C - Questões relativas à competência
Competência internacional: direito interno
16. Normas de recepção
As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de conflitos que definem as condições em que os Tribunais do foro são competentes para a apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É essa a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos Tribunais de uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com uma ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção, como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com uma certa ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a aplicação do direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer paralelismo necessário entre a atribuição da competência internacional e a aplicação da lei material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque não a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem, no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no âmbito da competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de uma certa ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência internacional dos Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se verifique um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional seja estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser atribuída competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras de competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do processo, ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias ordens jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às situações em que os Tribunais portugueses não são competentes segundo as regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa averiguar a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem jurídica não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica plurilocalizada segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada, segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos critérios da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a CPC), da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).
17. Critério da exclusividade
Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência internacional resulta, assim, da coincidência com as regras de competência exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania. Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública do Estado do reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência, relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua sede em território português, bem como para as destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio, imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras (arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art. 1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).
18. Critério do domicílio do réu
Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos Tribunais portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts. 85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá resultar do critério de competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a competência internacional nunca pode ser determinada pelo critério do domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial torna dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é impossível empregar o critério territorial, também é impossível aplicar aquele critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais, também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios resulta a atribuição de competência a um Tribunal português, não importa averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum dos critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do réu e também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado não pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do domicílio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em território português ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.
19. Critério da causalidade
Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos que a constituem, tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC). Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).
20. Critério da necessidade
Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente.
21. Tribunal territorialmente competente
Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art. 65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial (arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo critério da causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos Tribunais portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser concedida a dupla funcionalidade característica das normas sobre a competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, será demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território português e se o autor também tiver domicílio em território estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine CPC).
Lei n.º 62/2013 - Lei da organização do sistema judiciário
Decreto-lei n.º 49/2014 - regime aplicável à organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais
Competência convencional: direito interno
22. Pactos de competência
A competência interna é determinada através de um pacto de competência (pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas, mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos a relações jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do valor e do território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for consensual (art. 100º/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de competência deve designar as questões submetidas à apreciação do Tribunal e o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art. 100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada – isto é, anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de incompetência relativa (art. 108º CPC), pois que é atribuída competência territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, não seria competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a forma escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a invocação da excepção de incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3 CPC), pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).
23. Pactos de jurisdição
A competência convencional internacional pode ser determinada através de um pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando considerado pela perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou exclusiva.
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art. 99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em relação à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da Arbitragem Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o julgamento de certo litígio ou questão emergente de uma relação jurídica plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em território português ou no estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à observância da competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da competência internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela excepção num processo pendente.
Modalidades de incompetência
24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material (arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art. 101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2 CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).
26. Incompetência relativa
O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º, determina a incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49 LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-se não só na competência interna, quando são infringidas as regras que definem, de entre os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à competência internacional directa, a infracção de um pacto privativo de jurisdição. Esta violação verifica-se quando, apesar de as partes terem estipulado a competência exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art. 100º CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1 CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente com a alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas a direitos reais sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-contratual e naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes, nos processos de recuperação da empresa e de falência, nos procedimentos cautelares e diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem, bem como na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando decorra da infracção das regras da competência respeitantes à forma do processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts. 48º e 49º LOTJ. Como a competência em razão do valor da causa (art. 49º LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba igualmente a violação da competência destes Tribunais.
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art. 110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4 CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC). Exceptua-se a hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto privativo de jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).
27. Preterição de Tribunal Arbitral
A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um Tribunal Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado objecto. A preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário, quando for proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º - se o julgamento Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta estiver determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando for instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).
Questões relativas às partes
Personalidade judiciária
28. Noção
A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte processual (art. 5º/1 CPC). Só pode ser parte processual quem tiver personalidade jurídica.
29. Critérios atributivos
A personalidade judiciária é atribuída em função do critério da coincidência, da diferenciação patrimonial, da afectação do acto e da protecção de terceiros.
a) Critério da coincidência:
A personalidade judiciária é concedida a todas as pessoas jurídicas, singulares ou colectivas (art. 5º/2 CPC). Assim, todo o ente juridicamente personalizado tem igualmente personalidade judiciária, activa ou passiva.
Relativamente a estrangeiros, há que considerar o art. 26º/1 CC, segundo o qual o início e o termo da personalidade judiciária são fixados pela lei pessoal de cada indivíduo, que é a lei da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, se o indivíduo for apátrida, a lei do lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou, se for menor ou interdito, o seu domicílio legal (art. 32º/1 CC). Quanto às pessoas colectivas (excepto sociedade comerciais), a sua lei pessoal é a do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração (art. 33º/1 CC) ou, se for uma pessoa colectiva internacional, a designada na convenção que a criou ou nos respectivos estatutos ou, na sua falta, a do país onde estiver a sede principal (art. 34º CC). As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal e efectiva da sua administração (art. 3º/1, 1ª parte. CSC).
b) Critério da diferenciação patrimonial:
A personalidade judiciária é atribuída a determinados patrimónios autónomos (art. 6º CPC):
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado;
b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
c) As sociedades civis;
d) As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, nos termos do artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais;
e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
f) Os navios, nos casos previstos em legislação especial.
