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A7 - HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA

 

38. Introdução

O Código Penal na sua parte geral (art. 15º CP) tipifica duas modalidades da mesma negligência: aquela em que o agente representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização (alínea a)); e aquela outra em que ele nem sequer representa tal possibilidade de realização (alínea b)). São respectivamente os casos de negligência consciente e de negligência inconsciente. De comum, têm a conduta, activa ou omissiva, não cuidada, a que o agente está obrigado (segundo as circunstâncias e de que é capaz).

Este homicídio tem dois efeitos constitutivos, um típico especial e outro típico/dogmático geral.

Consagra a punição por negligência do homicídio, o que sempre seria necessário, atendendo à excepcionalidade de tal incriminação, nos termos do art. 13º CP.

 

39. Os elementos constitutivos

Relativamente aos elementos constitutivos do tipo objectivo do ilícito não se depara aqui com quaisquer especialidades notáveis, face ao tipo de ilícito do homicídio doloso.

O objecto do facto é outra pessoa, assumindo neste contexto uma importância ainda maior que no homicídio doloso[5].

No que toca à conduta nada haverá que acrescentar ao que cuja foi referida no homicídio doloso. Ela pode ter lugar tanto por acção, como por omissão.[6]

 

40. Critérios de imputação objectiva e a sua concretização

O tipo de ilícito do homicídio negligente não é preenchido quando o agente, com a sua conduta, não criou, não assumiu ou não potenciou um perigo típico para a vida da vítima: ou porque o perigo não chegou ao limite do judicialmente relevante; ou porque, sendo embora a conduta em si perigosa, se manteve dentro dos limites do risco permitido, ou mesmo porque o agente se limitou a contribuir para a autocolocação em perigo dolosa de outra pessoa.

Na concretização dos critérios de imputação objectiva da morte à conduta cabe desde logo particular relevo a violação de normas de cuidado da mais diversa ordem à “falta de observância de algum regulamento”. Uma tal violação pode por isso constituir legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode em caso algum fundamentá-lo.

A esta problemática – dos domínios especializados da vida – se liga estreitamente a questão chamada da negligência na assunção ou na aceitação. Trata-se em geral, da assunção de tarefas ou da aceitação de responsabilidades para as quais o agente não está preparado, nomeadamente porque lhe faltam as condições pessoais, os conhecimentos ou mesmo o treino necessário ao desempenho cuidadoso de uma actividade perigosa.

O critério fundamental de delimitação do tipo do ilícito negligente é hoje constituído pelo chamado princípio da confiança. Segundo este princípio, que se comporta no tráfico de acordo com as normas deve poder confiar que o mesmo se sucederá com os outros; salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar de outro modo.

O princípio da confiança vale na medida em que, por regra, o agente deve poder contar com que outros não cometerão factos ilícitos-típicos dolosos. Salvo se, uma vez mais as circunstâncias concretas do caso derem fundado motivo para pensar que um tal consentimento pode muito bem ocorrer.

 

41. A questão do “critério generalizador” ou “individualizador” no homicídio negligente

A doutrina dominante vai no sentido de considerar que o tipo de ilícito negligente se preenche com a violação de um dever objectivo de cuidado, enquanto toda a questão da capacidade individualizada do agente para o observar deve ser remetida para a culpa.

Essa faceta tem a ver com o relevo – ou com a falta dele –, logo ao nível do tipo de ilícito do homicídio negligente, das capacidades individuais do agente, quando superiores ou inferiores às do homem médio.

Em matéria de tipo de ilícito negligente vale um critério generalizador relativamente aos agentes dotados de capacidades médias ou inferiores à média, um critério individualizador relativamente a todos os agentes dotados de especiais capacidades (superiores à média).

 

42. As causas da exclusão da culpa

Compreende-se que, relativamente ao homicídio negligente, funcione como causa de exclusão da culpa a incapacidade individual do agente para corresponder aos deveres ínsitos no tipo de ilícito (sobre o critério individualizador na culpa negligente, todavia restringido, sem razão bastante, à incapacidade de compreensão). Haverá em todo o caso que ressalvar as hipóteses da negligência na assunção ou a aceitação que, neste contexto, assumirão particular relevo.

 

43. A negligência grosseira (art. 37º/2 CP)

A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência. Para além disso porém é importante decidir se o carácter grosseiro da negligência constituir uma mera circunstância modificativa da moldura penal exclusivamente operante ao nível da medida legal da pena; uma forma de culpa; uma característica da atitude do agente; ou uma graduação do ilícito em função do especial dever de cuidado violado, do perigo aumentado e (ou) da probabilidade de verificação do resultado.

A razão existe, entre outros, a Roxin quando defende que o conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também ao nível do tipo de ilícito. A este último nível torna-se indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada. Mas daqui não pode deduzir-se sem mais que também o tipo de culpa resulta logo dali inevitavelmente aumentado, antes se tem de alcançar a prova autónoma de que o agente, não omitindo a conduta, relevou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuidado perante o comando jurídico-penal.

 

44. As formas especiais do crime

a) Comparticipação

Autor pode ser não apenas o autor imediato, como o autor atrás do autor, sob várias formas concretas. Assim, desde logo, o mandante ou o incitador de um comportamento que vem a terminar por um homicídio negligente. Frequentes são na verdade os casos de autoria paralela, nomeadamente sob a forma em que o resultado é produzido imediatamente por um mas só porque outro anteriormente violou um dever objectivo de cuidado ou o risco permitido.

b) Concurso

Se através de uma mesma acção são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma hipótese de concurso efectivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença porque a negligência tenha sido consciente ou inconsciente.

Concurso efectivo, sob a forma de concurso real, é possível entre o homicídio negligente e a omissão de auxílio (art. 200º CP). Concurso aparente existirá em regra – se não mesmo sempre – com crimes qualificados por evento mortal (art. 18º CP); a questão é própria porém de cada um dos concretos crimes agravados pelo evento morte.

 

[5] Portanto o homicídio por negligência é punível, mas não o aborto por negligência.

[6] Omissão impura nos termos do art. 10º CP.
 

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