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C8 - Gestão de Negócios


83. Noção
À intervenção, não autorizada, das pessoas na direcção de negócio alheio, feita no interesse e por conta do respectivo dono, dá-se o nome de gestão de negócios (art. 464º[26] CC).
A gestão de negócios é uma situação em que um sujeito assume a condução, a gestão, de um assunto de outrem, no interesse desse a outrem e sem autorização dele.
Para além disso, é preciso que a condução desse assunto alheio seja feita também por conta do titular do interesse que está a ser gerido pelo sujeito que assume a condução dele.


84. Requisitos
Para que haja gestão de negócios são necessários os seguintes requisitos[27]:
a) Direcção de negócio alheio
A actuação do gestor tanto pode concretizar-se na realização de negócios jurídicos em sentido estrito, como na prática de actos jurídicos não negociais ou até de simples factos materiais. Os actos jurídicos serão em regra, actos de mera administração, mas nada obsta, em princípio, a que se estenda a actos de verdadeira disposição.
b) Que o gestor actue no interesse e por conta do negócio alheio
Que a sua intervenção decorra intencionalmente em proveito alheio e não em exclusivo proveito próprio.
Se o gestor agir no seu exclusivo interesse, falta um requisito essencial ao espírito do instituto, que é o de estimular a intervenção útil nos negócios alheios carenciados de direcção.
Não basta que a actividade do agente se destine a satisfazer um interesse alheio, preenchendo uma necessidade de outra pessoa; é preciso ainda que ele aja por conta de outrem, ou seja, na intenção de transferir para a esfera jurídica de outrem os proveitos e encargos da sua intervenção, imputando-lhe os meios de que se serviu ou, pelo menos, os resultados obtidos.
c) Falta de autorização
A inexistência de qualquer relação jurídica entre o dono e o agente, que confira a este o direito ou lhe imponha o dever legal de se intrometer nos negócios daquele. Supõe, portanto, a falta de mandato, bem como a falta de poderes voluntários ou legais de representação ou administração
Os elementos os pressupostos da gestão de negócios são:
1) Assunção ou condução dum negócio alheio por alguém, ou seja, alienidade do negócio, carácter alheio do negócio que é gerido, dirigido ou conduzido pelo sujeito;
2) Condução do negócio no interesse do dono do negócio;
3) Direcção do negócio por conta do dono do negócio:
- Dirigir um negócio no interesse de outrem, corresponde a conduzir a gestão daquele assunto correspondentemente ao interesse do titular do assunto;
- Fazê-lo por conta de outrem, significa fazê-lo com a intenção de afectar os efeitos da gestão, totalmente, ao dono do negócio, isto é, de transmitir para o dono do negócio todos os efeitos negativos e positivos da gestão levada a cabo;
4) Ausência de autorização.


85. Deveres do gestor
São as obrigações do gestor em face do dono do negócio (art. 465º CC):
a) Continuação da gestão
Uma vez iniciada, ao agente já não é inteiramente livre de interrompê-la, quer pelas compreensíveis expectativas que a sua actuação é capaz de ter criado, quer pelo obstáculo que ela pode ter constituído para a intervenção de outras pessoas, dispostas a levar a gestão a bom termo. A lei não impõe ao gestor, de modo directo, o dever de prosseguir a gestão iniciada, mas responsabiliza-o pelos danos que resultarem da injustificada interrupção dela (art. 466º/1 CC).
b) Dever de fidelidade ao interesse e à vontade (real ou presumível) do dono do negócio
O gestor responde ainda, pelos danos que causar, por culpa sua, no exercício da gestão, e a sua actuação considera-se culposa, sempre que agir em desconformidade com o interesses ou a sua vontade, real ou presumível, do dono do negócio (art. 466º CC). É a consagração prática, indirecta do principal dever que põe a cargo do gestor (art. 465º-a CC).
O dever de obediência simultânea ao interesse e à vontade do dono tanto vale para os termos em que a gestão deve ser iniciada ou tem cabimento legal, como para a forma por que deve ser exercida.
A actuação do gestor será regular (isenta de culpa), se ele pratica um acto contrário à vontade (real ou presumível) do dono do negócio, mas conforme ao interesse deste, desde que a conduta (omissão), desejada pelo dominus seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes.
A conduta do gestor será igualmente regular, se ele omitir o acto ilícito que o dono praticaria e optar pelo acto lícito que mais favorece os seus interesses.
O gestor deve abster-se de todos os actos que saiba ou presuma serem contrário à vontade real ou presumível do dono, por mais favorável que fundadamente os julgue às conveniências do interessado. Como deve igualmente renunciar aos actos que o dono não deixaria de praticar, se tiver razões para considerar lesivos dos interesses em causa.
c) Entrega dos valores detidos e prestação de contas (art. 465º-e CC)
As contas devem ser prestadas, logo que a gestão finda ou é interrompida, ou quando o dono as exigir, podendo a prestação ser feita coactiva ou espontaneamente.
d) Aviso e informação do dono do negócio
Ao gestor impõe-se o dever de avisar o dono do negócio logo que tenha possibilidade de fazê-lo, de que assumiu a gestão, para que ele possa prover como melhor entender; e ainda a obrigação de lhe prestar todas as informações relativas à gestão, para que o interessado possa acompanhar a evolução desta e tomar oportunamente as providências que o caso requeira.