Em certos casos, além do património autónomo, podem ser demandadas outras partes. A enumeração constante no art. 6º CPC, não deve ser considerada taxativa. Não se deve excluir que outros patrimónios autónomos também possam ter personalidade judiciária: é o caso, por exemplo, do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, regulado pelo DL 248/86, de 25/8.
c) Critério da afectação do acto:
Têm personalidade judiciária as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações de uma pessoa colectiva relativamente a actos que por elas tenham sido praticados (art. 7º/1 CPC). Quer dizer: quem praticou o acto pode igualmente estar em juízo quanto à acção que o tenha por objecto ou fundamento.
30. Falta de personalidade judiciária
Quando a acção foi indevidamente instaurada pela ou contra a sucursal, agencia, filial, delegação ou representação, a falta da sua personalidade judiciária é sanável mediante a ratificação ou repetição pela administração principal dos actos praticados por aquelas entidades (art. 8º - a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado – CPC).
Quando a acção foi proposta pelo representante de uma parte falecida ou contra uma parte falecida, esta falta de personalidade judiciária cessa com a habilitação dos sucessores (art. 371º CPC) ou da herança jacente (art. 6º-a CPC).
A falta não sanada de personalidade judiciária é uma excepção dilatória nominada (art. 494º-c CPC) que é de conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Os seus efeitos são os seguintes:
- Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC) e se essa excepção for sanável (art. 8º CPC), ela justifica o indeferimento liminar da petição inicial (art. 234º-A/1 CPC);
- Se a falta de personalidade judiciária for conhecida no despacho saneador, ela conduz à absolvição do réu da instância (arts. 494º-c, 493º/2, 288º/1-c CPC), mas, quando ela for sanável (art. 8º CPC), o Tribunal deve procurar, antes de proferir qualquer absolvição da instância, que a administração principal realize essa sanação (art. 265º/2 CPC).
Capacidade judiciária
31. Noção
A capacidade judiciária é a susceptibilidade de a parte estar pessoal e livremente em juízo ou de se fazer representar por representante voluntário (art. 9º/1 – a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo – CPC). Assim, não possuem capacidade judiciária quer os que podem intervir pessoal mas não livremente (os inabilitados), quer os que não podem actuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os inabilitados).
32. Aferição
A capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a produção dos efeitos decorrentes da acção pendente (art. 9º/2 – a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos – CPC). O que revela para essa aferição é a capacidade de exercício quanto a esses efeitos e não quanto à prática do acto que constitui ou integra o objecto do processo.
Exceptuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os actos que o incapaz pode excepcionalmente praticar pessoal e livremente (art. 10º/1 in fine – os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente – CPC).
A capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que depende, da sua capacidade de exercício, art. 9º/2 CPC) determina-se pela sua lei pessoal (art. 25º CC). Essa lei é a da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, no caso dos apátridas, a do lugar onde tiverem a residência habitual ou, na hipótese da sua menoridade ou interdição, a do domicílio legal (art. 32º/1 CC).
33. Meios de suprimento
A incapacidade judiciária é suprida mediante assistência e representação (art. 10º/1 – os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente – CPC). A assistência por curador supre a incapacidade dos inabilitados (art. 153º/1 CC): a autorização do curador é necessária para os actos praticados pelo inabilitado quando seja parte activa ou passiva, embora, como o inabilitado pode estar pessoalmente em juízo, ele possa intervir em qualquer acção e deva ser citado quando seja réu (art. 13º/1 – os inabilitados podem intervir em todas as acções em que sejam partes e devem ser citados quando tiverem a posição de réus, sob pena de se verificar a nulidade correspondente à falta de citação, ainda que tenha sido citado o curador – CPC).
A representação legal do menor cabe aos progenitores (arts. 124º e 1877º CC), ao tutor (arts. 124º e 1921º/1 CC) ou ao administrador de bens (art. 1922º CC). A representação legal do interdito incumbe ao tutor (art. 139º CC). Se houver representação legal do inabilitado quanto à administração de um património, a sua representação incumbe ao curador (art. 154º/1 CC).
A representação legal do menor, interdito ou inabilitado pode caber a um curador ad litem (ou provisório), que é um representante cujos os poderes estão limitados a uma determinada acção. Utiliza-se a representação pelo curador ad litem em dois casos: quando o incapaz não tem representante legal (art. 11º/1 CPC); e quando, apesar de o ter, ele está impossibilitado de exercer a representação (art. 11º/3 CPC).
A nomeação do curador ad litem pode ser requerida quando o incapaz não tiver representante legal, situação que pode ser verificada antes do início da causa ou na sua pendência.
