D - As Formas de Composição da Acção
Composição provisória: providências cautelares
50. Aspectos gerais
Nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o proferimento da decisão do Tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele conflito. Por vezes, torna-se necessário obter uma composição provisória da situação controvertida antes do proferimento da decisão definitiva. Essa composição justifica-se sempre que ela seja necessária para assegurar a utilidade e a efectividade da tutela jurisdicional (art. 2º/2, in fine CPC) e, na medida em que contribui decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o seu fundamento constitucional na garantia do acesso ao direito e aos Tribunais (art. 20º/1 CRP).
A composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, toma-se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; de definir uma regulação provisória, as providências definem uma situação provisória ou transitória; ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva.
As providências cautelares fornecem uma composição provisória. A provisoriedade destas providências resulta quer da circunstância de elas corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependentes (art. 383º/1 CPC), quer a sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção.
A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é o meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através das providências cautelares não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque ela também serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional. Não, contudo, de uma forma imediata, porque aquela composição provisória destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria tutela processual, pelo que é instrumental perante esta tutela e só mediante as próprias situações jurídicas.
O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respectivo procedimento.
Para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a composição provisória tem de ser concedida com celeridade: as vantagens dessa composição serão tanto maiores quanto mais cedo ela puder garantir o direito, regular provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva. Por isso, as providências cautelares implicam necessariamente uma apreciação sumária (summaria cognitio) da situação através de um procedimento simplificado e rápido.
A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser decretadas sem a prévia audição da contraparte, isto é, sem ser concedida a esta parte o uso do contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo desvio ao princípio do contraditório admitido pelo art. 3º/2 CPC – encontra-se prevista em dois níveis: num deles, proíbe-se a audição do requerido (arts. 394º e 408º/1 CPC; 1279º CC); no outro, permite-se (mas não se impõe) que a providência seja decretada sem a audição do requerido (art. 385º/1 CPC).
Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as disposições gerais sobre os incidentes da instância (art. 384º/3 CPC). Existem, todavia, algumas especialidades, mesmo nos procedimentos onde são apreciadas as providências comuns. Os procedimentos cautelares constituem uma das situações em, que a citação do réu depende de prévio despacho judicial (art. 234º/4-b CPC). Por conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a citação, pode indeferir liminarmente o requerimento, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (art. 234º-A/1 CPC).
51. Pressupostos
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada. A finalidade específica das providências cautelares é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente reparável (art. 381º/1 CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica, isto é, obviar ao chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que seria provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada.
Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não se encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada. Quer dizer: esse periculum é um elemento constitutivo da providência requerida, pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento daquela.
Nas providências cautelares existem apenas a prova sumária do direito ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado (arts. 403º/2, 407º/1 e 423º/ CPC), bem como do receio da lesão (arts. 381º/1, 384º/1, 387º/1, 406º/1, 407º/1, 421º/1 e 423º/1 CPC). As providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos fundamentos da providência; se isso não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que isso se pudesse justificar por outros factores.
As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais gerais. Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele falta sempre que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o procedimento cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aquele procedimento não for meio mais célere e económico para obter a tutela dos interesses do requerente.
52. Providências especificadas
A regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte dicotomia: a lei define várias providências nominadas e admite, sempre que nenhuma delas seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (art. 381º/3 CPC). As providências nominadas são a restituição provisória da posse (arts. 393º a 395º CPC), a suspensão de deliberações sociais (arts. 396º a 398º CPC), os alimentos provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de reparação provisória (arts. 403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC), o embargo de obra nova (arts. 412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a 427º CPC).
No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização de um direito, outras destinam-se a regular provisoriamente uma situação e outras ainda procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção principal.
a) Providências de garantia
* Arresto
O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade específica é garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução. O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC; 601º e 619º/1 CC). O arresto consiste na apreensão judicial de bens do devedor (arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de bens transmitidos pelo devedor a um terceiro (arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)
* Arrolamento
Enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do credor, o arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos (art. 421º/1 CPC), que, para esse efeito, são descritos, avaliados e depositados (art. 424º/1 CPC). Essa providência visa a conservação de bens ou documentos determinados (art. 422º/1 CPC), sendo por isso que os credores só a podem requerer quando haja necessidade de proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2 CPC; 90º e 2048º/2 CC).
b) Providências de regulação
* Restituição provisória da posse
O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente privado do exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove os factos que constituem posse, o esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º CC). A reconstituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou ameaças contra as pessoas, mas também por aquela que é dirigida contra coisas, como muros e vedações.
