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C - Relações Entre o Direito Internacional e o Direito Interno: O Problema Na Constituição De 1976

 

9. Enunciado da questão

Ora, do conceito de soberania não se pode extrair um tipo de soberania absoluta. Esta só é absoluta na medida em que afirma que todos os Estados são iguais “enquanto sujeitos de direito e legisladores em Direito Internacional”.

A soberania levanta ainda um problema importante: uma vez estabelecidas as regras jurídicas na comunidade internacional, impõe-se automaticamente aos órgãos estaduais ou devem, pelo contrário, sofrer qualquer transformação antes de se revelarem na ordem jurídica interna?

10. Terá relevo prático o momento “especulativo”?

Perante a concepção do Direito Internacional como um direito coordenador e a do Direito Interno como uma expressão da soberania interna do Estado, qualquer solução aparece, de princípio, como defensável. E a verdade é que percorremos a literatura internacionalista, vemos as várias teses serem defendidas sucessivamente com o mesmo ardor pelos diversos doutrinadores, sendo sobremaneira importante deixarmos aqui expressa a ideia de que os mais recentes pensadores de Direito Interno e o Direito Internacional se sentem incapazes de optar, duma forma absoluta, por uma ou outra, acabando por se declarar Monistas ou Dualistas moderados.

O abandono do conceito de soberania absoluta, foi posta de lado a ideia da irresponsabilidade do Estado, com a consequência de relevo que é a de obrigar o legislador ordinário a harmonizar a legislação interna com as normas de Direito Internacional, de tal modo que, sempre que o Direito Estadual se lhes opõe, a constituição em responsabilidade internacional terá como resultado a anulação das normas emanadas do legislador interno.

O problema da relação Direito Interno – Direito Internacional é tido como puramente especulativo e teórico, não se afigurando, portanto, legítimo inferir conclusões práticas duma pura tentativa de explicação mental da realidade. A posição relativa de todas as normas de Direito Internacional e de Direito Interno só pode ser determinada pelo poder constituinte.

11. Tese Dualista

O Direito Internacional só vale na esfera estadual depois de recebido ou transformado em Direito Interno, não havendo possibilidade de conflitos entre sistemas, dado que o Direito Internacional e o Direito Interno não regem o mesmo tipo de relações

Esta doutrina tem sido atacada de várias formas.

Por um lado, apresenta uma fundamentação insuficiente e errada para o Direito Internacional Público, esquecendo que a doutrina da Vereinbarung, como Voluntarista que é, acaba por negar a natureza real daquele direito, não conseguindo explicar, mesmo que tal não acontecesse, a validade do Costume Internacional. Depois, além de ignorar a personalidade jurídica internacional das Organizações Internacionais, apresenta apenas o indivíduo “fundamentalmente mediatizado”.

Todo o Direito Internacional necessita de recepção ou de transformação para revelar na ordem interna, dado que o juiz só aplicaria directamente o Direito Interno, embora se pudesse servir do Direito Internacional para obter a disciplina jurídica de uma questão prévia ou de uma questão incidental, desde que as premissas, de facto ou de direito, de uma norma jurídica interna não se estabelecessem senão através do recurso às normas de Direito Internacional.

A Doutrina Dualista é categórica em afirmar a inexistência de conflitos entre os dois sistemas, pois que o objecto das normas de um e de outro seriam coincidentes.

 

12. Tese do Monismo do Direito Interno

Tendo as suas raízes especialmente na concepção Hegliana do Estado, surge outra tese das relações Direito Internacional – Direito Interno, que dá nome ao Monismo de Direito Interno, ou de Monismo com um primado na ordem jurídica interna.

Ela sustenta não a existência de duas ordens jurídicas diferentes mas apenas de uma, que é justamente a ordem jurídica estadual. De forma que o chamado Direito Internacional Público não passaria de um “direito estadual externo”, quer dizer, uma obrigação surgida na livre vinculação do Estado (tese moderada), ou reduzir-se-ia até a uma declaração de intenções sobre o comportamento futuro, não resultando qualquer tipo de responsabilidade para o Estado que, fosse qual fosse o motivo, acabasse por fazer letra morta do prometido (tese radical).

A ideia geral é, pois, a de que “o Direito Internacional obriga, porque provém da própria vontade do Estado, vincula porque é, todo ele, Direito Interno”.

 

13. Tese do Monismo de Direito Internacional

A ordem jurídica é homogénea e não são as normas internas que se situam num plano superior, mas são antes as normas internacionais, que, estendendo a sua eficácia directamente ao interior dos Estados, não podem ser contrariadas pelas primeiras, sob pena de nulidade das mesmas. Desenvolvendo este ponto de vista, os Monistas de Direito Internacional chegam a conclusões como esta: o poder dos órgãos estaduais é-lhes delegado pela comunidade internacional, sendo o Estado um ente não soberano, dado a soberania residir, em última análise, naquela comunidade, que seria a “detentora da competência das comunidades”.

 

14. Teses Conciliatórias

A ordem jurídica interna é independente da ordem jurídica internacional, estando, todavia, ambas coordenadas pelo Direito Natural – trata-se portanto, de uma coordenação hierárquica, sob uma ordem jurídica comum.

