H - Princípios Constitucionais do Direito Da Família
17. Direito à celebração do casamento
Este princípio está expresso no art. 36º/1, 2ª parte da CRP (… em condições de plena igualdade). Deve ser entendido nos termos do art. 16º/1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que atribui aos nubentes o direito de casar e de constituir família “sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião”.
Não impede a norma constitucional que se estabeleçam impedimentos fundados em interesses públicos fundamentais, como o faz a lei ordinária portuguesa, em matéria de idade, por exemplo.
18. Direito de constituir família
Esta norma, consagrada no art. 36º/1, 1ª parte (Todos têm o direito de constituir família…), tem sido objecto de algum debate quanto à sua interpretação.
Considerada em si mesma, a afirmação do Direito a constituir família significaria tão só, e já é muito, que qualquer pessoa tem o Direito de procriar. É este o sentido anglo-sáxonico de “constituir família”; também corrente em diversas zonas de Portugal, na linguagem popular.
O art. 12º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art. 16º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao estabelecerem o direito de casar e de constituir família, invertem os termos do art. 36º/1 CRP.
19. Competência da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e a sua dissolução, independentemente da forma de celebração
A norma consagrada no art. 36º/2 (a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração) CRP visa, sobretudo, retirar ao Direito canónico a competência para regular as matérias aí previstas.
Integra-se nesta secção Direitos de ser humano, na medida em que o seu objectivo de princípio é assegurar a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, implicando-lhes o mesmo estatuto, necessariamente o Direito civil.
Algumas dúvidas tem levantado o art. 1625º CC (o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes) quanto à sua constitucionalidade, na medida em que reserva para o Direito canónico os problemas relativos ao consentimento (divergências entre a vontade e a declaração, vícios de vontade etc.), que passam, portanto, a ser apreciados pelos Tribunais eclesiásticos.
Contudo, a doutrina tem-se inclinado maioritariamente no sentido da constitucionalidade do art. 1625º CC.
20. Admissibilidade do divórcio para quaisquer casamentos
O art. 36º/2 CRP, ao estabelecer que a lei regula os requisitos e os efeitos da dissolução do casamento por divórcio, independentemente da forma de celebração, tem um duplo sentido.
O primeiro é o de garantir a igualdade de todos os cidadãos, independentemente da forma de celebração do casamento, quanto ao divórcio. Seria inconstitucional uma norma que excluísse o divórcio para uma qualquer modalidade de casamento, inclusive o católico, como sucedia até ao Protocolo Adicional de 1975 à Concordata de 1940. O outro sentido é o da admissibilidade do divórcio para qualquer casamento. Consagra-se aqui um verdadeiro direito ao divórcio dos cônjuges.
O art. 36º/3 (os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos) CRP, consagra a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges quanto à sua capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos. Vem na esteira do princípio da igualdade estabelecido no art. 13º CRP.
21. Atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos e inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores
A atribuição dos pais do poder-dever de educação dos filhos vem consagrado no art. 36º/5 CRP (Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos). Também aí vem prevista a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores. Trata-se de dois princípios que tem de ser compreendidos em íntima conexão, por se completarem um ao outro. Deles resulta que a educação dos filhos – e por educação compreende-se a usa manutenção física, a sua educação espiritual, a transmissão dos conhecimentos e técnicas, a coabitação com os pais – é pertença dos pais. Este poder-dever dos pais só lhes pode ser retirado por decisão judicial, sempre que se verifiquem as condições previstas no art. 1915º/1 CC (a requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício do poder paternal quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres).
É Direito das Sucessões mais antigos “princípios constitucionais” do Direito da Família que se deve considerar Direito Natural.
22. Não discriminação entre filhos nascidos no casamento e fora do casamento
O art. 36º/4 CRP (os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação), proíbe a discriminação em relação aos filhos nascidos fora do casamento.
Na sua vertente formal, o princípio proíbe o uso de designações discriminatórias, como as de “filho ilegítimo”, “natural”, etc., ou quaisquer outras que não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento fora do casamento dos progenitores.
Sob o ponto de vista material, também se não permite qualquer discriminação: não poderá criar-se para os filhos nascidos fora do casamento um estatuto de inferioridade em relação aos outros que não decorra de insuperáveis motivos derivados do próprio facto do nascimento fora do casamento.
A norma constitucional levou, nomeadamente, à revogação das regras de direito civil que atribuíam melhores direitos sucessórios aos filhos “legítimos” em relação aos “ilegítimos”, ou que limitavam o reconhecimento de certas categorias de filhos “ilegítimos”.
23. Direitos dos membros da família perante o Estado: protecção da adopção
Esta norma foi introduzida pela revisão de 1982 que acrescentou ao art. 36º CRP o actual n.º 7 (A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação). Impedirá alterações da legislação ordinária que diminuírem, sem invocar um interesse público fundamental, os Direitos dos adoptados, os deveres dos adoptantes, ou restringiria demasiadamente, também sem justificação bastante, os requisitos da adopção. Por maioria de razão, essa norma proibirá o desaparecimento do instituto da adopção do Direito Civil português.
24. Protecção da família
A norma do art. 67º CRP compreende não só a família conjugal, como a natural e a adoptiva.
A família “natural” é constituída pelos filhos e pelo progenitor biológico. É uma família unilinear.
Esta norma está integrada, tal como os seguintes princípios, no Capítulo II (“Direitos e Deveres Sociais”), Título III (“Direitos Económicos, Sociais e Culturais”) da Parte I (“Direitos e Deveres Fundamentais”) da Constituição. Não tem pois a força jurídica que o art. 18º, confere aos preceitos respeitantes aos Direitos Liberdades e Garantias (em sentido tradicional), não sendo de aplicação imediata. Tem um carácter “programático”, com tudo o que isto significa.
25. Protecção da paternidade e da maternidade
O art. 68º CRP (os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país), ao considerar a paternidade e a maternidade “valores sociais eminentes”, concede aos pais e às mães, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes, garantindo-lhes a realização profissional e a participação na vida cívica do país. As mulheres trabalhadoras têm Direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, incluindo a dispensa de trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
Os pais e mães desempenham, no momento da geração e da educação dos filhos, uma tarefa do mais profundo interesse social. O art. 68º CRP, garante-lhes por parte do Estado uma particular protecção. Atribuindo, desde logo, às mulheres trabalhadoras dispensa do trabalho pelo período adequado durante a gravidez e após o parto, sem perda de retribuição ou de quaisquer regalias.
Na esteira destes princípios, o art. 69º CRP, atribui às crianças um Direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. O n.º 2 (O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal) concede-lhes uma especial protecção da sociedade e do Estado contra todas as formas de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade da família e demais instituições.