F - Fontes de Direito Comunitário
82. Introdução
As fontes de direito são os modos de formação e revelação de regras jurídicas.
Os Estados criaram uma organização nova e atribuíram-lhe competências, dotaram a comunidade de objectivos e atribuíram-lhe competências para realizarem esses objectivos, método funcional da atribuição de competências.
Um dos poderes da comunidade é a criação de normas jurídicas, surgiu com as comunidades um ordenamento jurídico novo, autónomo e hierarquizado; tem regras próprias que deriva de órgãos comunitários, sem haver intervenção directa por parte dos Estados. É um ordenamento jurídico novo que entra em relação com o ordenamento jurídico interno.
Acepção estrita de fontes de direito comunitário, integra o direito comunitário originário e o direito comunitário derivado. Esta acepção estrita de direito comunitário está presente em alguns artigos dos tratados, como por ex., arts. 10º e 234º TCE.
A acepção ampla de fontes de direito comunitário compreende todas as regras, normas aplicáveis na ordem jurídica comunitária, mesmo que a sua origem lhe seja exterior às próprias comunidades. Inclui-se aqui não apenas o direito comunitário originário e derivado mas também o direito internacional e o direito complementar.
- Direito Internacional, geral ou complementar;
- Direito complementar, convenções estabelecidas entre os Estados-membros para aplicação dos tratados e princípios gerais de direito não escritos mas conhecidos pelo Tribunal de Justiça.
83. Os tratados comunitários
Os tratados, fonte primária ou originária de direito comunitário, são convenções internacionais de tipo clássico, produto exclusivo da vontade soberana dos Estados contraentes, que foram concluídas na conformidade das regras de direito internacional e das respectivas normas constitucionais.
a) A “constituição” comunitária
Os tratados de Paris e Roma no seu conjunto, têm sido, não sem razão, considerados como a “constituição” da Comunidade Europeia.
Neles figura, além do mais, o enunciado dos objectivos fundamentais, a definição da estrutura institucional, as bases essenciais do direito económico, financeiro e social das comunidades, as disposições relativas à salvaguarda da ordem jurídica que os tratados instituíram.
O direito comunitário encontra-se no topo da pirâmide hierárquica do direito comunitário.
A relação dos tratados comunitários com outros tratados estão definidas nos arts. 306º e 307º TCE. A relação entre tratados comunitários e tratados estabelecidos, antes, entre os Estados-membros: esses tratados mantém-se em vigor na medida em que não contradigam as regras dos tratados comunitários (art. 306º TCE).
As relações entre os tratados comunitários e os tratados que os Estados-membros tenham celebrado anteriormente com Estados terceiros: essas relações regulam-se nos termos do art. 307º TCE estabelecendo que deve haver uma compatibilização entre umas e outras.
b) Estrutura dos tratados
Os três tratados institutivos têm uma estrutura semelhante, que assenta em quatro tipo de cláusulas:
1) Preâmbulo e disposições iniciais;
2) Cláusulas institucionais;
3) Cláusulas materiais;
4) Cláusulas finais.
No preâmbulo aparecem os fins das comunidades de natureza política, que são idênticos nas três comunidades; os fins de natureza económica são diferentes nas três comunidades.
- CECA – carvão e aço;
- CEE – economia em geral;
- EURATOM – energia atómica.
As cláusulas institucionais dizem quais são as instituições, as suas competências, funcionamento e como elas se relacionam.
As cláusulas materiais são aquelas que vão desenvolver os objectivos sócio-económicos de cada uma das comunidades. É com base nestas disposições materiais que distinguiu o tratado-lei e tratado-quadro.