* Embargo de obra nova
O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial. O embargo judicial pode ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace causar prejuízo (art. 412º/1 CPC).
* Suspensão de deliberações sociais
Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral, deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, desde que, além de provar a sua qualidade de sócio, mostre que essa execução pode causar dano apreciável (art. 396º/1 CPC).
O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de difícil reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não pode ser requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de dividendos.
c) Providências de antecipação
* Alimentos provisórios
A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como dependência da acção em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma prestação de alimentos (arts. 399º/1 CPC; 2007º/1 CC). Essa causa pode ser, por exemplo, uma acção de reconhecimento da maternidade ou paternidade (arts. 1821º, 1873º e 1884º/1 CC). Os alimentos provisórios são fixados numa quantia mensal (art. 399º/1 CPC), tomando em consideração o que for estritamente necessário para o sustento, a habitação e o vestuário do requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor não puder beneficiar de apoio judiciário (art. 399º/2 CPC).
* Arbitramento de reparação
Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, pode o lesado, bem como aqueles que lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, requerer o arbitramento de uma quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O mesmo pode ser requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se funda em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (art. 403º/4 CPC).
A providência requerida é decretada se se verificar uma situação de necessidade em consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido (art. 403º/2 CPC). O montante da reparação provisória é fixado equitativamente e é subtraído ao quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal (art. 403º/3 CPC).
53. Providências comuns
Não cabendo nenhuma das providências nominadas, a garantia da execução da decisão final, a regulação provisória e a antecipação da tutela podem ser obtidas através de uma providência cautelar não especificada (art. 381º/3 CPC). As providências não especificadas só podem ser requeridas quando nenhuma providência nominada possa ser utilizada no caso concreto: nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.
Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada seja abstractamente aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe de o ser por motivos respeitantes ao caso concreto.
Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada são necessários, além do preenchimento das condições relativas à referida subsidiariedade (art. 381º/3 CPC), vários pressupostos específicos:
- O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente (arts. 381º/1 e 387º/1 CPC);
- A adequação da providência concretamente requerida à efectividade do direito ameaçado (art. 381º/1 CPC);
- O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a providência sobre o prejuízo resultante do seu decretamento (art. 387º/2 CPC).
As providências cautelares comuns destinar-se-ão primordialmente a regular provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela definitiva. O art. 381º/1 CPC, refere explicitamente providências com eficácia conservatória e antecipatória do efeito da decisão principal, mas isso não parece revestir-se de qualquer significado limitativo.
As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas para obter a antecipação da tutela de uma situação jurídica.
54. Características
a) Dependência
As providências cautelares têm por função obter uma composição provisória. Essas providências são decretadas em processos especiais próprios (os procedimentos cautelares, arts. 381º a 427º CPC) e, porque visam compor provisoriamente a situação das partes, são dependência de uma acção cujo objecto é a própria situação acautelada ou tutelada (arts. 383º/1, 399º/1, 403º/1 e 421º/2 CPC). Essa acção pode ser declarativa ou executiva (art. 383º/1 in fine CPC), embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses em que está assegurado o interesse processual no decretamento da providência. A acção principal pode decorrer perante um Tribunal estadual ou Arbitral.
Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier a ser julgada improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido da instância e o autor não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção (art. 389º/1-d; sobre esse prazo art. 289º/2 CPC). Se a acção principal for julgada procedente, verifica-se, em regra a substituição da composição provisória pela definitiva resultante dessa decisão.
As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da acção principal ou durante a pendência desta última (art. 383º/1, 2ª parte CPC), mas nunca após o trânsito em julgado da decisão dessa acção. Como dependência da mesma causa não pode ser requerida mais do que uma providência relativa ao mesmo objecto, ainda que uma delas seja julgada injustificada ou tenha caducado (art. 381º/4 CPC).
