C1 - CLASSIFICAÇÃO DE CONTRATOS
31. Contratos típicos (ou nominados) e contratos atípicos (ou inominados)
Dizem-se contratos típicos ou nominados, os que, além de possuírem um nome próprio, que os distingue dos demais, constituem objecto de uma regulamentação legal específica.
Os contratos típicos ou nominados, que a lei chama a si para os disciplinar juridicamente, correspondem às espécies negociais mais importantes no comércio jurídico. E a disciplina específica traçada na lei para cada um deles obedece, pelo menos, a um duplo objectivo do legislador.
Por um lado, exactamente porque se trata dos acordos negociais mais vulgarizados na prática, a lei pretende auxiliar as partes e os Tribunais, fixando a disciplina jurídica aplicável aos pontos em que, não obstante a importância que revestem, as convenções redigidas pelas partes são frequentemente omissas.
Por outro lado, a lei aproveita o esquema negocial típico do contrato nominado para, a propósito do conflito de interesses particulares subjacente a cada um deles, fixar as normas imperativas ditadas pelos princípios básicos do sistema.
Distintos dos contratos típicos ou nominados são aqueles (chamados contratos atípicos ou inominados) que as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405º/1 CC), criam fora dos modelos traçados e regulados na lei.
32. Contratos mistos
Diz-se misto, o contrato no qual se reúnam elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei, as partes, porque os seus interesses o impõem a cada passo, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferentes da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.
33. Contratos gratuitos e contratos onerosos
Diz-se contrato oneroso, o que a atribuição patrimonial efectuada por cada um dos contraentes tem por correspectivo, compensação ou equivalente a atribuição da mesma natureza proveniente do outro, para alcançar ou manter a atribuição patrimonial da contraparte, cada contraente tem (o ónus hoc sensu) de realizar uma contraprestação.
Para que o contrato seja oneroso é preciso que cada uma das partes tenha simultaneamente uma vantagem de natureza patrimonial e um sacrifício do mesmo tipo.
É gratuito o contrato em que, segundo a comum interacção dos contraentes, um deles proporcionou uma vantagem patrimonial ou outro, sem qualquer correspectivo ou contraprestação.
Para que o contrato seja gratuito, é preciso que uma das partes tenha um benefício patrimonial e a outra sofra apenas um sacrifício patrimonial.
34. Contratos bilaterais e unilaterais
Dizem-se contratos unilaterais, os contratos dos quais resultam obrigações só para uma das partes. O contrato é sempre um negócio jurídico bilateral, visto nascer do enlace de duas declarações de vontade contrapostas e ter assim sempre duas partes. Mas há negócios bilaterais que só criam obrigações para uma das partes (ex. doações – art. 940º CC – comodato – art. 1129º CC – no mútuo e no mandato gratuito – art. 1157º CC, etc.; estes são contratos unilaterais.
Dos contratos bilaterais (ou sinalagmáticos), como a compra e venda, a empreitada, não só nascem obrigações se encontram unidas uma à outra por um vínculo de reciprocidade ou interdependência. O vínculo que, segundo a intenção dos contraentes, acompanha as obrigações típicas do contrato desde o nascimento deste[7], continua a reflectir-se no regime da relação contratual, durante todo o período de execução do negócio e em todas as vicissitudes registadas ao longo da existência das obrigações[8].
Os contratos bilaterais ou sinalagmáticos, são contratos de que emergem duas obrigações, cada uma a cargo de uma das partes, ligadas pelo tal sinalagma genético ou funcional.
O sinalagma, liga entre si as prestações essenciais de cada contrato bilateral, mas não todos os deveres de prestação dele nascidos.
35. Excepção do não cumprimento (art. 428º CC)
Um dos traços fundamentais do regime dos contratos bilaterais, que constitui um simples corolário do pensamento básico do sinalagma funcional, consiste na excepção do não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contratus). Desde que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, qualquer dos contraentes pode recusar a sua prestação (invocando a excepção do não cumprimento do contrato), enquanto o outro não efectuar a que lhe compete ou não o oferecer o seu cumprimento simultâneo (art. 428º CC). As obrigações compreendidas no sinalagma devem, em princípio, ser cumpridas simultaneamente.
A excepção do não cumprimento, consiste na faculdade de recusar o cumprimento da obrigação própria, enquanto a outra não cumpra ou não ofereça o cumprimento, quando as obrigações são sinalagmáticas ou não têm prazos diferentes de cumprimento.