As cláusulas finais estabelecem regras de entrada em vigor dos tratados, a sua duração.
c) Tratado-lei e tratado-quadro
Muito embora cada um dos três tratados comunitários se ocupe das matérias aludidas, impõe-se fazer uma distinção entre eles no tocante à forma que tais matérias são reguladas:
i) O tratado CECA, é geralmente considerado como um tratado-regra ou tratado-lei, na medida em que enuncia com bastante pormenor e precisão as regras essenciais a que deve obedecer o funcionamento do Mercado Comum do Carvão e do Aço instituído pelo tratado de Paris;
ii) Diversamente o tratado da Comunidade Europeia poderá ser designado como um tratado-quadro, porquê? Na parte respeitante entre outras, à instituição união aduaneira, o tratado de Roma é, certamente muito preciso, também ele contendo – à semelhança do tratado CECA – regras minuciosas relativas à livre circulação de mercadorias e à tarifa aduaneira comum. Mas quando a outros elementos essenciais na noção de mercado comum – livre circulação dos factores de produção e, sobretudo, certas políticas comuns – o tratado limita-se a enunciar os objectivos gerais a atingir e a fixar as competências e poderes de que, para os realizar, são dotadas as instituições comunitárias.
84. Direito comunitário derivado
É constituído pelos actos unilaterais das instituições tomados em aplicação das regras dos tratados. Direito comunitário derivado é um autêntico direito de legislar porque é produzido de forma autónoma por parte das instituições.
As instituições no exercício de competência normativa atribuída pelos tratados adoptam de forma autónoma regras jurídicas. Isto tem, a ver com a característica base das Comunidades Europeias, instituições com poder para criar regras jurídicas[38]. Entre os três trados existe uma diferença de nomenclatura dos actos das instituições:
- Tratado CECA: são as decisões (gerais e individuais), recomendações e os pareceres;
- Tratado de Roma: regulamentos, directivas, decisões, recomendações e os pareceres.
Tem-se um elenco de actos diferentes nos três tratados. As decisões gerais da CECA correspondem aos regulamentos do tratado de Roma; as recomendações da CECA correspondem às directivas do tratado de Roma, os pareceres da CECA correspondem às recomendações e pareceres do tratado de Roma. O que interessa é não tanto a designação dada ao acto mas a sua natureza, não se afere a natureza do acto pela sua designação mas pelo seu conteúdo.
85. Regulamento comunitário
Na definição de regulamento comunitário, estão presentes três elementos (ver art. 249º TCE):
1) Carácter geral
Pelo seu carácter geral, os regulamentos comunitários são equiparáveis às leis nacionais. Tal como estas, o regulamento estabelece uma regra, impõe uma obrigação ou confere direitos a todos os que se incluam ou possam vir no futuro a incluir-se na categoria de destinatários que o regulamento define em abstracto e segundo critérios objectivos.
A generalidade do regulamento tanto pode reportar-se aos destinatários da estatuição normativa como ao objecto da previsão ou objecto da prescrição.
2) Obrigatoriedade do regulamento em todos os seus elementos
O carácter geral e obrigatório do regulamento é expressão de um poder normativo perfeito que permite à autoridade comunitária impor por si só – isto é, prescindindo da participação das instituições nacionais – a observância da totalidade das disposições desse acto aos Estados-membros, aos seus órgãos e autoridades, e a todos os particulares[39] sujeitos à jurisdição comunitária.
E pelo facto de ser obrigatório em todos os seus elementos que o regulamento se distingue da directiva – a qual prescreve imperativamente o resultado a atingir, mas não os meios que os Estados devem usar para alcançar esse resultado. O acto regulamentar pode, diversamente da directiva, impor quaisquer modalidades de aplicação e de execução julgadas necessárias ou úteis pela autoridade comunitária.
3) Aplicabilidade directa do regulamento
Tem a ver com a característica da aplicabilidade imediata. Ser directamente aplicável nos Estados-membros significa que depois de aprovado o regulamento e se ele cumprir todos os requisitos o regulamento vigora directamente no território dos Estados sem necessidade dum qualquer acto de recepção por parte dos Estados-membros. Vigora directamente no ordenamento jurídico interno dos Estados sem necessidade dum qualquer acto de recepção por parte dos Estados.
As expressões “directamente aplicável em todos os Estados-membros”, que figuram no art. 249º revelam o traço mais característico dos regulamentos comunitários: uma vez publicados no Jornal Oficial das Comunidades e decorrida a “vacatio legis”, entram em vigor em todo o território comunitário e ficam de pleno direito (automaticamente) incorporados no ordenamento jurídico interno dos Estados sendo aí aplicáveis a qualquer pessoa física ou moral sujeita à jurisdição comunitária, a solicitação de quem tenha legitimidade processual para os invocar em juízo.
