B - Divórcio
114. Introdução
O divórcio consiste no corte definitivo da relação matrimonial, que se extingue. Está em causa, só o casamento civil. O sistema de divórcio está basicamente assente numa ideia de divórcio-sanção. A principal causa de divórcio, a violação dos cônjuges; e só pode ser invocada pelo cônjuge “inocente”.
Assim, a melhor doutrina entende que o divórcio por mútuo consentimento pressupõe a existência de uma causa não desvendada, em homenagem ao decoro familiar e social, e que permitiria, por ela só, o divórcio litigioso. Ora, é sabido que não é assim, e que não deve ser assim. O divórcio por mútuo consentimento deve estar aberto também àquelas situações em que a afeição entre os cônjuges baixou para aquém do limite mínimo, e em que a comunhão de vida está definitivamente destruída. Independentemente de qualquer outra consideração, a não ser um (mero) juízo de censura, muito severo, para os cônjuges, ou para o cônjuge culpado.
115. O divórcio por mútuo consentimento
O art. 1773º CC, estabelece o recurso “directo” ao divórcio por mútuo consentimento.
O divórcio por mútuo consentimento vem regulado nos arts. 1775º segs. CC e nos arts. 1419º segs. CPC.
Esta modalidade de divórcio terá evidentemente uma causa, mas não revelada.
Para além da existência do consentimento dos cônjuges, existem certos pressupostos para que o divórcio seja declarado: os cônjuges têm de estar casados há mais de três anos; tem de haver acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça; sobre o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e sobre o destino da casa de morada de família.
A exigência de um prazo mínimo de duração do casamento parece justificada.
116. O processo
O processo de divórcio por mútuo consentimento (arts. 1775º segs. CC e 1419º segs. CPC) assenta do “desejo” de conciliar os cônjuges, se possível.
Assim, na primeira conferência deverão estar presentes os cônjuges, e o juiz tentará conciliá-los.
Se a conciliação não for possível, o juiz advertirá os cônjuges de que deverão renovar o pedido de divórcio após um período de reflexão de três meses, a contar da data da conferência, e dentro do ano subsequente a essa data, sob pena de pedido ficar sem efeito. A partir dessa data, fica suspenso o dever de coabitação, podendo qualquer dos cônjuges requerer o arrolamento dos seus bens próprios e dos bens comuns.
Perante a renovação do pedido de divórcio, o juiz designará dia para a segunda conferência, em que haverá nova tentativa de conciliação. Se esta não resultar, será proferida sentença que homologará os acordos entre os cônjuges.
117. O divórcio litigioso
É pedido por um dos cônjuges contra o outro em acção intentada para o efeito.
As causas do divórcio estão previstas na lei, embora através de conceitos indeterminados.
a) Causas do divórcio-sanção:
Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio, dispõe o art. 1779º CC, se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comporta a possibilidade da vida em comum (art. 1779º/1 CC).
Na apreciação dos factos invocados, acrescenta o art. 1779º/2 CC, deve o Tribunal tomar conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges.
A exigência de se levar em conta a culpa do requerente deve ser conexionada com o art. 1780º-a CC: tratar-se-á de culpa do outro cônjuge nos actos praticados pelo faltoso; e não de violação culposa pelo outro cônjuge de deveres conjugais como pode sugerir o art. 1779º CC.
O comprometimento da possibilidade de vida em comum deve ser aferido pela existência ou não de separação de facto. Relevando, necessariamente, a separação de facto a impossibilidade de vida em comum, transformará em causas de divórcio factos que, de outro modo, pareceriam desprovidos de relevo suficiente; como injurias “ligeiras”, violações menos graves do dever de cooperação, etc.
O art. 1779º/1, exige que a violação dos deveres conjugais seja culposa.
b) As causas do divórcio-remédio:
A ausência, sem que de ausente haja notícias, por tempo não inferior a quatro anos (art. 1781º-b CC), e a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de seis anos, e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum (art. 1781º-c CC), são fundamentos do divórcio litigioso (art. 1781º CC). Trata-se de situações para as quais o único “remédio” é o divórcio.
c) Divórcio constatação da ruptura do vínculo conjugal:
A separação de facto por três anos consecutivos é fundamento de divórcio litigioso (art. 1781º CC). Entende-se que há separação de facto quando não há comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (art. 1782º CC).
A referência à inexistência de comunhão de vida como pedra de toque da separação de facto, permite esclarecer certas situações que se deparam na doutrina e na jurisprudência.
Comunhão de vida, é a disponibilidade permanente de ambos os cônjuges, um para o outro, em todos os aspectos da vida.
A separação de facto não existe uma total destruição da comunhão de vida.
O propósito de não restabelecer a comunhão de vida deve considerar-se resultante de uma separação de facto, com alguma duração, sobretudo se os cônjuges não habitam a mesma casa, ou, habitando-a o fazem por razões estritamente económicas.
118. Exclusão e caducidade do direito ao divórcio
a) Exclusão do direito ao divórcio:
O cônjuge “inocente” não pode obter o divórcio se tiver instigado o outro a praticar o facto invocado como fundamento do pedido, ou se tiver, intencionalmente, criado condições propícias à sua verificação; ou se houver relevado pelo seu comportamento posterior, designadamente por perdão, expresso ou tácito, não considerar o acto praticado como impeditivo da vida em comum (art. 1980º CC).
b) Caducidade do direito ao divórcio:
O direito ao divórcio caduca no prazo de dois anos, a contar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu representante legal teve conhecimento do facto susceptível de fundamentar o pedido (art. 1786º/1 CC). O prazo de caducidade corre separadamente em relação a cada um dos factos; tratando-se de facto continuado, só corre a partir da data em que tiver cessado (art. 1786º/2 CC).
A fixação de um prazo de caducidade compreende-se só nos quadros do divórcio sanção. Com efeito, num sistema de divórcio constatação da ruptura do vínculo conjugal, a qualquer momento um dos cônjuges poderá pedir o divórcio, fundando-se, eventualmente, tão só, na inexistência de comunhão de vida atestada por uma separação de facto.