C6 - OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
88. O bem jurídico
É intenção do legislador proteger aqui a integridade física da pessoa viva contra ataques negligentes, pelo que o bem jurídico protegido é idêntico ao que subjaz aos tipos dolosos de ofensas à integridade física.
89. O tipo objectivo de ilícito
Está-se perante um tipo legal de resultado, que se analisa em concreto na prática de ofensas à integridade física simples ou graves.
Acerca das condutas que integram cada um destes tipos legais de crime (arts. 143º e 144º CP). O tipo legal tanto pode ser preenchido por acção como por omissão, desde que, neste último caso, se possa afirmar em relação ao agente a existência de um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (art. 10º/2 CP).
A lesão da integridade física terá que ser objectivamente imputada à conduta (ou omissão) do agente. O que supõe, pelo menos no caso de comportamento negligentes, a violação de um dever objectivo de cuidado.
É preciso ainda ter em conta aquelas situações em que, não tendo o agente respeitado o deve objectivo de cuidado que sobre ele impendia, vem a causar um resultado que provavelmente se produziria de igual modo se se tivessem observado todas as cautelas impostas pela ordem jurídica.
Não parece todavia ser de excluir a imputação do resultado ao agente em todo e qualquer caso em que provavelmente ele viria a verificar por outra via, como defende a teoria da evitabilidade (há cuidados que têm que ser observados mesmo com probabilidade não evitem o resultado), mas apenas naqueles casos em que a violação do dever de cuidado não traduza uma potenciação do risco relativamente ao comportamento esperado e exigido pela ordem jurídica (teoria da potenciação do risco).
Se desta forma (apurando o âmbito de protecção da norma, risco permitido, comportamentos alternativos conforme ao direito, princípio da confiança) se afastam todas aquelas situações em que o resultado não se deixa associar, sob um ponto de vista normativo, à violação do dever de cuidado, nem por isso deixa de ser necessário recorrer a um princípio de adequação para proceder à imputação do resultado produzido à conduta do agente. Fala-se assim de previsibilidade objectiva, sendo de imputar ao agente a lesão do bem jurídico sempre que esta surgir como uma consequência previsível e normal da violação do dever de cuidado.
90. O tipo subjectivo de ilícito
Para que se possa punir o agente por ofensa à integridade física negligente é necessário que este se encontre em condições de reconhecer as exigências de cuidado que lhe dirige a ordem jurídica e de as cumprir. Trata-se de uma medida individual, subjectiva, aferida de acordo com as suas possibilidade e capacidades concretas e que, em certos casos, poderá revelar-se susceptível de afastar a responsabilidade penal.
É necessário ainda que ao agente fosse possível actuar de outro modo.[17].
91. As formas especiais do crime
a) Tentativa
De acordo com o art. 22º CP, há tentativa quando “o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer”. Ao incorporar por esta via na tentativa um elemento subjectivo, afastou-se a consideração deste instituto em relação aos crimes negligentes. Rejeitou-se a construção da tentativa como mero “perigo para os bens jurídicos tutelados”, concebido de forma geral e objectiva, e independentemente do seu reconhecimento por parte daquele que actua[18], para assim se optar por uma construção dualista da tentativa, ligada a um particular tipo de culpa que exclui a negligência.
b) Comparticipação
Se bem que o domínio do facto ainda esteja remotamente presente na negligência consciente, não é por apelo a esta teoria que se deixa caracterizar a autoria nos crimes negligentes, mas sim através da violação do dever jurídico de cuidado, que recai sobre o agente.
c) Concurso
Intercede entre este tipo legal e a disposição sobre o roubo um concurso legal ou aparente, sob a forma de uma relação de consumação, sendo de punir o agente através do art. 210º CP. Entre o art. 148º CP e o art. 200º CP, bem como o art. 259º CP, pode-se afirmar um concurso efectivo de crimes, sendo por conseguinte, de aplicar as regras gerais sobre o concurso.
[17] Exigibilidade de um comportamento conforme à ordem jurídico-penal.
[18] Tentativa enquanto tipo de ilícito.