O regulamento é um instrumento de uniformização por contraposição à directiva, que é um instrumento de harmonização.
86. Directiva comunitária
Nos termos do art. 249º TCE “a directiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando no entanto às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”.
Resulta desta disposição, que as directivas são actos pelos quais a autoridade comunitária competente, ao mesmo tempo que fixa aos respectivos destinatários um resultado que no interesse comum, deve ser alcançado, permite que cada um deles escolha os meios e as formas mais adequadas – do ponto de vista do direito interno, da realidade nacional ou dos seus interesses próprios – para alcançar o objectivo visado.
A directiva é um instrumento de harmonização, o que se pretende é que haja uma certa compatibilidade entre todos os ordenamentos jurídicos, que os ordenamentos dos Estados sejam semelhantes.
A directiva obriga à transposição por parte dos Estados, impõe um fim, mas como atingir esse fim fica à discricionariedade dos Estados. O órgão competente para emanar directivas, regra geral é o Conselho.
A directiva é um método de legislação por etapas. Vincula o Estado-membro quanto ao resultado, deixando os destinatários escolherem a forma e os meios para alcançar aquele fim. Vincula quanto ao fim, estabelece um resultado que no interesse comunitário deve ser alcançado, mas permite que cada Estado escolha os meios e formas mais adequados para alcançar aquele fim, aquele resultado.
O que caracteriza a directiva comunitária?
Em princípio não possui carácter geral (ao contrario do regulamento), porque a directiva vincula um ou mais Estados-membros, logo são perfeitamente identificados esses Estados, que são quinze. A directiva possui a característica da generalidade de forma indirecta depois de transposta para o direito nacional, passa a aplicar-se a um número indeterminado de pessoas.
Obrigatoriedade de resultado e liberdade de escolha de forma e meios.
A directiva é um instrumento privilegiado de harmonização das legislações, tendo como objectivo um fim comum. A directiva consagra um fim que os Estados têm de cumprir. Esta obrigação decorre dos arts. 249º e 10º TCE.
Quanto à escolha da forma os Estados são livres para escolher o acto jurídico da transposição da directiva. O art. 112º CRP refere o princípio da tendencial paridade, as directivas comunitárias são transpostas obrigatoriamente para lei ou decreto-lei. Quanto à escolha dos meios, tem a ver com a escolha das medidas concretas susceptíveis de conduzir ao resultado imposto pela directiva.
Como características essências da directiva:
- A directiva só pode impor uma obrigação de resultado, nunca pode impor uma obrigação de meios;
- As directivas são cada vez mais minuciosas e parecidas com os regulamentos comunitários, privando os Estado das escolhas dos meios.
Aplicabilidade imediata das directivas comunitárias
A Profa. Sardinha entende que as directivas gozam de aplicabilidade imediata porque a transposição da directiva é um mero acto de execução.
É possível a um particular invocar as disposições da directiva em três casos:
1) No caso do Estado não cumprir com a sua obrigação, com a não transposição o Estado está a prejudicar os cidadãos;
2) Se a directiva lhe atribuir um direito que ele possa fazer valer em juízo;
3) Para verificar se existiu uma correcta escolha da forma e dos meios para a execução daquela directiva.
Os particulares podem invocar em juízo o disposto na directiva, desde que ela tenha o direito que eles possam fazer valer em juízo.
87. Decisões comunitárias
Nos termos do art. 249º TCE a decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários a designar.
O objectivo da decisão é o de dar aplicação prática das regras dos tratados aos casos individuais.
a) A limitação dos destinatários da decisão
A decisão obriga apenas os destinatários que ela própria designar, individualizando-os. Tais destinatários tanto podem ser Estados (um, vários ou todos) como pessoas colectivas de direito público ou de direito privado e mesmo simples indivíduos.
Dirigida quer a um indivíduo ou a uma empresa quer a um Estado, a decisão tem normalmente por finalidade aplicar as regras de direito comunitário a casos particulares – sendo, então, assimilável a um acto administrativo; apresenta-se, por isso, como um instrumento que as instituições podem utilizar para aplicação, por via administrativa, das normas comunitárias.
