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I - Deveres dos cônjuges

75. Introdução

O casamento, enquanto estado, é uma comunhão plena de vida. Ou seja: é um constate viver de cada cônjuge, não só com o outro, mas para o outro; enriquecendo e afirmando cada uma das pessoas.

O ser estabelece, pois, pontes com os outros. Esta abertura verifica-se ser constitutiva do próprio ser, num círculo de êxodo e regresso a si mesmo que constitui a vida pessoal. A vida de uma pessoa é para os outros: amar, para ser amado; dar, para receber; comunicar para humanizar; transmitir para conhecer. A comunicação, “o ser para”, é a própria vida do ser pessoal. Sem comunicação com os outros, a “humanização” é barbárie. Quando a comunicação se interrompe, sobrevêm a morte. O ser para os outros não é um mais que se junta à pessoa humana; é constitutivo desta.

Finalmente, o ser com os outros exprime a realização plena da personalidade através da solidariedade plena com os outros. A comunicação leva a ter uma relação de reciprocidade total que se torna em plena solidariedade.

O matrimónio-comunhão de vida está no oposto do egoísmo. Cada um dos cônjuges dá-se inteiramente ao outro para receber este; dá-se, para receber; quer deixar de ser (só) um para assegurar a ser dois em um. Fusão impossível. Assim, cada um, ao retirar-se dessa ânsia de fusão sempre renovada, verifica que trouxe o melhor do outro, humanizando-se mais.

 

76. Dever de coabitação

O conceito de coabitação em Direito matrimonial, mas também em linguagem vulgar, significa comunhão de leito, de mesa e de habitação.

Segundo o art. 1673º CC, os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família. Nesta fixação devem levar-se em conta os interesses de todos os membros da família, de cada um dos cônjuges e dos filhos, não sendo possível descortinar o interesse próprio da família enquanto conjunto. Será atendendo às necessidades de cada um dos membros da família que se poderá chegar a uma composição em termos de fixação de uma residência comum.

No caso de divergência insanável e prolongada entre os cônjuges sobre o local da residência familiar, a lei permite a intervenção do Tribunal a requerimento de qualquer dos cônjuges (arts 1673º/3 CC e 1415º CPC).

O incumprimento não justificado da obrigação de coabitar pode ser causa de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens (arts. 1779º e 1794º CC). Independentemente de culpa, a ausência de coabitação será ainda causa de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens por ruptura da vida em comum (art. 1781º-a CC). É no contexto do dever de coabitação que se integra o chamado débito conjugal, ou seja, a obrigação de cada um dos cônjuges manter relações sexuais com o outro, e de não manter com um terceiro.

Pode haver coabitação sem haver necessariamente a comunhão de vida que constitui a essência do casamento.

 

77. Dever de fidelidade

Os cônjuges têm obrigação de guardar mutuamente fidelidade conjugal. A violação mais grave desta obrigação, traduzida na manutenção de relações sexuais consumadas entre um dos cônjuges e terceira pessoa, tem o nome de adultério. Contudo, outras violações menos graves do dever de fidelidade, não pressupondo as relações sexuais entre o cônjuge e terceiro, também constituem violação do dever de fidelidade, por se traduzirem numa negação da comunhão de vida em que se traduz o casamento.

 

78. Cooperação

A comunhão de vida pressupõe que cada um dos cônjuges esteja permanentemente disponível para dialogar com o outro, auxiliá-lo em todos os aspectos morais e materiais da existência, colaborar na educação dos filhos, etc. trata-se do débito conjugal de um dos núcleos da comunhão de vida. E também, um dos aspectos mais difíceis de controlar de fora, de mais difícil apreciação a nível da prova pelo Juiz, o que constitui mais uma das contradições do actual Direito da Família. O dever de cooperação é fundamental para o casamento, para a comunhão de vida em que ele se traduz, e é quase impossível a sua apreciação de fora. Assim e a não ser em casos extremos, se for levado a sério o actual sistema divórcio-sanção, casamentos que já não existem, por faltar a cooperação entre os cônjuges, não se poderão dissolver por falta de prova.

 

79. Dever de assistência

O dever de assistência, ao contrário do dever de cooperação, tem carácter marcadamente económico. Compreende a prestação de alimentos e a contribuição para os encargos da vida familiar (art. 1675º/1 CC).

Este dever bifacetado incumbe a ambos os cônjuges, nos mesmos termos, de harmonia com as possibilidades de cada um. Pode, porém, ser cumprido por qualquer deles, se o outro não quiser ou não estiver em condições de o fazer. No caso de um dos cônjuges não cumprir o seu dever de assistência, resultam daqui duas consequências principais:

Uma, e o de o outro cônjuge poder pedir a separação de pessoas e bens, ou o divórcio, com essa base. A outra, é a de cônjuge lesado pode pedir judicialmente alimentos para si próprio e para os filhos, para o futuro. Contudo, não há qualquer direito de indemnização em relação ao não cumprimento do dever de assistência para o passado; qualquer obrigação de o cônjuge faltoso assuma, será desprovida de valor.

O dever de assistência compreende, não só o necessário para que os restantes membros da família se alimentem, se vistam e abriguem e satisfaçam as suas necessidades de educação, como também o necessário para as actividades culturais desportivas e de lazer deles. Tudo isto atendendo aos hábitos correntes no meio social da família, e às efectivas possibilidades económicas do obrigado.

Isto, sem prejuízo de uma planificação da vida económica da família, que leva, em algumas circunstâncias, a sacrificar despesas de consumo, que leva, em algumas circunstâncias, a sacrificar despesas de consumo, por muito legitimas que estas sejam, em benefício de despesas de investimento. Assim, se um dos cônjuges decidir comprar uma casa como investimento, com os seus bens próprios, isto poderá levar a sacrificar legitimamente uma parte das férias, certas despesas com vestuário, etc., do conjunto.

 

80. Dever de respeito

A violação do dever de respeito é causa de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens (arts. 1779º e 1794º CC).

O dever de respeito é fundamentalmente o dever de aceitar o outro cônjuge como pessoa que ele é.

No momento em que os cônjuges se casaram, celebraram um contrato com uma certa outra pessoa, com os seus defeitos, as suas virtudes, etc. Será esta pessoa que eles terão de aceitar, de respeitar, no decurso da sua vida conjugal.

Existe aqui uma tensão entre dois interesses. Por um lado, o interesse de cada um dos cônjuges a ser, e a continuar a ser, aquilo que era. Por outro lado, a necessidade de cada um dos cônjuges se adaptar àquilo que o outro é, ou venha a ser. Assim, cada um dos cônjuges poderá ter, e manter, as suas opções ideológicas, religiosas, a sua actividade profissional, política, social, o seu círculo de amigos, os seus hábitos pessoais, sem que o outro contraditoriamente, adaptar, conformar ou restringir, os seus hábitos, a sua maneira de pensar, de maneira a não ferir os sentimentos do cônjuge.
 

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