A1 - HOMICÍDIO SIMPLES
1. Introdução
O crime de homicídio descrito no art. 131º CP constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida.
É a partir deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra a vida, ora qualificando-o, ora privilegiando-o, ora especializando as formas de ataque ao bem jurídico ou tipo subjectivo de ilícito e o tipo de culpa congruente.
O bem jurídico protegido pelo homicídio, não é simplesmente a vida humana, mas, mais rigorosamente, a vida de pessoa já nascida.
É a Constituição a impor a defesa da vida humana. O direito à vida funda-se na norma constitucional que consagra a sua inviolabilidade e proíbe a pena de morte (art. 24º/2 CRP). Decorre da consagração deste direito o comando ao legislador ordinário para que incrimine o homicídio e os comportamentos perigosos para a vida alheia mais relevantes.
2. O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa. Atrás desta aparente simplicidade esconde-se uma série de problemas dos mais complexos e de difícil e contestável solução com que depara a doutrina do direito penal; e não só do direito penal ou mesmo do direito, senão que de todo o pensamento filosófico e científico que tem a ver com o homem.
3. O início da vida ou início da vida extra-uterino
Duas teses se apresentam como possíveis e têm, na verdade, sido defendidas na literatura jurídico-penal. Segundo uma dessas teses a vida começaria, tal como para o direito civil é prescrito pelo art. 66º/1 CC, com a completação do processo de nascimento (o “nascimento completo e com vida”). Segundo uma outra tese a protecção dispensada pelo crime de homicídio iniciar-se-ia não com a conclusão, mas pelo contrário com o início do acto de nascimento.
A vida relevante para efeitos de homicídio ou de crimes de perigo para a vida do capítulo I é a vida extra-uterina.
O momento de início da vida verifica-se quando se iniciar contracções ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto.
A capacidade de vida autónoma do feto não é pressuposto da qualidade de pessoa para efeito de integração do tipo objectivo de ilícito. Suficiente é que a criança, no referido momento inicial do nascimento, esteja viva. Por isso o crime de homicídio é possível relativamente a crianças que, pelos mais diversos motivos não tenham nenhuma possibilidade de continuar a viver fora do ventre materno.
4. O termo da vida
O momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-penal dispensada por aquele tipo. A qualidade da pessoa para efeito do tipo de ilícito objectivo do homicídio termina com a morte. O critério adoptado é o da morte cerebral. Morte é assim, para este efeito, a destruição anatómica estrutural do cérebro na sua totalidade; nunca, portanto, uma mera lesão cerebral ou mesmo a chamada “morte neocortical”.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois, dizer-se que ele se realiza com a morte de uma pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente.
O “causar morte” significa que tem de se estabelecer o indispensável nexo de imputação objectiva do resultado à conduta.
5. O tipo subjectivo de ilícito
O tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no art. 131º CP, exige o dolo, em qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP, directo, necessário ou eventual. Trata-se por isso de um tipo relativamente ao qual se verifica aquilo que a doutrina chama de total congruência entre a sua parte objectiva e a parte subjectiva. Importa todavia sublinhar que, para se verificar dolo eventual relativamente a condutas objectivamente e mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o perigo de resultado e se conforme com ele, tornando-se antes sempre necessário que aquele preveja e se conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá para as acções cometidas em estado de afecto, por mais que as regras da experiência mostrem que as acções como a levada a cabo se segue normalmente o resultado morte
6. As causas de justificação
Consentimento: seja ele presumido ou consentido (arts. 38 e 39 CP) não exclui, em caso algum, a ilicitude do homicídio doloso, mas pode conduzir a que a punição venha ocorrer, antes que pelo art. 131º CP, pelo art. 134º CP.
7. As formas especiais do crime
a) Tentativa
A tentativa do cometimento do homicídio é sempre punível por força do disposto no art. 23º/1 CP. Dada a particular gravidade do crime em questão, há por vezes tendência jurisprudencial para antecipar o mais possível o início da tentativa, reputando actos de execução o que verdadeiramente não passa de actos preparatórios, em princípio não puníveis[1].
b) Comparticipação
Em matéria de autoria e de cumplicidade valem completamente as regras gerais. Particulares dificuldades suscita todavia a questão de saber se, relativamente a um mesmo crime de homicídio, pode um comparticipante ser punido por homicídio simples e outro por homicídio qualificado ou privilegiado.
c) Concurso
O crime de homicídio do art. 131º cede sempre relativamente à sua qualificação como homicídio privilegiado (art. 133º CP) ou qualificado (art. 132º CP).
Uma tentativa de homicídio (nomeadamente sobre a forma de tentativa impossível, nos termos do art. 23º/3 à contrario CP) pode porem já concorrer, em concurso efectivo, com um homicídio por negligência nos termos do art. 137º CP. Já porem relativamente ao homicídio doloso consumado, o crime do art. 137º CP só aparentemente pode concorrer com o do art. 131º CP.
8. Tipos de culpa “exclusivas”
A estrutura dos homicídios é refractária a que sejam “puros” tipo de ilícito, ou seja, erguidos em função do maior ou menor desvalor material dos comportamentos homicidas que registam, e só nessa base consideráveis.
A lei usa terminologia de onde se conclui que é a culpa que desencadeia a aplicação destas normas. Tem de haver maior censurabilidade ou perversidade do agente para que o homicídio qualificado (art. 132º CP) produza efeitos; tem de haver menor culpa, para que o privilégio do art. 133º CP actue; o mesmo acontece nos arts. 134º e 136º CP.
Os homicídios dolosos são tipos de ilicitude e culpa, ou seja: eles não contêm só, nem determinadamente, aspectos da figura-de-delito que respeitem à danosidade do comportamento contêm aspectos que retratam a atitude do autor, mais ou menos censurável.
[1] Esta tendência é injustificável e deve ser decididamente combatida.