A8 - EXPOSIÇÃO OU ABANDONO
45. O tipo legal objectivo
O bem jurídico protegido no presente tipo legal é a vida humana. Trata-se porém, não de um tipo de dano, mas sim de um crime de perigo concreto.
O agente tem de colocar em perigo a vida de uma pessoa, através de uma das duas modalidades de conduta descritas no art. 138º CP. Este elemento típico implica evidentemente que com o acto do agente, se crie um perigo ou se potencie um perigo. Assim, não haverá crime quando o perigo já exista e não se encontre mais à disposição do agente qualquer meio de diminui-lo ou atenuá-lo.
a) Exposição
O agente tem de expor a pessoa em lugar que a sujeite a uma situação de que não se possa só por si defender. A exposição implica que a vítima deva ser transferida de um local[7] para um outro menos seguro – o que significa que se tem de verificar uma qualquer[8] deslocação espacial produzida pelo agente; dessa deslocação deve resultar um agravamento de riscos de tal ordem que a vítima fique numa situação em que seja incapaz de, por si só, defender-se[9]. Dois factores para se aferir o perigo:
* Atender ao local onde a vítima é exposta ou colocada;
* Características da própria vítima.
O agente tem uma conduta que faz nascer para a vítima uma situação de perigo.
Esta modalidade de conduta pode ser cometida por qualquer pessoa[10]. Pode também ser cometida por omissão[11].
b) Abandono
Consiste em o agente abandonar a vítima sem defesa sempre que tenha um dever de a guardar, vigiar ou assistir.
O abandono tem de ser realizado por um agente sobre o qual impenda um especial dever[12] – com o que se trata de um crime específico próprio.
Este dever tem de ser pré-existente à situação de abandono e deve estar em directa conexão com a ausência de defesa da vítima; ou seja: é necessário que o dever que sobre o agente impende tenha por finalidade garantir o auxílio para situações de risco em que incorpora a vítima.
Do abandono tem que resultar uma situação de agravamento de riscos[13] para o qual a vítima não tenha, por si, capacidade de se defender.
46. O tipo legal subjectivo
O tipo legal só se preenche com dolo, bastando o dolo eventual. Este dolo tem evidentemente de abarcar a criação de perigo para a vida da vítima, bem como a ausência de capacidade para se defender por parte da vítima.
O dolo (do agente) tem que pressupor o conhecimento do perigo, o agente tem que querer o perigo para a vítima, mas não quer a morte. O dolo de perigo é por natureza algo difícil de verificar, o legislador tem que ver que o agente admitiu o perigo mas não se conformou com a lesão.
A conduta, para além de abandono ou exposição, tem que vir a produção efectivamente um perigo para a vida da vítima. O resultado tem que se autonomizar, se não houver a consumação do perigo não é crime.
47. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É punível a tentativa deste crime. Dada a especial configuração do tipo de crime, a desistência pode ser relevante se o agente voluntariamente impedir a produção de resultado não compreendido no tipo; ou seja, tendo já colocado em perigo a vida da vítima, haverá desistência relevante se o agente diminuir o perigo criado, impedindo o efectivo dano.
b) Comparticipação
São aplicáveis as regras gerais da comparticipação, no caso de exposição. No caso de abandono, tratando-se de um crime específico, em princípio, haverá a derrogação daquelas regras.
c) Concurso
O art. 138º CP é um crime de perigo concreto, pelo que, verificando-se dolo quanto ao dano, não deverá ser aplicado.
Pode ser discutível a correcta ligação entre este crime (em especial no caso da modalidade de conduta de abandono) e o crime de omissão de auxílio (art. 200º CP). A correcta destrinça deve ser realizada em função do facto de o dever de auxílio (vigilância e guarda), no caso de abandono, ser pré-existente à criação do risco, enquanto no crime de omissão o dever de auxílio é exactamente consequência da situação de risco. Poderá, contudo, verificar-se uma situação de concurso entre omissão de auxílio e exposição ou abandono. Assim, no caso de, estando a vítima numa situação descrita no art. 200º CP, o agente, além de não prestar auxílio, deslocar a vítima para outro local, criando ou agravando o perigo para a vida da vítima.
48. As agravações
O art. 138º/2 e 3 CP prevê a agravação das molduras legais. Uma primeira agravação resulta da especial qualidade do agente: ascendente, descendente, adoptante ou adoptado.
Uma segunda agravação reside na agravação da pena por um evento mais grave (crime praeterintencional). Nestes dois casos (produção da morte ou uma ofensa à integridade física da vítima) são aplicáveis as regras gerais de agravação da pena (art. 18º CP). De qualquer modo, decisivo para a verificação do crime praeterintencional é que o resultado produzido (a morte ou uma ofensa à integridade física grave, nos termos do art. 144º CP) seja imputável à situação de perigo criado e directamente conexionada com a ausência de capacidade de defesa por parte da vítima. Verificado um destes resultados, mas em consequência de uma outra fonte de perigos, o princípio será o de afirmar um concurso entre crimes e o crime negligente produzido.
[7] Relativamente seguro.
[8] Por mínima que seja.
[9] Face aos novos riscos criados pela exposição e que colocam em perigo a sua vida.
[10] É um crime comum.
[11] Segundo as regras gerais.
[12] De guardar, assistir ou vigiar.
[13] Para a vida da vítima.