Havendo prazos diferentes de um cumprimento, ainda assim a “exceptio” pode ser invocada. E designadamente pode ser invocada, obviamente, por maioria de razão, pelo contraente que está obrigado a cumprir em segundo lugar quando aquele que estava obrigado a cumprir em primeiro lugar o não tenha feito.
Quando um dos contraentes ofereça um cumprimento parcial ou imperfeito (defeituoso), o outro pode invocar a excepção do não cumprimento. O credor pode juridicamente, com fundamento, recusar um cumprimento que não é perfeito ou que não é integral.
- Se o recusar, pode invocara excepção do não cumprimento, para não cumprir a sua própria obrigação;
- Se, tendo aceitado o cumprimento parcial ou defeituoso, o tiver feito sob reserva de reparação dos defeitos, ou reserva de prestação da parte faltosa do cumprimento; se não houver cumprimento da parte que falta a prestação, pode então, tendo essa reserva no momento da aceitação do cumprimento, invocar a excepção do não cumprimento.
A exceptio se oponível, por força do art. 431º CC[9], tanto ao outro contraente, como a terceiro que venham ocupar o lugar dele no contrato.
Para que a exceptio se aplique, não basta que o contrato seja obrigatório, ou crie obrigações para ambas as partes: é necessário que as obrigações sejam correspectivas ou correlativas, que uma seja o sinalagma da outra.
Dentro dos próprios contratos bilaterais, interessa ver quais são as prestações interdependentes, visto que outras podem existir ao lado delas na relação contratual e a exceptio só aproveita às primeiras.
A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza, ou a não oferece porque não pode. E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral de boa fé (arts. 227º, 762º/2 CC).
36. Condição resolutiva tácita
Se a impossibilidade da prestação proceder de facto imputável ao devedor, tem o credor a faculdade de resolver o contrato e de exigir a restituição da sua prestação por inteiro, se porventura a tiver já realizado (art. 810º/2 CC).
É a principal sanção apontada contra o inadimplemento da obrigação nos contratos bilaterais, medida que assenta sobre a chamada condição resolutiva tácita. A designação de condição resolutiva tácita, repousa sobre a ideia de que, atento o nexo de interdependência psicológica existente entre as prestações integradoras do contrato bilateral, cada uma das partes se reserva a faculdade de resolver o contrato (fazendo cessar a sua eficácia) se a outra não quiser ou não puder cumprir.
37. Contrato a favor de terceiro
É o contrato em que um dos contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário) estranho à relação contratual.
A vantagem traduz-se em regra numa prestação assente sobre o respectivo direito de crédito; mas pode consistir outro sim na liberação de um débito, na constituição, modificação ou extinção de um direito real.
Essencial ao contrato a favor de terceiro, como figura típica autónoma, é que os contraentes procedam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário.
38. Contrato para pessoa a nomear (art. 452º CC)
É o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última.
Não há no contrato para pessoa a nomear nenhum desvio ao princípio da eficácia relativa (inter partes) dos contratos. O contrato para pessoa a nomear produz todos os seus efeitos apenas entre os contraentes. Só que, enquanto não há designação do animus electu, os contraentes são os outorgantes do contrato. Depois da designação, o contraente passa a ser, de acordo com o conteúdo do contrato, já não o outorgante, mas a pessoa designada (art. 455º/1 CC).
Este contrato tem o seu campo principal de incidência na compra e venda. E tanto pode ser posteriormente nomeado o comprador, como o vendedor.
Ou a pessoa a nomear aceita o negócio e considera-se contraente o que o foi originariamente, salvo, neste último caso, se houver estipulação em contrário. Admite-se assim, dentro dos princípios da autonomia privada, que se deixe o negócio sob condição, ou seja, ineficaz se a pessoa a nomear não o ratificar.
[7]Sinalagma genético, para significar que, na génese ou raiz do contrato, a obrigação assumida por cada um dos contraentes constitui a razão de ser da obrigação contraída pelo outro
[8]Sinalagma funcional, aponta essencialmente para a ideia que as obrigações têm de ser exercidas em paralelo e ainda para o pensamento de que todo o acidente ocorrido na vida de uma delas repercute necessariamente no ciclo vital da outra.
[9] A excepção de não cumprimento é oponível aos que no contrato vierem a substituir qualquer dos contraentes nos seus direitos e obrigações.