O curador provisório também pode ser nomeado quando o representante (ou os representantes) do incapaz estiver impossibilitado de exercer os seus poderes de representação. Isso pode suceder em várias eventualidades:
- Quando, na pendência da causa, os progenitores não acordam na orientação da defesa dos interesses do menor representado (art. 12º/2/3 CPC);
- Quando os interesses do incapaz se opõem aos interesses do seu representante ou aos interesses de outro representado pelo mesmo representante (art. 1329º/1 CPC; arts. 1846º/3, 1881º/2, 1956º-c CC);
- Quando o representante for parte conjuntamente com o representado (art. 1846º/1 e 3 CC)
Em ambos os casos, a nomeação do curador provisório pode ser requerida pelo Ministério Público ou por qualquer parente sucessível, se incapaz for autor, ou por esta parte, se incapaz for réu (art. 11º/4 CPC). O Ministério Público deve ser ouvido, sempre que não seja o requerente (art. 11º/5 CPC) e a nomeação do curador ad litem compete ao juiz da causa (art. 11º/1 e 3 CPC).
Se o incapaz não deduzir oposição, a defesa incumbe ao Ministério Público ou, se ele representar o autor, a um defensor oficioso (art. 15º/1/2 CPC): é a chamada sub-representação. Assim, antes de o réu incapaz se considerar na situação de revelia por falta de contestação do seu representante legal, deve ser facultada ao Ministério Público a possibilidade de deduzir oposição.
Como a sub-representação pelo Ministério Público ou pelo defensor oficioso cessa logo que seja constituído mandatário judicial ao incapaz (art. 15º/3 CPC), pode concluir-se que o seu regime nunca é instituído se o incapaz tiver mandatário judicial.
34. Regime de suprimento
a) Menores:
Nos menores, a incapacidade judiciária é suprida pelo poder paternal, pela tutela e pela administração de bens (art. 124º e 1992º CC). O poder paternal é exercido por ambos os progenitores (art. 1901º/1 CC), pelo que ambos devem estar de acordo quanto à propositura da acção (art. 10º/2 CPC) e ambos devem ser citados quando o menor seja réu (art. 10º/3 CPC). Se houver desacordo dos progenitores acerca da conveniência de propor a acção, pode qualquer deles requerer ao Tribunal competente a resolução do conflito (art. 12º/1 CPC). Esse Tribunal é o de Família (art. 61º/1-d LOTJ; art. 146º-d OTM) e o processo é previsto no art. 184º OTM.
Se algum dos progenitores tiver sido preterido na representação do menor – isto é, se este for representado por um único deles – o progenitor preterido deve ser notificado para que venha ao processo ratificar, no prazo fixado, os actos realizados pelo outro progenitor (art. 23º/3, 1ª parte CPC). Se, nessa ocasião, se verificar um desacordo entre os progenitores, aplica-se à resolução desse conflito o regime constante do art. 12º CPC (art. 23º/3, 2ª parte CPC).
Para determinados actos, os progenitores necessitam, conforme se dispõe no art. 1889º CC, de autorização do Tribunal (de Família, art. 61º/1-g LOTJ; art. 146º-g OTM), são eles nomeadamente:
- A representação de bens do menor (art. 1889º/1-a CC);
- A representação do menor na transacção ou na convenção de arbitragem referida aos mesmos actos (art. 1889º/1-o CC) e ainda, por maioria de razão, na desistência e confissão do pedido;
- A representação do menor para convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais (art. 1889º/1-n CC).
O menor fica sujeito a tutela se os progenitores não puderem exercer o poder paternal (art. 1921º CC). O tutor necessita de autorização judicial em todas as situações em que ela é exigida aos progenitores (arts. 1935º/1 e 1938º/1-a CC) e ainda para propor qualquer acção, salvo se ela for destinada à cobrança de prestações periódicas ou se a demora na sua propositura for susceptível de causar prejuízos ao menor (art. 1938º/1-e CC).
O administrador de bens (instituído nos casos previstos no art. 1922º CC) tem, os mesmos direitos e obrigações do tutor (art. 1971º/1 CC), pelo que necessita de autorização judicial nas mesmas situações em que dela carece o tutor (art. 1938º/1-a-e CC).
b) Interditos:
A incapacidade judiciária dos interditos é suprida pela tutela e pela administração de bens (art. 139º CC), cujos regimes são idênticos aos do suprimento da incapacidade do menor.
c) Inabilitados:
A incapacidade judiciária dos inabilitados é suprida através da curatela (arts. 153º/1, 154º/1 CC). A curatela incumbe ao curador, que pode intervir ao regime de assistência ou de representação. O curador assiste o inabilitado quanto aos actos que forem especificados na sentença de inabilitação (art. 153º/1 CC); o curador representa o inabilitado nos actos de administração do seu património (art. 154º/1 CC). Para instaurar quaisquer acções em representação do inabilitado, o curador está sujeito ao regime do tutor do interdito (art. 156º, 1938º/1-a-e CC).
Mesmo quando o inabilitado seja representado pelo curador, aquele incapaz pode intervir na acção proposta em seu nome e deve ser citado quando seja réu (art. 13º/1 CPC). Em caso de divergência entre o curador e o inabilitado, prevalece a orientação daquele representante (art. 13º/2 CC).
Representação judiciária
35. Noção
A representação judiciária é a representação de entes que estão submetidos a uma representação orgânica ou que podem ser representados pelo Ministério Público.
