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A - Efeitos patrimoniais do casamento. O regime de bens. Princípios fundamentais

 

81. Introdução

A comunhão de vida, que é o casamento enquanto estado, deve existir no duplo plano pessoal e patrimonial. A disponibilidade de cada um dos cônjuges perante o outro, que é o reflexo do amor e de consubstancia a comunhão de vida, deve ser uma disponibilidade da pessoa e dos bens de cada um dos cônjuges.

A comunhão de vida introduz necessariamente nas relações patrimoniais ingredientes que não existiriam entre duas pessoas absolutamente estranhas. É natural que um dos cônjuges, o mais habilitado, se ocupe da administração dos bens do outro; como ambos gozarão, indiscriminadamente, do conjunto dos bens. Contudo, não se afigura, que estas circunstâncias exijam a criação de um especial estatuo patrimonial das relações dos cônjuges. Deverão ser consideradas como resultantes necessárias da comunhão de vida, sem relevância jurídica autónoma. Quando muito, e para casos de particularmente intensa colaboração económica entre os cônjuges, com resultados muito significativos para um deles, haverá que estatuir expressamente o recurso a algum dos institutos consagrados do direito das obrigações ou dos direitos reais, como o enriquecimento sem causa, as benfeitorias, etc.

 

82. O regime de bens e as convenções antenupciais. Características das convenções antenupciais

Cada casamento como estado está submetido a um regime de bens, ou seja, a um estatuto que regula as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros.

Este estatuto pode ser livremente fixado. No caso de eles não o determinarem, a lei prevê um estatuto supletivo.

O princípio geral é o da liberdade do regime de bens: os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos no Código Civil, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver dentro dos limites da lei (art. 1698º CC).

Não permite o Código que o regime de bens seja fixado por remissão genérica para a lei estrangeira ou revogada, ou para usos e costumes locais (art. 1718º CC).

Os regimes típicos do Código Civil são o da comunhão de adquiridos (arts. 1721º a 1731º CC), o regime da comunhão geral (arts. 1732º a 1734º CC), e o da separação (arts. 1735º e 1736º CC). O regime supletivo, ou seja, o regime que vale na falta de convenção antenupcial ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia desta, é o regime da comunhão de adquiridos (art. 1717º CC).

Os casos de regime imperativo estão previstos no art. 1720º/1-a), b) CC. Trata-se de casamentos celebrados sem precedência do processo de publicações, e por quem tenha completado sessenta anos de idade. Nestes casos, a lei impõem aos nubentes o regime de separação de bens.

Além destes, o art. 1699º/2 CC, proíbe a estipulação do regime da comunhão geral nos casamentos celebrados por quem tenham filhos, ainda que estes sejam maiores ou emancipados. Também não é permitido aos nubentes estipular, neste caso, a comunicabilidade dos bens referidos no art. 1722º/1 CC. Visa-se proteger os filhos do cônjuge, através da incomunicabilidade dos bens que o cônjuge levou para o casal ou adquiriu a título gratuito e dos sub-rogados no seu lugar.

Nos casos de regime legal imperativo, a lei determinou-se pelo receio de que alguns dos nubentes tenha sido levar a contrair matrimónio por interesse económico.

A lei proíbe, as doações entre casados (art. 1762º CC), quando vigorar imperativamente o regime de separação de bens que seriam um modo de os cônjuges iludirem o regime de separação de bens. O art. 1720º/2 CC, permite, porém, que, em vista do seu futuro casamento, os nubentes façam doações entre si.

 

83. Convenção antenupcial

É o acordo entre os nubentes destinado a fixar o seu regime de bens. A convenção não se integra no contrato de casamento, mas é acessório deste, pressupondo a sua existência e validade. Em termos de, se o casamento for inválido, a convenção antenupcial ser arrastada por esta invalidade.

Os princípios gerais em matéria de convenções antenupciais são os da liberdade e da imutabilidade.

Nos termos do art. 1698º CC, os esposos podem fixar na convenção antenupcial, dentro dos limites da lei, o regime de bens do casamento, escolhendo um dos regimes previstos no Código, combinando alguns destes, ou estipulando o que entenderem (princípio da liberdade).

O art. 1699º CC, estabelece um certo número de restrições ao princípio da liberdade contratual; matérias em relação às quais os cônjuges não podem dispor, por estarem imperativamente fixados na lei.

