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B3 - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PUNÍVEL

 

58. A indicação médica (ou terapêutica) em sentido estrito

A interrupção da gravidez encontra-se justificada nos termos do art. 142º/1-a CP. A interrupção tem de constituir não um meio simplesmente possível ou (e) adequado, não o meio porventura mais pesado, física ou (e) psicologicamente, para a grávida, mas o único meio de tutela dos valores ou interesses tipicamente protegidos, em suma, um meio sem alternativa. É preciso que o perigo não seja removível de outro modo.

Necessário se torna, em segundo lugar, que a interrupção se revele indispensável não simplesmente para evitar, mas para remover o perigo. É preciso por isso que o perigo seja actual e não meramente potencial, que ele se encontre já “instalado” no momento em que a intervenção tem lugar.

O perigo existente tem, por outro lado, de dizer respeito à vida ou ao corpo ou à saúde física ou psíquica da mulher grávida.

Indispensável é ainda que o perigo se refira a uma lesão grave e irreversível do corpo ou da saúde, devendo ter-se em atenção que estes requisitos são cumulativos e não alternativos.

Verificada a existência de uma indicação médica em sentido estrito, a interrupção pode ser levada a cabo em qualquer momento temporal de evolução da gravidez.

 

59. A indicação médica (ou terapêutica) em sentido lato

A interrupção de uma gravidez pode ser justificada, em segundo lugar nos termos do art. 142º/1-b CP. Há aqui um alargamento dos limites da indicação médica ou terapêutica.

Para além de se requerer que seja grave, não se exige aqui o carácter irreversível da lesão do corpo ou da saúde mas sim que ela seja duradoura.

 

60. A indicação embriopática ou de fetopática

Encontra-se justificada no art. 142º/1-c CP. Exige-se, que recaía um juízo de previsão fundada em motivos seguros. Esta previsão não pode deixar de ser medicamente fundada.

À verificação da indicação torna-se necessário que o juízo de previsão se dirija a uma doença grave ou malformação congénita incurável, isto é, a uma lesão do estado de saúde que ou deixa ao nascituro pequenas hipóteses de sobrevivência ou lhe causa danos irreparáveis físicos ou psíquicos.

 

61. A indicação criminal

Encontra-se justificada no art. 142º/1-d CP. Sérios indícios têm o significado de crença fundada que o médico deve inquirir acerca de a mulher ter sido vítima de crime sexual e deste ter resultado a gravidez.

 

62. Pressupostos comuns da justificação relativos à intervenção

O primeiro dos pressupostos é que ela seja “efectuada por um médico ou sob a sua direcção” (art. 142º/1, 1ª parte CP). A razão de ser desta exigência é claramente a de, no interesse da grávida, afastar a possibilidade de a interrupção ser feita por qualquer pessoa não completa e oficialmente capacitada para levar a cabo diagnósticos e intervenções médicas particularmente melindrosas.

O segundo pressuposto é o de que a interrupção tenha lugar “em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido” (art. 142º/1, 2ª parte CP). Ainda aqui se trata principalmente de proteger o interesse da grávida assegurando-lhe um serviço que dê garantias de qualidade e de responsabilização.

Um terceiro pressuposto é o de que a indicação se verifique “segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina”.

 

63. Pressupostos comuns de justificação relativos ao consentimento

A interrupção da gravidez deve ter lugar “com o consentimento da mulher grávida” (art. 142º/1, 3ª parte CP).

Especialidades relativamente ao consentimento geral existem desde logo em matéria de capacidade. Com efeito, capaz de consentir não é a mulher de 14 anos que possua o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance; capaz de consentir é só a mulher de 16 anos ou mais que seja psiquicamente capaz (art. 142º/3-b, 1ª parte CP).

Se a mulher for incapaz o consentimento é prestado “respectiva e sucessivamente, conforme os casos pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta por quaisquer parentes da linha colateral” (art. 142º/3-b, 2ª parte CP).

 

64. Justificação da interrupção sem consentimento

A lei renúncia à exigência de consentimento da grávida como condição de justificação (art. 142º/4 CP) no pressuposto da verificação cumulativa de dois pressupostos:

1) Que não seja possível obter o consentimento nos termos do art. 142º/1; e

2) Que a efectivação da interrupção se revista de urgência.

Não é possível obter o consentimento, relativamente a mulher maior de 16 anos e psiquicamente capaz (art. 142º/3-a CP) se aquela se não encontrar em estado de poder exprimir ou transmitir validamente a sua vontade.

A efectivação da interrupção é urgente quando o seu retardamento representa a criação ou potenciação de um risco para os interesses que a lei tem em vista proteger ou permitir a interrupção.

A decisão sobre a urgência pertence ao médico e deve ser encontrada tendo em atenção o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina.

 

65. Conhecimento da (e erro sobre a) justificação

Como em geral, também aqui o agente precisa de actuar no conhecimento dos pressupostos de que depende a justificação. Se os não conhece, o agente deve ser punido pelo art. 140º CP; se a título de aborto consumado, ou apenas tentado por aplicação analógica do disposto no art. 39º/4 CP é questão que deve considerar-se não assumir aqui qualquer especialidade relativamente à solução que se defenda, em geral, para as causas de justificação.

Também se deve afirmar que o disposto no art. 16º/2, 1ª parte CP (“o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto…” exclui o dolo – e aqui a punição) tem plena aplicação nestas hipóteses. Particularmente importante será verificar se é efectivamente de um tal erro que se trata, ou se diferentemente o erro versa sobre o âmbito ou os limites da justificação; neste último caso, como se sabe, o erro não constitui um erro que exclui o dolo, nos termos do art. 16º/2 CP, mas sim um erro que só pode revelar pela via da falta de consciência do ilícito, nos termos do art. 17º CP.
 

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