36. Regime
a) Estado:
O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que seja permitida a representação por mandatário judicial próprio (art. 20º/1 CPC) ou em que as entidades autónomas possam constituir advogado que intervenha no processo conjuntamente com o Ministério Público (art. 20º/2 CPC). Segundo o disposto no art. 4º/1 LOMP, o Ministério Público é representado no Supremo Tribunal de Justiça pelo Procurador-geral da República, nas Relações por Procuradores-Gerais-Adjuntos e nos Tribunais de 1ª instância por Procuradores da República e Delegados do Procurador da República.
b) Pessoas colectivas e sociedades:
Sobre a representação das pessoas colectivas e das sociedades, há que distinguir entre as acções dessas entidades com terceiros e as causas entre elas e o seu representante. Nas acções com terceiros, as pessoas colectivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem (art. 21º/1 CPC). As sociedades em nome colectivo e as sociedades por quotas são representadas pelos gerentes, as sociedades anónimas pelo conselho de administração e as sociedades em comandita pelos sócios comanditados gerentes.
Nas acções entre pessoa colectiva ou a sociedade e o seu representante, aquelas entidades são representadas por um curador ad litem (art. 21º/2 CPC). Este regime justifica-se pela impossibilidade de o representante assumir, nesse caso, as suas funções de representação.
c) Incapazes e ausentes:
Os incapazes e ausentes são representados pelo Ministério Público em todas as acções que se mostrem necessárias à tutela dos seus direitos e interesses (art. 17º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP). A representação pelo Ministério Público cessa se for constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente ou se, tendo o respectivo representante legal deduzido oposição a essa representação, o juiz, ponderado interesse do representado, a considerar procedente (art. 17º/2 CPC; art. 5º/3 LOMP).
d) Incertos:
Quando a acção seja proposta contra incertos, por o autor não ter a possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer, eles são representados pelo Ministério Público (art. 16º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP), excepto se este representar o autor, caso em que é nomeado um defensor oficioso para servir como agente especial do Ministério Público naquela representação (art. 16º/2 CPC). Esta representação cessa quando os citados como incertos se apresentam para intervir como réus e a sua legitimidade se encontrar reconhecida (art. 16º/3 CPC).
e) Pessoas judiciárias:
As pessoas judiciárias – isto é, as entidades que só possuem personalidade judiciária – são representadas da seguinte forma:
- A herança jacente, por um curador (art. 22º CPC; art. 2048º/1 CC);
- As associações sem personalidade judiciária, pelo órgão da administração (art. 22º CPC; art. 195º/1 CC);
- As comissões especiais pelos administradores (art. 22º CPC; art. 996º/1 CC);
- As sociedades comerciais não registadas, pelas pessoas a que as cláusulas do contrato atribuam a representação (art. 22º CPC);
- O condomínio, pelo administrador (art. 22º CPC; art. 1437º/2 CC);
- As sucursais ou equivalentes, pelos directores, gerentes ou administradores (art. 22 CPC).
Incapacidade judiciária e vícios da representação judiciária
37. Incapacidade judiciária lato sensu
O não suprimento da incapacidade judiciária pelo representante legal ou pelo curador determina a incapacidade strictu sensu da parte. O suprimento daquela incapacidade pode ainda ser afectado por uma irregularidade de representação, se o incapaz estiver representado ou assistido por sujeito diverso do verdadeiro representante ou curador, ou por uma falta de autorização, se o representante ou o curador do incapaz não tiver obtido a necessária autorização judicial. A incapacidade judiciária strictu sensu encontra-se prevista, como tal, nos arts. 23º/1, e 494º-c CPC; a irregularidade de representação nos arts. 23º/1, e 288º/1-c CPC, a falta de autorização ou deliberação nos arts. 25º/1, 288º/1-c, e 494º-d CPC.
38. Incapacidade judiciária strictu sensu
A incapacidade judiciária strictu sensu pode verificar-se relativamente à parte activa ou à parte passiva: quanto ao autor, essa incapacidade existe quando o incapaz propõe uma acção sem a intervenção do seu representante legal ou a assistência do seu curador; quanto ao réu, essa incapacidade surge quando é proposta uma acção legal contra um incapaz sem a indicação pelo autor do representante legal ou do curador daquele demandado.
Logo que o juiz se aperceba da incapacidade judiciária strictu sensu, incumbe-lhe, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância (art. 24º/1, 265º/2 CPC). Essa incapacidade sana-se mediante a intervenção ou a citação do representante ou do curador do incapaz.
Quanto à actividade exigida ao Tribunal para procurar obter a sanação desse vício, há que considerar duas situações (art. 24º/2 CPC):
- Se o vício afectar a parte passiva, o Tribunal deve ordenar a citação do réu e quem o deva representar, para que este ratifique ou renove o processado anteriormente;
- Se o vício respeitar à parte activa, o Tribunal deve ordenar, para esse mesmo efeito, a notificação de quem a deva representar.
A incapacidade fica sanada se o representante do incapaz ratificar os actos anteriormente praticados no processo ou se os renovar no respectivo prazo (art. 23º/2 CPC).
Se o representante não ratificar nem renovar os actos praticados, a incapacidade não se pode considerar sanada, importando verificar quais as consequências daí decorrentes. Elas são distintas consoante o vício afecte a parte activa ou passiva.