Mas a decisão comunitária pode também ser utilizada para prescrever a um Estado ou grupo de Estados-membros um objectivo cuja realização passa pela adopção de medidas nacionais de alcance geral – apresentando-se neste caso como um instrumento de legislação indirecta próximo da directiva – com a diferença de que é obrigatória em todos os seus elementos.
b) A obrigatoriedade da decisão
A decisão – di-lo o art. 240º TCE – é obrigatória em todos os seus elementos, tal como o regulamento. À semelhança do que sucede com a directiva, a decisão impõe o resultado a atingir, mas, diversamente daquela, obriga igualmente quanto às modalidades de execução.
88. A aplicabilidade directa da decisão
a) Decisões dirigidas pela autoridade comunitária a particulares (indivíduos ou empresas
Estas decisões originam sem dúvida, por si próprias, directa e imediatamente, direitos e obrigações, para os respectivos destinatários e eventualmente, para terceiros, que os tribunais nacionais podem ser solicitados, na sua qualidade de tribunais comuns de direito comunitário, a reconhecer e impor.
b) Decisões dirigidas aos Estados
Em princípio, uma decisão comunitária não modifica por si própria a ordem jurídica interna dos Estado em causa e portanto, as situações jurídicas individuais: esta modificação resultará normalmente da aplicação pelos Estados-membros destinatários da decisão, das medidas que pela decisão lhes são impostas. O mesmo é dizer que as decisões dirigidas aos Estados não podem, em princípio, ter um efeito directo e imediato na esfera jurídica dos cidadãos.
89. Recomendações e pareceres
Não têm carácter obrigatório, a sua influência é na maior parte dos casos indirecta, uma vez que contribui para orientar as legislações dos Estados-membros.
Têm uma função de integração de lacunas de outros actos comunitários com carácter obrigatório, não são vinculativos, não impõem obrigações para os seus destinatários (arts. 249º in fine, 253º e 254º TCE).
a) Recomendações
São actos do Conselho dirigidos aos Estados-membros[40], ou actos da Comissão dirigidos quer ao Conselho[41] quer aos Estados-membros (art. 97º TCE). Exprimindo-lhes o respectivo ponto de vista sobre determinadas questões, apontando-lhes as medidas ou soluções reclamadas pelo interesses comunitário, sugerindo-lhes os comportamentos a adoptar.
As recomendações foram concebidas como um instrumento de acção indirecta da autoridade comunitária, visando frequentemente à aproximação das legislações nacionais ou à adaptação de uma dada regulamentação interna ao regime comunitário.
b) Pareceres
A noção de parecer engloba diversas modalidades de actos que têm em comum a ausência de força vinculativa, pelo que não constituem só por si os respectivos destinatários em qualquer obrigação jurídica.
90. Direito Internacional
A importância que o direito internacional tem no relacionamento entre os Estados-membros e entre estes e a comunidade é limitado pela natureza especial da ordem jurídica comunitária. Pelo que a aplicação do direito internacional geral no interior das comunidades tem natureza excepcional porque a própria comunidade criou as suas regras que vão regular as suas relações.
O direito internacional tem uma aplicação mais forte no domínio das relações externas da comunidade. À medida que as relações externas da comunidade se têm vindo a desenvolver o direito internacional, tem vindo a ter uma importância cada vez maior.
Os tratados criaram uma ordem própria específica que muitas vezes se afasta da ordem jurídica interna dos Estados e da ordem jurídica internacional, muitas as regras jurídicas comunitárias estão em oposição às regras jurídicas internas.
Princípio da jurisdição obrigatória do tribunal: na ordem comunitária se um Estado não cumpre, os outros Estados têm que continuar a cumprir como no direito internacional.
Direito internacional convencional, acordos concluídos pela comunidade no exercício das suas competência externas, art. 300º TCE, estes acordos obrigam as comunidades internacionalmente e integram-se na ordem jurídica comunitária pelo que são uma fonte de direito comunitário. A partir da sua conclusão as comunidades vão-se integrar na ordem jurídica comunitária.
