A - Constituição da relação matrimonial (o casamento como acto)
40. O casamento católico: o casamento católico numa antropologia aberta
O casamento católico integra-se na tradição cristã caracterizada por uma visão do ser humano que se situa no encontro entre a identidade de cada sujeito histórico e o seu limite transcendente, a diferença que o mede e transcende, na sempre redescoberta do Totalmente Outro, reconhecendo-se na infinita diferença qualifica entre Deus e o mundo.
A antropologia que assim se descobre, é ao mesmo tempo, uma ética fundamental, indicando como morada última do ser pessoal o mistério da Trindade divina, e funda nesta o comportamento responsável do sujeito histórico e o seu modo de agir, inseridos nas relações com o Deus Vivo.
Esta antropologia constitui o fundamento de um “ethos” plenamente responsável e totalmente fruto da graça livre do Deus vivo.
No Verbo, o Pai ama o mundo em que o filho encarna, e o Espírito, unindo Um ao Outro, une todos os seres humanos a Deus.
Aqui se enquadra a “pessoa”, como sujeito das relações que pertencem ao plano da natureza humana.
Pessoa em si e para si, mas com uma natureza racional na perspectiva da intelectualidade, que dá capacidade à pessoa humana de se transcender relacionando-se com os outros e visando tendencialmente a totalidade do ser. Nesta ordem de ideias, a pessoa, para além de ser em si e para si, relaciona-se com outros: sendo, também e do mesmo modo, ser para, numa coincidência ontológica – a “exemplo” da Trindade. Enquanto na Trindade, a relação é uma comunhão ontológica, na pessoa humana é o indivíduo que se abre às relações com os outros e com o Outro, sem perder a sua singularidade, e superando a sua solidão ontológica em relação de amor. Relações de reciprocidade – ser com.
Depara-se com uma antropologia aberta na qual se situa o outro, nomeadamente do (totalmente) outro que é Deus; o “desiderium naturale” da visão de Deus: “A criatura espiritual não tem o seu fim em si próprio, mas em Deus”.
A virtude aparece, com a fidelidade, a maneira de ser radical do sujeito, para consigo mesmo e enquanto cônjuge e pai. Nomeadamente na comunidade e a estabilidade do processo contínuo de realização do eu e dos outros, do matrimónio. Cria-se um hábito como propensão estável a agir como cônjuge e pai. E o seu torna-se protagonista consciente e responsável da história daquela família – e, através daquela, de todas as outras.
Só neste quadro de uma antropologia aberta se pode compreender o casamento, “maximé” o casamento cristão. Com as suas características essenciais de comunhão de vida adequada à procriação e perpetuidade: ser para e com os outros; amor; fidelidade.
41. O direito do casamento católico: fontes
O Direito matrimonial canónico substantivo tem como fonte principal o título VII do IV livro do Código de Direito Canónico, cânones 1055 a 1163. No título I do VII livro, parte III, cânones 1671-1707 está contido o Direito processual. Para as Igrejas Orientais unidas a Roma vigoram outras normas.
O Código de direito Canónico é uma das “fontes de produção” (“fontes essendi”). Existem também as “fontes de conhecimento” (“fontes cognoscendi”).
As fontes de produção do Direito Canónico em geral, e do Direito matrimonial, são de quatro espécies: divinas, eclesiásticas, concordatárias e civis.
As fontes de carácter divino são as leis que Deus inseriu na natureza do homem (leis naturais) ou revelou.
As fontes eclesiásticas são leis emanadas da Igreja, através dos seus órgãos competentes.
As fontes concordatárias são leis acordadas bilateralmente entre a Igreja e o Estado. Referem-se normalmente ao reconhecimento de efeitos ao matrimónio canónico.
As fontes civis são leis estaduais recebidas pela Igreja no seu ordenamento: a adopção, que está na base do impedimento por parentesco legal (can. 110 e 1049); a promessa de casamento (can. 1062, § 1); etc.
42. O matrimónio
Nos fins do matrimónio, distingue-se entre fins do matrimónio em si mesmo (“fines operis”) e fins dos nubentes (“fines operantis”). Estes últimos variam conforme as situações: vantagens sociais, económicas, amor, beleza, etc.
Os fins objectivos do matrimónio não constituem a sua essência nem são suas propriedades essenciais. Mas são caracterizantes do matrimónio por definirem os direitos e os deveres dos cônjuges. São eles: o bem dos cônjuges e a procriação e educação da prole.
43. Propriedades essenciais
As duas “propriedades” ou “leis” fundamentais do matrimónio são a unidade e a indissolubilidade. Ambas provenientes do Novo Testamento e sempre aceites pela Igreja, foram definidas dogmaticamente na XXIV Sessão do Concílio de Trento em 11 de Novembro de 1563.
A unidade, consiste na união de um só homem com uma só mulher (monogamia). A fidelidade (“bonum fidee”) está intimamente associada à unidade.
A indissolubilidade (“bonum sacramenti”) torna perpétuo o vínculo matrimonial que só se desfaz por morte de um dos cônjuges. A dissolução do casamento validamente celebrado só pode ser operada em casos excepcionais: por dispensa do Pontífice Romano, relativamente ao matrimónio rato e não consumado (can. 1142); através do privilégio pauliano (can. 1143); pelo privilégio petrino (can. 1148-1149).
A unidade e a indissolubilidade são consideradas propriedades essenciais de qualquer matrimónio validamente celebrado, mesmo entre não baptizados. Mas, nos baptizados, tem particular solidez por força do carácter sacramental do matrimónio que faz deste a expressão da união mística de Cristo e da Igreja.
44. O casamento católico
O art. 1577º CC, define o casamento como “o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”.
A comunhão de vida não é um simples instrumento de constituição de família, mas deve entender-se como sendo o próprio núcleo do casamento. O estado de casado é uma comunhão de vida. A constituição da família é produto dessa comunhão de vida. Se entendermos por constituição de família, a procriação, como parece mais correcto, a definição de casamento no Código Civil aproxima-se muito do Direito Canónico.
Há que notar, também, que o direito português não dá relevo à consumação do matrimónio, ao contrário do que acontece no Direito Canónico, através da dispensa do casamento rato e não consumado.
O conceito de comunhão de vida é preenchido por outras disposições do Código Civil. Os cônjuges estão vinculados aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art. 1672º CC). A comunhão de vida é exclusiva (art. 1601º-c CC) e presumptivamente perpétua (art. 1773º CC).