Se o representante do autor não sanar a incapacidade, o processo não pode continuar quando esse vício afectar a própria petição inicial: neste caso, releva a falta de um pressuposto processual e réu deve ser absolvido da instância (arts. 494º-c, 493º/2, 288º/1-c CPC). Mas se o representante do réu não sanar a incapacidade, então falta apenas um pressuposto de um acto processual e a contestação e os demais actos praticados pelo incapaz ficam sem efeito, pelo que se aplica ao incapaz, se ele não tiver mandatário judicial constituído, o regime da sub-representação (art. 15º/1 CPC).
Se o incapaz for autor e se o processo tiver sido anulado desde o início, o prazo de prescrição ou de caducidade, mesmo que já tenha terminado ou nos dois meses subsequentes à anulação, não se considera completado antes de findarem esses dois meses (art. 24º/3 CPC). É o regime que também resulta dos arts. 327º/3, 332º/1 CC.
39. Irregularidades de representação
A irregularidade de representação verifica-se quando a parte, embora esteja representada ou assistida, não está pelo verdadeiro representante ou curador.
O regime de sanação da irregularidade de representação é semelhante ao da incapacidade judiciária strictu sensu, tal como o são os efeitos da sua não sanação (arts. 23º e 24º CPC).
40. Falta de autorização ou deliberação
Verifica-se a falta de autorização ou deliberação quando o representante legal ou o curador do incapaz não as tiver obtido antes de propor a acção ou de praticar o acto. É o que sucede quando, o representante de uma sociedade requerer, sem a necessária deliberação social, uma providência cautelar.
Se a parte estiver devidamente representada, mas o seu representante não tiver obtido alguma autorização ou deliberação legalmente exigida, o Tribunal deve fixar oficiosamente o prazo dentro do qual o representante a deve obter, suspende-se entretanto a instância (arts. 25º/1, 265º/2 CPC, quanto ao tutor, art. 1940º/3 CC). As consequências da não sanação do vício são distintas consoante ele afecte o autor ou o réu.
Se o vício não for sanado e respeitar à parte activa, falta um pressuposto processual, pelo que o réu é absolvido da instância (arts. 25º/1, 1ª parte, 494º-d, 493º/2, 288º/1-c CPC). Se a falta de autorização ou deliberação afectar o representante da parte passiva e não for sanada, a contestação fica sem efeito (art. 25º/2, 2ª parte CPC) e o incapaz beneficia da sub-representação do Ministério Público se não tiver mandatário judicial constituído (art. 15º/1 CPC).
Litisconsórcio inicial: modalidades
41. Sistematização geral
A pluralidade de partes que caracteriza o litisconsórcio coincide, em princípio, com uma pluralidade de titulares do objecto do processo. Pode assim dizer-se que, relativamente à legitimidade singular dos titulares daquele objecto, o litisconsórcio representa uma legitimidade de segundo grau, isto é, uma legitimidade que se demarca, através de critérios específicos, entre esses titulares, de molde a determinar as condições em que todos eles podem ou devem ser partes numa mesma acção. A legitimidade plural não é, por isso, um conjunto ou somatório de legitimidades singulares, mas uma realidade com características próprias.
42. Classificações
O litisconsórcio é susceptível de várias classificações: pode-se classificá-lo quanto à origem, ao reflexo na acção e ao conteúdo da decisão, ou seja, pode-se atender, nessa classificação, ao momento da propositura da acção, às consequências da sua verificação na acção, ao momento do proferimento da decisão e ainda à posição dos litisconsortes. Dado que se referem a realidades distintas, essas classificações podem classificar-se entre si.
a) Origem do litisconsórcio:
Quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser: voluntário, todos os interessados podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo ou; necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Assim, enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos interessados, o litisconsórcio necessário é imposto ao autor ou autores da acção.
b) Reflexo na acção:
Atendendo aos reflexos na acção, o litisconsórcio pode ser: simples, é aquele em que a pluralidade de partes não implica um aumento do número de oposições entre as partes; ou recíproco, é aquele em que a pluralidade de partes determina um aumento do número de oposições entre elas.
c) Conteúdo da decisão:
Atendendo ao conteúdo da decisão, o litisconsórcio pode ser: unitário, é aquele em que a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes; ou simples, pelo contrário, a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes.
d) Posição das partes:
Atendendo à posição das partes, o litisconsórcio pode ser: conjunto, verifica-se quando todos os litisconsortes activos formulam conjuntamente o pedido contra o demandado ou quando o autor formula o pedido conjuntamente contra todos os litisconsortes demandados; ou subsidiário, pressupõe que o objecto da causa só é apreciado em relação a um litisconsorte activo ou passivo se um outro autor ou réu não for considerado titular, activo ou passivo, desse mesmo objecto.
43. Litisconsórcio voluntário
Sempre que existe uma pluralidade de interessados, activos ou passivos, opera, quanto à constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência, pois que a acção pode ser proposta por todos esses titulares ou contra eles (art. 27º/1, 1ª parte CPC). O litisconsórcio voluntário verifica-se por iniciativa da parte ou partes em causa: são os vários interessados que decidem instaurar a acção conjuntamente, é o autor da acção que resolve propor a acção contra vários réus e é esse autor ou o réu que opta por promover a intervenção de outras partes durante a pendência da acção.
