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G - Organização Económica

 

98. O mercado comum: a integração económica

Segundo o art. 2º TCE a comunidade tem como missão promover a realização dos objectivos económicos e sociais aí enunciados, mediante a “criação de um mercado comum”.

A integração económica consiste na reunião de elementos para formar um todo ou anunciar a coesão de um todo já existente.

Esta noção vaga permite abarcar a integração económica internacional, que visa à criação de uma nova unidade como a integração a interna ou nacional para o desenvolvimento da coesão de um conjunto já constituído e para fazer da unidade económica nacional um todo harmonioso.

a) As vantagens da integração económica

São muitos e das mais variadas natureza os efeitos benéficos decorrentes da integração económica:

- Economias de escala;

- Criação ou desenvolvimento de actividades dificilmente compatíveis com a dimensão nacional;

- Formulação mais coerente e rigorosa das políticas económicas;

- Transformação das estruturas económicas e sociais;

- Reforço da capacidade de negociação;

- Aceleração dos problemas da balança de pagamentos;

- Intensificação da concorrência;

- Vantagens para os consumidores.

b) As dificuldades da integração económica

Mas, se são significativas as vantagens, consideráveis são também as dificuldades que se lhes opõem, e designadamente:

- As disparidades do desenvolvimento económico e social entre os particulares no processo de integração;

- A resistência dos aparelhos nacionais às regras de disciplina colectiva;

- A resistência psicológica das populações;

- A formação da opinião pública.

 

99. A integração económica do espaço nacional

Se um produtor pretender abastecer apenas a clientela do seu pais em sistema de economia de mercado, tudo é relativamente simples numa época em que a integração económica nacional foi em geral plenamente realizada:

- No interior das fronteiras de cada país as mercadorias circulam livremente sem deparar com barreiras aduaneiras (livre circulação de mercadorias);

- O produtor pode instalar livremente unidades fabris capazes de lhe pronunciar o pretendido volume de produção e bem montar armazéns e postos de vendas, as agências, filiais ou sucursais necessárias para promover o escoamento dos bens produzidos (liberdade de estabelecimento);

- Para este efeito, o produtor em causa pode livremente recrutar os trabalhadores de que carece, onde quer que se encontre disponíveis, tal como estes podem movimentar-se livremente em todo o espaço nacional em busca de trabalho (livre circulação de trabalhadores);

- Os profissionais independentes podem desenvolver a sua actividade onde desejarem, propondo e prestando livremente os seus serviços a quem lhos solicitar (liberdade de prestação de serviços);

- No seu país o produtor vende e é pago em moeda nacional; não tem que resolver problemas de câmbios e, guiados apenas pelas suas conveniências, os agentes económicos em geral fazem circular livremente os seus capitais para os colocar ou investir onde o seu interesse lho ditar (livre circulação dos capitais);

- Nesse país todos os operadores económicos estão submetidos às mesmas regras de concorrência e à mesma legislação administrativa comercial, fiscal e social, pelo que todos se sujeitam a uma disciplina jurídica uniforme, a obrigações e encargos idênticos que vão onerar, nos mesmos termos, os bens e serviços oferecidos aos compradores (princípios da livre concorrência e da igualdade de tratamento).

 

100. Os diversos estádios da integração económica

A Comunidade Europeia é uma organização de cariz económico, foi esse cariz económico que dotou as comunidades durante bastante tempo e ainda hoje, apesar de os contrabalançar com o cariz social. Existem diversas fases de integração económica, que caracterizam as comunidades.

a) Zona de comércio livre: existência de uma livre circulação de mercadorias entre países pertencentes a essa organização, mas com algumas características, livre circulação apenas dos produtos originários dos países pertencentes à zona de comércio livre pelo que era necessário apresentar o certificado de origem do produto e ainda uma livre circulação de apenas de um tipo de produto e não de todos os produtos (ex. EFTA, livre circulação de produtos industriais). E ainda se caracteriza pela não existência de uma pauta aduaneira comum. Os produtos originários é que podem circular livremente e não os outros produtos de países terceiros, estes estão sujeitos a encargos aduaneiros, à livre vontade dos Estados, nas relações com os Estados.

b) União Aduaneira: é uma fórmula mais ambiciosa que a de comércio livre: comporta a livre circulação das mercadorias em geral – originárias dos Estados-membros ou legalmente importadas de terceiros países e colocadas em livre prática em qualquer deles; e, eliminando os complexos problemas da definição das regras de origem, implica a protecção do espaço aduaneiro da União em relação a países terceiros, mediante uma pauta aduaneira comum – o que significa que os produtos importados do exterior estão sujeitos a uma imposição do mesmo nível, seja qual for a fronteira da União Aduaneira pela qual penetrem no respectivo território.

c) Mercado comum: comporta a noção de união aduaneira mas pressupõe uma livre circulação que se estende a todos os factores de produção[45]. Mas além deste livre circulação, a ideia de mercado comum pressupõe uma coordenação/harmonização das diversas políticas nacionais que implica desde logo a adopção de políticas comuns aos diversos Estados-membros.

d) União económica: é diferente de união monetária. Pressupõe que as diversas legislações nacionais relativas ao sistema comunitário sejam uniformizadas ou pelo menos harmonizadas, que estejam sob o controlo de uma autoridade comum e que as políticas nacionais sejam substituídas por políticas comuns a todos os Estados.

e) União monetária: não significa a existência de uma moeda única, mas tem como culminar, a moeda única emitida pelo Banco Central Europeu. União monetária significa que os Estados não possam utilizar determinados expedientes, nomeadamente retirar aos Estados a possibilidade de recurso ao valor cambial da sua moeda para subverter as relações de concorrência. Significa câmbios fixos e convertibilidade obrigatória das moedas nacionais.

