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D - A qualificação das normas de incorporação

 

19. A Cláusula de Incorporação Automática do art. 8º/1 CRP

O art. 8º/1 da Constituição (“As normas e os princípios de Direito Internacional Geral ou Comum fazem parte integrante do Direito português”) consagra uma cláusula de incorporação automática do Direito Internacional Geral ou Comum.

Quer dizer, o legislador constituinte considerou que tanto as normas e princípios de Costume geral como os Princípios de Direito Reconhecidos pelas Nações civilizadas são directamente aplicáveis na ordem jurídica portuguesa. E tal aplicação será ainda imediata se tais normas e princípios tiverem carácter self-executing; caso contrário, os indivíduos só se poderão prevalecer dos mesmos depois de o legislador ordinário ter tomado as medidas legislativas necessárias para os tornarem exequíveis.

O legislador constituinte tomou em consideração, no art. 8º da Constituição, três tipos ou três grandes categorias de Direito Internacional Público: o Direito Internacional Geral ou Comum (art. 8º/1 CRP), o Direito Internacional Particular (art. 8º/2 CRP) e um direito especial, que é o Direito Derivado (art. 8º/3 CRP). 

20. A Cláusula de Incorporação Plena do art. 8º/2 CRP

Da conjugação do art. 169º/2 CRP (requerida a apreciação de um decreto-lei elaborado no uso de autorização legislativa, e no caso de serem apresentadas propostas de alteração, a Assembleia poderá suspender, no todo ou em parte, a vigência) e do art. 161º-i CRP, ressalva que a aprovação dos Tratados que versassem matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, dos Tratados de participação de Portugal em Organizações Internacionais, dos Tratados de amizade, de paz, de defesa e de rectificação de fronteiras e ainda quaisquer outros que o Governo entendesse submeter-lhe era feita por meio de lei. Por outro lado, depreendia-se do art. 169º/5 CRP (se, requerida a apreciação, a Assembleia não se tiver sobre ela pronunciado ou, havendo deliberado introduzir emendas, não tiver votado a respectiva lei até ao termo da sessão legislativa em curso, desde que decorridas quinze reuniões plenárias, considerar-se-á caduco o processo) que a aprovação dos Tratados Internacionais seria feita sob a forma de resolução. Esta resolução teria de ser promulgada.

As rectificações, só ultimamente começaram a ser publicadas em Diário da República, sob a forma de avisos, não se compreendendo que não seja publicado sob a mesma forma o momento de entrada em vigor da Convenção na ordem internacional, quando é certo que, a Convenção só revela na ordem interna portuguesa após o decurso do período da vacatio legis, o qual deve ser contado, não a partir da data de publicação do instrumento de aprovação, mas sim a partir do momento da entrada em vigor da Convenção no espaço internacional.

O processo de transformação é característico dos sistemas jurídicos que, consagrando a divisão estrita de poderes, não permitem ao poder executivo a edição, sob a forma de Tratados, de regras que, materialmente, constituem verdadeiras leis. Ora, tal não sucede entre nós, onde o art. 198º da CRP (art. 197º/1-b), c)/2 CRP), atribui uma extensíssima competência legislativa ao Governo. Quando muito, tal sistema justificar-se-ia quanto a uma categoria de Tratados então enunciados no art. 161º-i CRP: os Tratados que versavam matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República.

O sistema jurídico português consagrava uma Cláusula de Recepção Plena. Quer dizer, o título que legitimava a relevância do Direito Internacional Convencional no espaço interno português era a cláusula do n.º 2 do art. 8º da Constituição, e não o acto de aprovação da Convenção, revestisse ele a forma que revestisse.

Definido, como uma cláusula de recepção plena, o art. 8º/2 CRP, atribui relevância na ordem interna portuguesa, após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português, às normas constantes de Convenções Internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas.

Quer dizer: as normas constantes de Convenções Internacionais válidas e em vigor internacionalmente e que obedeçam ao requisito constitucional da publicação oficial constituem fonte imediata de Direito Interno português: se se trata de Convenções self-executing, são directamente aplicáveis pelo juiz português; se o juiz depara com normas non self-executing, só as aplicará após a competente “regulamentação”.

Mas, note-se bem, a norma de Direito Internacional convencional nunca entrará em vigor na ordem interna antes de entrar em vigor na ordem internacional.

O período da vacatio legis deverá ser contado, não a partir da data da publicação do acto de aprovação ou ratificação da Convenção Internacional. Mas a partir da data da sua entrada em vigor na ordem internacional.

Para surgir a responsabilidade internacional do Estado, têm de existir normas internacionais susceptíveis de violação, quer por acção, quer por omissão. Ora, se o direito ainda não entrou em vigor, não é internacionalmente obrigatório. 

Segundo o Direito Constitucional português, a publicação oficial do instrumento de aprovação ou ratificação não obsta a que a Convenção Internacional só revele na ordem jurídica portuguesa após ter entrado em vigor na ordem internacional.

 

21. A cláusula de incorporação automática do art. 8º/3 CRP

“As normas emanadas dos órgãos competentes das Organizações Internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre expressamente estabelecido nos respectivos Tratados constitutivos”. 

Assim se obstou à prática de futuras inconstitucionalidades, já que, autorizando determinado resultado – a aplicabilidade directa de determinadas normas na ordem jurídica portuguesa – implicitamente se tem como adquirido que a Constituição autoriza a delegação de competências a tal necessária.

Como será fácil verificar, esta norma constitucional reproduz uma cláusula de incorporação automática.

A esta possibilidade de relevância não mediatizada pelo Estado dá-se, portanto, o nome de aplicabilidade directa.

De acordo com a Constituição, de momento, só os regulamentos comunitários estarão aptos a ser directamente aplicáveis em Portugal. Com efeito, estipulando aquela que só vigoram directamente na ordem jurídica interna as normas emanadas de organizações de que Portugal faça parte e cujo Tratado constitutivo tal expressamente estabeleça, decorre do texto do art. 189º do Tratado de Roma, de 25 de Março de 1957, que instituiu a CEE, que só os regulamentos é expressamente reconhecido aplicabilidade directa. 

O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seu elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros.

A directiva vincula o Estado membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e quanto aos meios. 

A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que ela designar.

O art. 189º do Tratado de Roma atribui expressamente aplicabilidade directa aos regulamentos comunitários, parece que, em rigor, a Constituição não deve obstar a que o interesse comunitário essencial seja posto em causa só por causa da mera questão de forma que o acto comunitário reveste. 

Os regulamentos entram em vigor na ordem jurídica comunitária na data neles fixada ou, nada dizendo sobre o assunto, no vigésimo dia posterior ao da publicação, e se as directivas e as decisões entraram em vigor a partir do momento em que são notificados os interessados, tal significa que nenhum destes actos pode ser publicado no jornal oficial de qualquer Estado membro da comunidade.
 

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