Apesar de o litisconsórcio voluntário se encontrar na disponibilidade das partes, que o podem constituir ou não, isso não significa que a sua constituição seja irrelevante, isto é, que a parte que o pode conformar possa conseguir os mesmos benefícios e vantagens com ou sem a sua conformação.
a) Litisconsórcio comum:
A parte que o conforma pretende apenas integrar determinados sujeitos no âmbito subjectivo do caso julgado, numa situação em que, sem a sua participação na acção, eles não ficariam abrangidos por ele.
b) Litisconsórcio conveniente:
A parte que o constitui visa alcançar uma vantagem que não poderia obter sem essa pluralidade de partes, activas ou passivas. Quer dizer: a constituição do litisconsórcio é uma condição indispensável para alcançar um certo resultado ou efeito.
São vários os motivos que podem determinar o litisconsórcio conveniente. Este litisconsórcio verifica-se em relação a obrigações conjuntas, pois que, sem a participação de todos os credores ou devedores, a acção só pode ser procedente na quota-parte respeitante ao sujeito presente em juízo (art. 27º/1, 2ª parte CPC).
44. Litisconsórcio necessário
No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio necessário são essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade plural) do objecto do processo e o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão no litisconsórcio legal e convencional; este último, no litisconsórcio natural.
a) Litisconsórcio legal:
O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (arts. 28º/1, 28º-A CPC).
Quanto ao litisconsórcio necessário entre os cônjuges, há que analisar o disposto no art. 28º-A/1/2 CPC (acções que devem ser propostas por ambos os cônjuges) e 28º-A/3 CPC (acções que devem ser instauradas contra ambos os cônjuges). Relativamente à propositura da acção, o litisconsórcio entre os cônjuges é necessário quanto a direitos que apenas possam ser exercidos por ambos ou a bens que só possam ser administrados ou alienados por eles, incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A/1 CPC). Para se saber quais são esses direitos e bens, há que distinguir entre as acções relativas a actos de administração e a actos de disposição.
Nas acções relativas a actos de administração, o litisconsórcio activo é necessário quanto aos actos de administração de bens comuns do casal (art. 1678º/3 in fine CC). Nas acções referidas a actos de disposição, o litisconsórcio activo é necessário quando o objecto do processo for nomeadamente, um acto de disposição de bens comuns administrados por ambos os cônjuges (art. 16628º/1 CC).
Note-se que o litisconsórcio activo entre os cônjuges podem ser substituído pela propositura da acção por um deles com o consentimento do outro (art. 28º-A/1 CPC), o que constitui uma situação de substituição processual voluntária. Se o cônjuge não der o seu consentimento para a propositura da acção, o outro pode supri-lo judicialmente (art. 28-A/2 CPC), utilizando para tanto o processo regulado no art. 1425º CPC.
Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é necessário quando o objecto do processo for um facto praticado por ambos os cônjuges, uma divida comunicável, um direito que apenas pode ser exercido por ambos os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser administrado ou alienado, incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A/3 CPC).
O litisconsórcio necessário definido pelo art. 28º-A/3 CPC, também pode operar depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
b) Litisconsórcio convencional:
O litisconsórcio necessário convencional, é aquele que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico (art. 28º/1 CPC). Para a determinação do âmbito deste litisconsórcio convencional há que analisar o regime das obrigações divisíveis e indivisíveis.
Se a obrigação for divisível, o litisconsórcio é, em princípio voluntário, porque, se não estiverem presentes todos os interessados activos e passivos, o Tribunal conhece apenas da quota-parte do interesse ou da responsabilidade dos sujeitos presentes em juízo (art. 27º/1, 2ª parte). Assim, quanto a uma obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as partes estipulam que o seu cumprimento apenas é exigível por todos os credores ou a todos os devedores.
Quanto à obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou convenção das partes), há que distinguir entre a pluralidade de devedores e a de credores. Se forem vários os devedores, o art. 535º/1 CC, estipula que o cumprimento só pode ser exigido de todos eles, pelo que, quanto a esta hipótese, vale um litisconsórcio necessário legal e, por isso, o caso não se pode enquadrar no litisconsórcio convencional. Pelo contrário, se houver uma pluralidade de credores, o art. 538º/1 CC, dispõe que qualquer deles pode exigir a prestação por inteiro, resultando daí que, na falta de estipulação das partes, o litisconsórcio de vários credores de uma obrigação indivisível é meramente voluntário. Por isso, relativamente a uma obrigação indivisível, o litisconsórcio necessário convencional só se verifica se for estipulado que essa obrigação apenas pode ser exigida por todos os credores.
c) Litisconsórcio natural:
O litisconsórcio necessário natural, é aquele que é imposto pela realização do efeito útil normal da decisão do Tribunal (art. 28º/2 CPC). A concretização deste referido efeito útil normal suscita muitas dificuldades.
Pode entender-se que o litisconsórcio natural só existe quando a repartição dos vários interessados por acções distintas impeça uma composição definitiva entre as partes da causa.