As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não esteja pendente nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a situação em que a providência é requerida, mas a acção principal nunca chega a ser proposta pelo requerente.
b) Celeridade
As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos cautelares. Dada a celeridade indispensável a essas providências, estes procedimentos revestem sempre carácter urgente e os respectivos actos precedem qualquer outro serviço judicial não urgente (art. 382º/1 CPC); como consequência desta urgência, os prazos processuais neles previstos não se suspendem sequer durante as férias judiciais (art. 144º/1 CPC).
c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida (art. 392º/3, 1ª parte CPC), isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada (art. 661º/3 CPC). Esta faculdade concedida ao Tribunal decorre da não vinculação deste órgão à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte CPC) e pressupõe, naturalmente, que os factos alegados pelo requerente possibilitem essa conversão. Desse regime também decorre que uma idêntica modificação da providência pelo próprio requerente não é condicionada pelo disposto no art. 273º/1/2 CPC.
d) Cumulação
O requerente pode solicitar o decretamento de várias providências cautelares num mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para cada uma delas não seja absolutamente incompatível e essa cumulação corresponda a um interesse relevante ou seja indispensável para a justa composição do litígio (art. 392º/3, 2ª parte CPC). Isso significa que se podem cumular tanto diferentes providências especificadas, como providências nominadas e providências comuns.
Podem cumular-se duas ou mais providências cautelares se, na acção de que são dependentes (art. 383º/1 CPC), for admissível a cumulação dos respectivos pedidos.
e) Proporcionalidade
A provisoriedade cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou de antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as adequadas às situações que se pretende acautelar ou tutelar. As relações entre aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra de proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e 419º CPC).
f) Eficácia relativa
Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera justificação no julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão proferida na procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na respectiva acção principal: o julgamento da matéria de facto e a decisão final proferida no procedimento cautelar não têm qualquer influência no julgamento da acção principal (art. 383º/4 CPC). Como a providência decretada caduca se a acção vier a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado (art. 389º/1-c CPC), também isso demonstra que o seu decretamento, não é vinculativo na acção principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser julgada improcedente).
Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido (art. 293º/1 CPC) realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar a apreciação da acção principal.
g) Substituição por caução
As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória que tutela ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso não impede, contudo, que esse interesse possa ser acautelado de outra forma. Uma delas consiste na prestação de uma caução pelo requerido em substituição do decretamento da providência: é o que é admissível nas providências cautelares não especificadas (art. 387º/3 CPC) e no embargo de obra nova (art. 419º/1 CPC).
A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo requerido pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo efeito a que se destina aquela providência. Normalmente, a providência cautelar pode ser substituída por caução, sempre que ela vise evitar um prejuízo patrimonial.
h) Garantia e execução
De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, é admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a providência impuser uma prestação de facto infungível e esta não exigir especiais qualidades científicas ou artísticas do requerido (arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1 CC).
55. Caducidade
As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que elas caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for compatível com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa acção for julgada improcedente por uma sentença transitada em julgado (art. 389º/1-c CPC).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito acautelado (art. 389º/1-e CPC) é apenas uma das situações possíveis de inutilidade superveniente dessa providência (art. 287º-e CPC), pelo que essa inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.
Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas também são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por exemplo, a acção for julgada parcialmente improcedente no despacho saneador (art. 510º/1-b CPC), a providência decretada só caduca na parte respectiva (art. 389º/1-c CPC); o mesmo sucede se o direito acautelado se extinguir apenas em parte (art. 289º/1-e CPC).
A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é de conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na sua caducidade depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a audição do requerente (art. 389º/4 CPC).
56. Responsabilidade do requerente
Pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se injustificada pela falta quer do próprio direito acautelado ou tutelado, quer do fundamento do seu decretamento; também pode acontecer que a providência decretada, inicialmente justificada, venha a caducar por facto imputável ao requerente (art. 389º/1 CPC). Em todos estes casos, o requerente, se não tiver agido com a prudência normal, é responsável pelos danos causados ao requerido (art. 390º/1; quanto ao arresto, art. 621º CC). Essa responsabilidade está instituída na lei como uma contrapartida da provisoriedade das providências cautelares e é garantida pela caução que o Tribunal, mesmo sem solicitação do requerido, pode exigir ao requerente (art. 390º/2 CPC).
A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é injustificada no momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida na acção principal.
Composição por revelia
57. Noção
A composição da acção pode ser decisivamente influenciada pela omissão de um acto processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção definitiva da contestação.
