes à apreciação do Tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 60º/2, 1ª parte CPC). A falta de apreciação de qualquer dessas questões conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 668º/1-d, 1ª parte CPC).
98. Formalidades complementares
A sentença é registada num livro especial (art. 157º/4 CPC; art. 17º/1 LOSJ). Se a parte vencida pretender interpor recurso da decisão, deve fazê-lo por meio de requerimento dirigido ao Tribunal que a proferiu (art. 687º/1 CPC). Passados três meses após o trânsito em julgado da sentença (art. 677º CPC), o processo é arquivado (art. 24º/1-b LOTJ).
Processo sumário
99. Regime aplicável
Ao processo são aplicáveis as disposições que lhe são próprias (constam dos arts. 783º a 792º CPC) e as disposições gerais e comuns (estabelecido nos arts. 137º a 459º; 463º/1, 1ª parte CPC); em tudo quanto não estiver regulado numas e noutras, deve observar-se o que se encontra estabelecido para o processo ordinário (ou seja, o disposto nos arts. 467º a 782º; 463º/1, 2ª parte CPC). Dada esta aplicação subsidiária do regime do processo ordinário, só interessa analisar as especialidades do processo sumário.
Depois da apresentação da petição inicial, o réu é citado para contestar no prazo de 20 dias (arts. 183º, 785º, 784º - 158º/2; 786º; 484º/1 CPC).
Processo sumaríssimo
100. Regime aplicável
Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições próprias (arts. 793º a 796º CPC) e as gerais e comuns (arts. 137º a 459º; 464º, 1ª parte CPC). O art. 464º, 2ª parte CPC, determina que, quando umas e outras sejam omissas ou insuficientes, observar-se-á primeiramente o que estiver estabelecido para o processo sumário (arts. 783º a 792º CPC) e depois o que estiver estabelecido para o processo ordinário (arts. 467º a 782º CPC). Considerando esta subsidiariedade das regulamentações dos processos sumário e ordinário.
A petição inicial dispensa a forma articulada, mas conjuntamente com ela devem ser oferecidas as provas dos factos alegado (art. 793º; 151º/2 CPC). Isto significa que, ao contrário do que sucede no processo ordinário e sumário, o autor tem o ónus de alegar na petição inicial os factos instrumentais que pretenda demonstrar através dessas provas.
O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, exigindo-se-lhe também a apresentação ou o requerimento dos meios de prova (art. 794º/1 CPC).