Mas também pode defender-se que o litisconsórcio é natural não só quando a repartição dos interessados por acções diferentes impeça a composição definitiva entre as partes, mas também quando a repartição dos interessados por acções distintas possa obstar a uma solução uniforme entre todos os interessados.
Segundo a definição legal do art. 28º/2, 2ª parte CPC, o efeito útil normal é atingido quando sobrevem uma regulação definitiva da situação concreta das partes (e só delas) quanto ao objecto do processo. De acordo com a mesma definição, o efeito útil normal pode ser conseguido ainda que não estejam presentes todos os interessados ou, dito de outra forma a ausência de um deles nem sempre constitui um obstáculo a que esse efeito possa ser atingido: é o que resulta do facto de nessa definição se admitir expressamente a não vinculação de todos os interessados.
Assim, deve concluir-se que decorre do art. 28º/2, 2ª parte CPC, que, na determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de a sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes.
45. Litisconsórcio unitário
O litisconsórcio unitário é aquele em que a decisão do Tribunal tem de ser uniforme para todos os litisconsortes. Este litisconsórcio corresponde a situações em que o objecto do processo é um interesse indivisível, pelo que sobre ele não podem ser proferidas decisões divergentes.
A uniformidade do objecto, quer de uma relação de prejudicialidade entre vários objectos.
São pensáveis situações de litisconsórcio unitário voluntário. Se, por exemplo, vários comproprietários propuserem uma acção de reivindicação contra um detentor, o litisconsórcio é voluntário, porque a acção podia ter sido proposta por um único dos comproprietários (art. 1405º/2 CC), mas é igualmente unitário, porque a causa não pode ser julgada procedente quanto a um dos comproprietários e improcedente quanto a um qualquer outro.
O litisconsórcio unitário também pode ser necessário. Suponha-se que o presumido pai instaura, contra o filho e a mãe, uma acção de impugnação da paternidade; esse litisconsórcio é necessário (art. 1846º/1 CC) e unitário, porque essa acção de impugnação só pode ser procedente ou improcedente simultaneamente contra ambos os demandados.
Convém acentuar, no entanto, que nem todo o litisconsórcio necessário é unitário. Por exemplo: se as partes estipulam que a dívida só pode ser exigida de ambos os devedores e se, portanto, construíram uma situação de litisconsórcio necessário convencional (art. 28º/1 CPC), isso não impede que, se um dos devedores demandados puder invocar contra o credor a extinção da sua quota-parte da dívida, um dos réus seja condenado e o outro seja absolvido do pedido.
O litisconsórcio unitário releva no momento do proferimento da decisão, pois que ele implica o proferimento de uma mesma decisão para todos os litisconsortes. Note-se que o litisconsórcio unitário não impõe, em si mesmo, a presença de nenhum interessado em juízo, pelo que só há que garantir a uniformidade da decisão relativamente aos litisconsortes que se encontrem na acção no momento do seu proferimento. Esses litisconsortes podem não ser as partes iniciais da acção, quer porque algumas delas se afastaram da acção, quer porque alguns terceiros intervieram nela durante a sua pendência.
46. Litisconsórcio subsidiário e alternativo
Segundo o disposto no art. 31º-B CPC, é admitida a formulação subsidiária do mesmo pedido por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, desde que exista uma dúvida fundamentada sobre o sujeito do objecto do processo. Isto significa que é admissível tanto um litisconsórcio em que um dos autores só será reconhecido como titular activo de uma situação jurídica se um outro demandante não o for, como um litisconsórcio em que se pede que um dos réus seja condenado se a acção não for procedente quanto a um outro demandado.
A admissibilidade do litisconsórcio subsidiário coloca o problema de saber se é sempre exigível que um dos autores se apresente numa posição subsidiária perante uma outra ou se é necessário que o autor defina como subsidiário um dos demandados. Isto é, importa averiguar se o autor, em vez de se colocar numa posição subsidiária perante um outro demandante, se pode apresentar numa relação de alternatividade com ele ou se o autor, em vez de demandar um réu numa posição subsidiária, pode demandar em alternativa vários réus.
Não parece que a atribuição por um dos autores de uma posição de subsidiariedade perante um outro demandante ou que a concessão pelo autor de uma idêntica posição a um dos demandados corresponda a um ónus dessa parte. Na mesma situação de dúvida sobre o titular do objecto do processo (art. 31º-B in fine CPC), parece admissível que nenhum dos autores se coloque na posição de subsidiariedade perante o outro e que nenhum dos réus seja qualificado como subsidiário, podendo antes os vários autores ou réus apresentar-se ou ser apresentados numa relação de alternatividade.
Litisconsórcio inicial: consequências
47. Constituição do litisconsórcio
O litisconsórcio voluntário encontra-se na disponibilidade da parte, que o pode constituir ou não. Diferentemente, o litisconsórcio necessário não permite qualquer opção da parte, pois que a acção tem de ser proposta por todos ou contra todos os interessados. Importa assim determinar como pode uma parte ultrapassar uma recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a acção: tem-se entendido que essa parte pode instaurar sozinha a acção e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores dos demais interessados.
A pluralidade de partes relativamente às quais o litisconsórcio é imposto pode ser activa ou passiva. Normalmente, o litisconsórcio é imposto a uma pluralidade de autores ou a um autor relativamente a uma pluralidade de réus. Mas o litisconsórcio também pode ser imposto a uma pluralidade de réus ou a um réu quanto a uma pluralidade de autores.