 

15. Posição adoptada

A “comunidade internacional é mais do que uma sociedade de justaposição, mas bem menos do que uma sociedade de integração” o direito segundo o qual os Estados se regem terá necessariamente de reflectir as características de indefinição dessa dita sociedade, o mesmo será dizer, dessa sociedade em evolução. 

São em regra os Estados que descentralizadamente, através de manifestações de vontade ou através de certos tipos de comportamento, criam a ordem jurídica internacional. Isto, claro, para além daquelas normas que a própria natureza da sociedade internacional lhes impõe.

Há matérias que são autêntica reserva de Direito Internacional, enquanto outras só o não o são se a própria ordem jurídica internacional delegar a competência nas ordens jurídicas internas e, finalmente, a maior parte das matérias são de competência concorrente entre o legislador interno e o legislador internacional. 

Estão no primeiro caso as norma sobre vícios do consentimento, os princípios sobre a aquisição e perda de Território estadual, os princípios sobre a interpretação dos Tratados, as normas sobre as condições necessárias para a criação do Costume e para a conclusão de Tratados, o princípio pacta sunt servanda.

Nenhuma ordem jurídica interna está apta a modificar unilateralmente estes princípios constitucionais do Direito Internacional; se o fizer, ao acto ou norma em questão não poderá ser reconhecido qualquer efeito jurídico. O art. 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estipula que “nenhuma parte contratante poderá invocar as disposições do seu Direito Interno para justificar a não execução de um Tratado”.

Portanto, logo que um Estado se compromete de maneira contrária a estes princípios mínimos de convivência internacional, incorrerá nos termos gerais do Direito das Gentes, em responsabilidade internacional.

A profusão nas modernas Constituições de cláusulas de inserção do Direito Internacional nas respectivas ordens jurídicas internas e de fixação da hierarquia das normas jurídicas prova-nos que não existe nenhuma regra ou princípio de Direito Internacional que impeça o legislador constituinte de atribuir na ordem jurídica interna o valor que entender aos compromissos internacionais que os órgãos estaduais assumirem, por meio de Convenções. 

Ao assumir um compromisso internacional, o sujeito de Direito Internacional obriga-se a actuar, na ordem jurídica interna, de acordo com tal compromisso. Se, por imperativos constitucionais, não pode cumprir as suas obrigações internacionais, está a violar o já enunciado princípio pacta sunt servanda. Ou seja, um Estado deve cumprir pronta e integralmente as suas obrigações. Se as não cumprir, não as deve assumir, sob pena de ser internacionalmente responsável pela desconformidade dos seus actos ou omissões com o Direito das Gentes.

 

16. Técnicas de incorporação

A denominação da Cláusula de Incorporação varia conforme as exigências técnico-constitucionais para a relevância do Direito Internacional na ordem jurídica interna. 

Estamos perante uma cláusula de recepção plena, quando o Direito Internacional adquire relevância, no espaço jurídico interno, independentemente do seu conteúdo, por meio de uma norma que habitualmente não exige uma outra formalidade que não seja a publicação.

Encontramos uma cláusula de recepção semi-plena, quando a Constituição, consagrando um sistema misto, permite que as normas com dado conteúdo revelem no espaço jurídico interno sem outra formalidade que não seja a publicação, exigindo para a relevância das restantes técnicas: a transformação.

Há transformação, se a Constituição exige que o legislador ordinário reproduza, um acto da sua competência, a norma surgida no espaço internacional. A transformação pode ser explícita ou implícita, conforme se exija um acto normativo expresso pelo legislador ordinário ou se assente em que o processo de formação da norma internacional se incluem actos de carácter internacional se incluem actos de carácter legislativo ou parcialmente legislativo de órgãos competentes para tornarem relevante na ordem jurídica interna a norma internacional.

Por vezes, as normas de Direito Internacional são directamente aplicáveis na ordem jurídica interna dos Estados, ou seja, impõem-se sem que os órgãos estaduais tenham sequer que proceder à sua publicação. Neste caso, parece ser correcto falar-se de cláusula de incorporação automática. 

 

17. Razões da escolha das várias técnicas de incorporação

Quanto ao Direito Internacional Geral, não é necessário qualquer acto de recepção ou de transformação para que o juiz interno o aplique.

Quantos aos Tratados, é usual dizer-se que o “juiz só conhece o Direito Interno”. Quer-se, com isto, significar que é sempre necessário um acto de recepção ou de transformação para que as normas convencionais se imponham aos tribunais.

18. Hierarquia fixada pelas constituições

A posição relativa das várias Fontes de Direito é, fixada, sempre que o Direito Internacional o permite, pela Constituição de cada Estado, a qual deve, portanto, ser objecto de uma interpretação cuidada, dado o relevo prático que este aspecto assume.

Podem encontrar-se vários sistemas:

  • Sistemas que consagram a igualdade entre Lei Ordinária e o Direito Internacional;

  • Sistemas em que o Direito Internacional prevalece sobre a Lei Ordinária;

  • Sistemas que consagram a superioridade do Direito Internacional à própria Constituição.
     

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