A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou deduzir uma excepção (art. 487º/1 CPC) – constitui um ónus da parte, não existindo, assim, qualquer dever de contestar. Daí decorre que a revelia não determina a aplicação ao réu de qualquer sanção (pecuniária, nomeadamente), mas antes certas desvantagens quanto à decisão da acção.
58. Modalidades
a) Revelia absoluta e relativa
A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção pendente; é relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer outro acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial.
b) Revelia operante e inoperante
A revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser operante ou inoperante. É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção; é inoperante quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de contestação nada implica quanto à decisão da causa (arts. 233º/1; 484º/1; 485º-b, 2ª parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-b CC; art. 485º-d CPC; art. 364º CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são comuns ao processo ordinário, sumário e sumaríssimo, pois, na falta de uma regulamentação específica, vale para estes últimos o que se encontra estipulado para o processo ordinário (arts. 463º/1 e 464º CPC).
59. Efeitos
A revelia operante implica uma importante consequência quanto à decisão da acção. Essa consequência, que se produz ex lege e não ex voluntate, consiste no seguinte: a revelia operante implica a confissão dos factos articulados pelo autor (art. 484º/1 CPC; quanto à aplicação dessa regra ao processo sumário e sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).
O efeito cominatório realizado pela revelia não prevalece sobre a matéria de conhecimento oficioso, nomeadamente as excepções dilatórias de que o Tribunal deva conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação do mérito da causa (art. 288º/3 CPC).
O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer sobre os efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou presumida que resulta da revelia respeitar a factos impossíveis ou notoriamente inexistentes ou se o autor tiver formulado um pedido ilegal ou juridicamente impossível, essa confissão não é admissível (art. 354º-c CC) e o Tribunal não os deve considerar admitidos por um acordo e deve abster-se de apreciar esse pedido.
Composição pelo Tribunal
60. Decisão judicial
A decisão é o acto do Tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria que lhe compete apreciar por iniciativa própria, quer mediante solicitação das partes. A decisão é, assim, o acto processual que exprime, por excelência, o exercício da função jurisdicional pelo Tribunal.
Toda a decisão comporta dois elementos essenciais: os fundamentos e a conclusão ou decisão em sentido estrito. Os fundamentos incluem a matéria de facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos. Para a individualizar, a decisão inicia-se com um relatório, em que se identificam o processo a que respeita e as questões a resolver (art. 659º/1 CPC), e, para assegurar a sua genuinidade, ela deve ser assinada e datada (arts. 157º/1 e 2; 668º/1-a CPC).
O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional, embora restringido aos casos e termos previstos na lei ordinária (art. 205º/1 CRP).
61. Modalidades
A principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em sentenças e despachos (art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre o mérito da causa ou sobre um incidente com a estrutura de uma causa (art. 156º/2 CPC), mas também podem conhecer de aspectos processuais (art. 660º/1 CPC); das sentenças que conhecem do mérito da causa pode interpor-se recurso de apelação (art. 691º/1 CPC). Os despachos são, em princípio, decisões sobre aspectos processuais e, por isso, são, em regra, decisões interlocutórias, embora também possam incidir sobre o mérito (art. 510º/1-b CPC) e, mesmo fora destes casos, possam ser decisões finais (art. 510º/1-a CPC); dos despachos que não conhecem do mérito da causa cabe recurso de agravo (art. 733º CPC) e daqueles que apreciam esse mérito pode apelar-se (art. 691º CPC).
Às decisões dos Tribunais colectivos atribui-se a designação especial de acórdãos (art. 156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito da causa, dele cabe revista (art. 721º/2 CPC); quando isso não sucede, cabe agravo (art. 754º/1 CPC).
Alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do processo e da sua tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo característico do exercício da função jurisdicional, nem afectam a posição processual das partes ou de terceiros. São os chamados despachos de mero expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular do processo e nada decidem quanto ao conflito de interesses entre as partes (art. 156º/4, 1ª parte CPC)
Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado pelo prudente arbítrio do julgador (art. 156º/4, 2ª parte CPC), ou seja, por critérios de conveniência e oportunidade. Assim, são despachos discricionários todos aqueles que estabelecem prazos judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem limites legais (arts. 24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e 5; 508º/2 e 3 CPC).
Os despachos de mero expediente e os despachos discricionários não admitem recurso (art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)