 

101. A livre circulação das mercadorias

A noção de “livre circulação de mercadorias” resulta dos arts. 23º, 28º e 29º TCE.

Segundo o art. 23º TCE, a livre circulação “implica a proibição, entre os Estados-membros, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer encargos de efeitos equivalentes”.

Por força dos arts. 28º e 29 TCE, são igualmente proibidas entre os Estados-membros as restrições quantitativas à importação e à exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente.

Estas disposições determinam, pois, a supressão dos obstáculos à livre circulação de mercadorias. Estas disposições foram precisadas pelo Tribunal de Justiça, foi ele que fez a interpretação, o legislador de direito derivado também teve a seu cargo a obra de precisar estas noções. É necessário analisar determinadas questões:

a) Mercadorias: é todo o produto apreciável em dinheiro e que é susceptível de transacções comerciais (noção do Tribunal de Justiça);

b) Circular livremente entre os países da comunidade: significa a proibição de os Estados aplicarem estas medidas: direitos aduaneiros, encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, restrições quantitativas, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas;

c) Quais os produtos que podem circular livremente: os produtos originários dos Estados-membros e os Estados terceiros que se encontrem em livre prática na comunidade (art. 23º/2 TCE);

d) Produtos em livre prática (art. 24º TCE): são produtos que sejam provenientes dos Estados terceiros em relação aos quais forem pagos os direitos aduaneiros e que tenham cumprido as formalidade de importação. Depois destas duas condições estarem preenchidas os produtos podem circular livremente como se fosse produtos originários; podem circular sem terem de apresentar o certificado de origem.

e) Produtos originários: é todo o produto proveniente da agricultura, pescas, minas, florestas dos Estados comunitários e ainda os produtos que sofram transformações, fabricados na Comunidade a partir de matérias-primas da comunidade.

f) Quando um produto é feito com a colaboração de dois países, de onde é originário? O produto será produto originário do país da última transformação que o produto sofreu desde que resulte um produto novo ou que essa transformação corresponda a um estádio importante do fabrico do produto.

g) Direitos aduaneiros: são encargos pecuniários que incidem sobre os produtos importados no momento do desalfandegamento ou em momento posterior aquando da apresentação da parte do importador da declaração desse produto com vista a poderem colocar esses produtos em livre prática.

h) Encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros: é um encargo pecuniário imposto unilateralmente pelo que exclui-se a possibilidade de dar cumprimento a disposições comunitárias, não interessa a sua forma, denominação, saber qual o montante, o objecto visado pelo Estado e a sua finalidade. Tem natureza pecuniária (encargo ou taxa).

Três excepções a encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros (não são considerados encargos de efeitos equivalentes a direitos aduaneiros).

1) Se esse encargo fizer parte de um sistema geral de imposições internas que se aplica quer a produtos nacionais ou estrangeiros;

2) Se se traduzir na contraprestação de um serviço prestado por um operador económico num montante proporcional ao serviço prestado;

3) Controlos efectuados para cumprimento das obrigações impostas pela legislação comunitária.

Para que este controlo não seja considerado como encargos de efeitos equivalentes a direitos aduaneiros é necessário que:

* O valor pago corresponda ao serviço prestado;

* O controlo efectuado seja obrigatório em toda a comunidade para o tipo de produção em questão;

* Que esses controlos estejam previstos na legislação comunitária e no interesse comunitário;

* Quando o objectivo desses controlos seja o de garantir e favorecer uma livre circulação de mercadorias e desta forma se eliminar medidas que os Estados possam adoptar.

i) Restrições quantitativas: são desde logo qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros, qualquer que seja a sua natureza[46], independentemente do órgão que a emana cujo objecto seja a proibição ou contigentação das trocas comerciais entre Estados-membros, que entrave directa ou indirectamente, potencial ou actualmente o comércio entre Estados-membros da aquisição de produtos importados. São medidas que os estados adoptam cujo o objectivo seja a proibição pura e simples ou uma contigentação[47] ao comércio entre Estados-membros.

j) Medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas: são medidas que os Estados adoptam a nível interno para dificultar a aquisição de produtos estrangeiros.

São quatro, o tipo de medidas que os Estados não podem adoptar: direitos aduaneiros, encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, restrições quantitativas, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas.