Quanto aos efeitos da sua não constituição, no caso do litisconsórcio voluntário verifica-se apenas o desaproveitamento de certos benefícios ou vantagens, mas na sua hipótese do litisconsórcio necessário conforma-se a ilegitimidade da parte (activa ou passiva) que está em juízo desacompanhada dos demais interessados (art. 28º/1 CPC).
A ilegitimidade proveniente da preterição de litisconsórcio necessário é sanável, embora haja que distinguir o litisconsórcio relativo aos cônjuges das demais hipótese.
No litisconsórcio entre os cônjuges, a ilegitimidade activa é sanável mediante a obtenção do consentimento do outro cônjuge ou o seu suprimento (art. 28º-A/2 CPC); a ilegitimidade passiva é sanável através da intervenção principal do cônjuge não presente, provocada quer pelo autor da acção (art. 269º/1 CPC), mesmo nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância (art. 269º/2 CPC), quer pelo cônjuge demandado (art. 325º/1 CPC).
Nas demais situações de litisconsórcio necessário, a ilegitimidade (activa ou passiva) é sanável mediante a intervenção principal provocada da parte cuja falta gera ilegitimidade (art.. 269º/1 CPC). Essa intervenção é admissível mesmo depois do trânsito em julgado do despacho saneador que apreciou a ilegitimidade, situações em que a instância se renova (art. 269º/2 CPC).
48. Posição dos litisconsortes
O art. 29º estabelece a seguinte diferença entre o litisconsórcio voluntário e o necessário: enquanto no litisconsórcio necessário as partes se apresentam externamente como a única parte (art. 29º, 1ª parte CPC), no litisconsórcio voluntário as partes mantêm uma posição de autonomia (art. 29º, 2ª parte CPC). Assim, segundo este critério, as partes de um litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de autonomia.
A distinção estabelecida no art. 29º CPC, justifica os diferentes regimes que se encontram na lei em matéria de falta de citação (art. 197º CPC), de separação do pedido reconvencional que envolve a intervenção de terceiros (art. 274º/5 CPC), de confissão, desistência ou transacção (art. 298º CPC), de aproveito do recurso interposto por um dos litisconsortes (art. 683º/1 CPC) e de exclusão pelo recorrente de algum dos litisconsortes vencedores (art. 684º/1 CPC). Uma outra consequência da autonomia entre os litisconsortes voluntários encontra-se no decurso dos prazos processuais, que correm separadamente para cada uma das partes.
A comunidade constituída pelas partes de um litisconsórcio necessário verifica-se também quanto aos pressupostos processuais, no sentido de que esse litisconsórcio exige que eles estejam preenchidos em relação a todos os litisconsortes. Na verdade, se faltar um dos pressupostos que afecta um dos litisconsortes e se isso determina a sua absolvição da instância, e os demais litisconsortes deverão ser absolvidos por ilegitimidade, dado que aquela absolvição os tornou partes ilegítimas; se o litisconsórcio se verificar na parte activa, é o réu que deverá ser absolvido da instância, com base na ilegitimidade dos autores.
Nem sempre releva, quanto à posição recíproca das partes, a distinção entre o litisconsórcio voluntário e necessário.
A origem do litisconsórcio também é irrelevante quanto ao aproveitamento da contestação de um dos litisconsortes, pois que esta aproveita sempre aos demais réus, não relevando se o litisconsórcio é necessário ou voluntário (art. 485º-a CPC). Idêntica extensão vale, por maioria de razão, para o caso de algum dos litisconsortes não cumprir o ónus de impugnação (art. 490º/1 CPC): também nesta hipótese o litisconsorte que não impugnou certo facto beneficia da sua impugnação por um outro réu.
49. Decisão da acção
O art. 29º CPC, estabelece que, no litisconsórcio necessário, as partes se apresentam externamente como uma única parte e que, no litisconsórcio voluntário, elas mantêm uma posição de autonomia. Esta distinção parece concretizar-se em algumas disposições de autonomia. Esta distinção parece concretizar-se em algumas disposições avulsas. Assim, no litisconsórcio voluntário, cada parte pode desistir ou confessar a quota-parte do pedido ou transigir sobre essa quota-parte (art. 298º/1 CPC), o recurso interposto por alguma das partes vencidas não aproveita, em regra, aos não recorrentes (art. 683º/1 CPC) e o recorrente pode exclui do recurso alguma das partes vencedoras (art. 684º/1 CPC); em contrapartida, no litisconsórcio necessário, a confissão, desistência ou transacção só podem ser realizadas com a intervenção de todos os litisconsortes (art. 298º/2 CPC), o recurso interposto por qualquer dos litisconsortes aproveita sempre aos demais (art. 683º/1 CPC) e o recorrente nunca pode excluir nenhum dos litisconsortes vencedores (art. 684º/1 CPC).
Aparentemente, este regime demonstra que, no litisconsórcio voluntário, a decisão pode ser diversa para cada um dos litisconsortes e que, no litisconsórcio necessário, tal nunca se pode verificar.