 

84. Imutabilidade das convenções antenupciais

O art. 1714º/1 CC, dispõe que, fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais, nem os regimes de bens legalmente fixados.

Está sujeito ao princípio da imutabilidade, não só o regime de bens convencionado pelos esposos, mas também o regime supletivo. Ou seja: desde o momento da celebração do casamento o regime de bens é inalterável.

A imutabilidade das convenções antenupciais não significa a manutenção rígida dos bens num certo estatuto de propriedade. É possível uma certa dinâmica das relações entre os cônjuges, nos quadros da convenção. Assim, cada um dos cônjuges pode fazer ao outro doações (art. 1761º segs. CC), ou dar em cumprimento (art. 1714º/3 CC); qualquer deles pode conferir a outro mandato revogável para administrar os seus bens próprios (art. 1678º/2-g CC); ou os cônjuges podem entrar com bens próprios para sociedades comerciais das quais façam parte, desde que só um deles assuma a responsabilidade ilimitada (art. 8º CSC).

Verdadeira alteração à convenção antenupcial permitida por lei só parece haver uma: revogação da doação para casamento, por esta importar alteração directa à convenção antenupcial em que aquela doação se integra.

O argumento principal a favor da imutabilidade das convenções antenupciais é o seguinte: pretende-se evitar que um dos cônjuges, que tenha adquirido ascendente sobre o outro em virtude do casamento, imponha a este a uma alteração do regime de bens que lhe seja prejudicial; alteração que se traduziria numa verdadeira liberalidade do segundo cônjuges a favor do primeiro e à qual se não aplicaria o princípio geral da livre revogabilidade das doações entre cônjuges (art. 1765º/1 CC), nem as regras gerais das doações (arts. 970º, 2169º CC).

 

85. Requisitos de fundo da convenção antenupcial

Sendo um contrato, a convenção antenupcial está sujeita às regras gerais dos contratos, nomeadamente as que se referem à vontade, à declaração, aos vícios da vontade, etc.

As convenções antenupciais podem ser celebradas através de procurados, embora a procuração deva conter a indicação do regime de bens convencionado, por se tratar de matéria demasiadamente importante, e demasiadamente “definitiva”, para ser deixada totalmente ao critério do procurador.

O art. 1713º/1 CC, vem permitir que as convenções seja celebradas sob condição ou a termo. Assim, pode determinar-se que um regime de separação seja transformado em regime de comunhão geral se nascerem filhos do casamento.

O preenchimento da condição não tem efeito retroactivo em relação a terceiros (art. 1713º/2 CC).

Para garantir o princípio da imutabilidade, as condições e os termos devem estar totalmente independentes, enquanto tais, da simples vontade dos contraentes.

 

86. Formalidades da convenção antenupcial

Terão de ser celebradas por escritura pública (art. 1710º CC), ou por auto lavrado perante o Conservador do Registo Civil.

Além disso, as convenções antenupciais devem ser registadas para produzirem efeitos em relação a terceiros (art. 1711º/1 CC, e art. 191º CRC).

Uma convenção antenupcial não registada é válida e eficaz entre as partes, não produzindo efeitos em relação a terceiros. Não são considerados terceiros (art. 1711º/2 CC), os herdeiros do cônjuge e os demais outorgantes da escritura.

Como qualquer contrato, as convenções antenupciais podem ser inválidas, de acordo com as regras gerais.

Aplicam-se, nesta matéria as regras relativas à redução do negócio jurídico (art. 292º CC)

 

87. Caducidade das convenções antenupciais

A convenção antenupcial caduca se o casamento não foi celebrado dentro de um ano, a contar da sua celebração, ou se, tendo sido celebrado, foi declarado nulo ou anulado (art. 1716º CC).

Se o casamento for declarado nulo ou anulado, aplicam-se as regras do casamento putativo. Assim, se ambos os cônjuges estavam de boa fé, a convenção produzirá os seus efeitos em relação a eles e a terceiros (art. 1674º/1 CC); se só um dos cônjuges contraiu casamento de boa fé, e a convenção antenupcial o beneficiou, só o cônjuge de boa fé poderá obrigar-se à tutela dos benefícios do estado matrimonial (art. 1647º/2 CC).
 

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