86. Deveres do dono do negócio
Desde que a gestão seja regular, isto é, não tenha havido infracção das obrigações impedientes sobre o gestor designadamente da obrigação de actuação conforme ao interesse e à vontade do dominus. Neste caso de regularidade da gestão, o dono do negócio é obrigado (art. 468º/1 CC) a reembolsar o gestor de todas as despesas que ele, fundadamente, tenha considerado indispensáveis, com os juros legais, contratados do momento em que as despesas foram feitas e até ao momento em que o reembolso se verifica.
a) Obrigação de reembolso de despesas: são todas e apenas aquelas despesas que ele tenha considerado indispensáveis com fundamento, desde que a situação objectivamente justificasse o juízo de indisponibilidade. A essas despesas acresce a obrigação de pagamento dos juros legais, correspondentes ao montante de tais despesas.
b) A obrigação de indemnização: a obrigação de reembolso só existe quando houve despesas feitas pelo gestor só existe, se ele tiver sofrido prejuízos com a gestão: prejuízos que podem ser de natureza patrimonial ou de natureza não patrimonial.
c) Obrigação de remuneração do gestor: esta depende de a actividade desenvolvida pelo gestor corresponder à sua actividade profissional.
Uma vez que o dono do negócio tenha conhecimento da actividade gestória ele pode, em relação a essa actividade, tomar uma de três atitudes:
1º Pode aprovar a gestão;
2º Pode nada dizer;
3º Pode desaprovar a gestão.


87. Aprovação
É uma declaração negocial dirigida pelo dominus ao gestor, declaração que não tem de ser expressa, pode ser tácita, cujo conteúdo é um juízo de concordância global com a actividade genérica.
Tem como efeitos jurídicos (art. 469º CC):
- A renúncia por parte do dominus a qualquer direito indemnizatório que ele tivesse, ou pudesse ter, contra o gestor, por incumprimento culposo e danoso das obrigações do gestor;
- Reconhecimento, por parte do dominus, ao gestor dos direitos de reembolso de despesas, juros legais e direito de indemnização pelos danos causados (art. 468º/1, 1ª parte CC).
Se a gestão não for regular, se houver incumprimento de alguma obrigação por parte do gestor, designadamente a obrigação de se pautar pelo interesse e pela vontade do dominus, então o gestor apenas tem direito a ser restituído daquilo com que tenha empobrecido, por parte do dominus, nos termos do enriquecimento sem causa (art. 468º/2 CC).
Diversamente da aprovação, pode o dominus ratificar os actos jurídicos praticados pelo gestor no exercício da gestão, se ele, gestor os praticou representativamente.
Se o gestor agiu em seu próprio nome, isto é, não comunicou ao terceiro com quem celebrou os negócios, que estes não eram dele, não eram para ele e tudo se passou como se ele fosse titular do interesse que o negócio visava satisfazer, então tem-se uma gestão não representativa, ele actuou em nome próprio.
Mas o gestor pode ter comunicado ao terceiro que estava a actuar em nome e por conta de outrem e aí tem-se uma gestão representativa.
A representação, é a situação em que alguém actua, realizando actos ou negócios jurídicos, em nome de outrem. O representante pode ter ou não ter poderes.
A ratificação, é um negócio jurídico unilateral, pelo qual o representado por outrem que não tinha poderes de representação, lhos atribui a posteriori com eficácia retroactiva.
Se a gestão se consubstanciou em actos jurídicos e foi exercida em seu próprio nome, então o regime aplicável às relações com terceiros é o regime de mandato[28] sem representação (art. 471º CC).


88. Responsabilidade do gestor (art. 466º CC)
A obrigação infringida que, por ter causado danos, obriga a indemnizar, é a de não interromper uma gestão que já foi iniciada, sem fundamento que o justifique, ou seja:
- O gestor pode interromper a gestão se houver um motivo de força maior, que o impeça de continuar a gestão;
- Pode naturalmente, interromper a gestão logo que o dominus surja e esteja em condições de assumir ele próprio a condução do assunto;
Fora estas situações ele não pode interromper a gestão, e se o fizer, pelo incumprimento da obrigação, responderá civilmente face ao dono do negócio pelos danos que lhe causar.
A responsabilidade dos danos existe (art. 466º/1 CC), não só quando, culposamente, se causar um prejuízo na execução da gestão mas quando iniciada esta, se causar, também por culpa do gestor, prejuízo em consequência da sua interpretação.


[26] Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.
[27] Requisitos:
a) Que alguém (gestor) assuma a direcção do negócio alheio;
b) Que o gestor actue no interesse e por conta do dono do negócio alheio;
c) Que não haja autorização deste.
[28] O mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 1157º CC).

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