Existem excepções à livre circulação de mercadorias, que é um princípio geral, cláusulas que os Estados podem legitimamente invocar para excepcionar a livre circulação de mercadorias. Vêm consagradas e enumeradas no art. 30º TCE entre elas, a saúde pública, moralidade pública, ordem pública, são cláusulas que permitem excepcionar uma liberdade fundamental mas devem ter uma interpretação restrita, e os Estados não devem invoca-las para interesses económicos, apenas podem ser invocados para fins não económicos, com base nas cláusulas enumeradas no art. 30º TCE porque senão são ilegais.

Têm uma natureza temporária e não definitiva, depois o embargo é levantado, estas medidas devem, ser aplicadas apenas em última instância.

No art. 134º TCE vem uma outra forma de entravar a circulação de mercadorias, a Comissão tem a possibilidade de em virtude de determinadas situações autorizar ou permitir que os Estados-membros derroguem as regras dos Tratados, medidas essas que podem ir até à exclusão da livre circulação de uma mercadoria.

 

102. As “quatro liberdades”

O mercado comum é uma realidade correspondente a um grau superior de integração económica: implica não apenas a livre circulação dos bens mas também a livre circulação dos diversos factores de produção: trabalho, capitais e iniciativas empresariais traduzidas no exercício das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços.

A ideia dominante no que toca à livre circulação dos factores de produção no espaço comunitário é de que a plena realização do mercado comum europeu não poderia assentar apenas na eliminação dos entraves à livre circulação das mercadorias.

A liberalização das trocas intracomunitárias, desacompanhada de outras medidas de fundo, não bastaria com efeito para alcançar os objectivos enunciados no art. 2º TCE e nomeadamente, o de “promover em toda a comunidade o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas”. As quatro liberdades:

1) Livre circulação de pessoas;

2) Liberdade de estabelecimento;

3) Liberdade de prestação de serviços;

4) Liberdade de circulação de capitais

103. Livre circulação de pessoas (art. 39º TCE)

A livre circulação de pessoas só existe verdadeiramente com o tratado da Comunidade Europeia, as pessoas deixaram de ser vistas como trabalhadores e houve a aquisição da cidadania europeia.

A primeira referência que existe a propósito da livre circulação de pessoas está prevista no Tratado da CECA (art. 69º/1) não se trata de um direito atribuído à pessoa mas ao trabalhador que é um factor de produção do carvão e do aço. Estava incluído num sector económico, junto com os salários, eram trabalhadores qualificados no carvão e do aço, era portanto de cariz económico, havendo a proibição de discriminação em razão da nacionalidade (claros objectivos económicos). A inclusão destes impulsos sociais no Tratado da Comunidade Europeia (no Tratado de Roma), art. 3º e 7º.

A abolição da descriminação em razão da nacionalidade e abolição da discriminação na livre circulação de pessoas. A livre circulação de pessoas aparece como um dos fundamentos da comunidade europeia e com a finalidade de proibição de descriminação em razão da nacionalidade.

O que caracteriza estas regras é a atribuição de direito às pessoas dependentes da participação que elas vão ter no processo produtivo, estes direitos dependiam da participação das pessoas no processo produtivo.

a) Trabalhador dependente comunitário: é a pessoa que realiza uma prestação laboral sobre as ordens e vigilância de outra pessoa mediante a contrapartida de uma remuneração[48].

b) Prestação de serviços: gozam de prestação de serviços os nacionais de um Estado-membro que exerçam uma actividade económica no interior de outro Estado-membro mediante uma instalação duradoura e estável que seja o centro da sua actividade profissional, actividade desenvolvida no Estado de acolhimento.

c) Trabalhador independente – prestadores de serviços: trata-se de uma ou mais prestações ou actos profissionais que têm sempre carácter esporádico e temporário que são destinatários clientes agregariados a partir de uma instalação duradoura e estável, centro de actividade esse que está localizado no Estado do estabelecimento prestador de serviços.

Só era atribuído este direito de circulação porque o homem era o factor humano de produção, homo-económicos e não o homem sujeito de direitos e obrigações.

 

104. As reservas à liberdade de circulação de pessoas

a) Noção de “saúde pública

A directiva 64/221 precisa numa lista anexa as doenças e enfermidades que podem habilitar um Estado-membro a recusar a entrada no seu território ou a concessão da autorização de residência.

b) Noção de “ordem pública” e de “segurança pública”

Da directiva 64/221 não decorrem, formuladas em termos positivos, noções de ordem e segurança pública oponíveis aos Estados-membros. Estes mantêm competência discricionária para elaborar e dar conteúdo concreto a tais noções, limitando-se a directiva – que visa simplesmente coordenação das medidas de polícia especiais para estrangeiros – a limitar e condicionar o seu poder discricionário de as utilizar em relação aos nacionais de outros Estados-membros.

[45] Pessoas enquanto trabalhadores, capitais, estabelecimento e serviços.

[46] Legislativa, regulamentar ou administrativa.

[47] Definir uma quantidade.

[48] Noção dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Lowrie Blum em 1986.
 

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