Também fazem parte da ordem jurídica comunitária os actos dos órgãos criados por acordos comunitários ou existentes no quadro de organizações comunitárias que a comunidade tenha aderido (art. 300º/7 TCE).
São também fonte de direito comunitário que se inclui neste direito internacional convencional, vinculam, as comunidades, fazem parte integrante da ordem jurídica comunitária em virtude do acordo que tem na base e desde que esse acordo obrigue internacionalmente as comunidades, não necessitando de qualquer acto de receptação das instituições comunitárias.
O direito comunitário originário prima sobre qualquer regra sem excepção, todas as outras fontes de direito estão abaixo deste direito comunitário originário, pelo que estes actos de direito internacional estão sujeitos, à semelhança do direito comunitário derivado ao princípio das competências de atribuição e ao princípio da legalidade comunitário (art. 300º/6 TCE).
91. Apelo aos princípios do Direito Internacional Público
O tribunal das comunidades tem feito apelo aos princípios do direito internacional em três hipóteses diferentes:
1) Quando é oportuno reafirmar o carácter obrigatório dos tratados comunitários: o Tribunal de Justiça intervém por vezes como um verdadeiro tribunal internacional. Mesmo quando assim não acontece, não pode abstrair de que a sua competência advém de tratados internacionais e que estes obedecem, no que toca ao seu regime de conclusão, validade e obrigatoriedade, a regras bem precisas de Direito Internacional Público e, designadamente, às constantes da convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
2) Quando se trata de resolver um conflito entre um tratado comunitário e um outro tratado ligando Estados-membros entre si ou a terceiros Estados.
3) Sempre que seja necessário, para interpretar os tratados comunitários, utilizar os métodos de interpretação dos tratados consagrados pelo direito internacional público.
92. Direito complementar
a) Convenções comunitárias
São convenções entre os Estados-membros que podem ter duas origens distintas:
1) Da letra dos tratados: os próprios tratados que em algumas circunstâncias podem prever convenções formais entre os Estados-membros para completar o tratado, é o que acontece no art. 293º TCE. Estas convenções competem aos Estados e nãos às instituições, são convenções internacionais formais entre os Estados-membros.
2) Ou da livre iniciativa dos Estados: os Estados no âmbito das suas competências internacionais residuais podem acordar entre si o que entenderem, podem negociar entre si determinadas regas para a boa execução dos tratados. Tem que haver uma ligação com o direito comunitário, tem que ter aplicação.
A especificidade comunitária manifesta-se em vários domínios, nomeadamente no processo de elaboração de convenções internacionais que muitas vezes o poder de iniciativa compete às instituições (à Comissão e ao Conselho), as negociações competem aos Estados, se eles não quiserem as instituições não os podem obrigar. Muitas vezes os aspectos em que os representantes nacionais não chegam a consenso, não conseguem resolver ficam para o Conselho negociar. Só os Estados-membros podem ser signatários destas convenções. O prazo destas convenções é ilimitado e muitas vezes no texto da convenção atribui-se ao Tribunal de Justiça a competência para a interpretar.
b) Decisões dos representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho
É uma modalidade de direito comunitário, os representantes dos governos dos estados-membros reunidos no seio do Conselho em conferência diplomática tomam frequentemente decisões que são vinculativas para os Estados-membros, e tomas estas decisões porque estão previstas expressamente nos tratados que determinadas situações sejam tomadas pelos Governos dos Estados de comum acordo, por ex., arts. 289º, 214º, 223º, 1º§ in fine TCE. Ou porque os tratados nada prevêem, são omissos, então as comunidades não têm competência, pelo princípio das competências de atribuição, então os Estados podem decidir estar fora do âmbito das competências da comunidade, está no âmbito da competência residual dos Estados.
c) Posição hierárquica do direito complementar face às restantes fontes de direito comunitário
Tem que se fazer uma pirâmide hierárquica, porque não existe subordinação vertical mas uma compatibilização horizontal.
O direito complementar não se funda nos tratados institutivos, não pode existir subordinação mas sim compatibilização horizontal, não se estabelece com o direito comunitário strictu sensu uma relação de subordinação.
E como se resolvem eventuais conflitos?
Estes resolvem-se consoante o âmbito da sua aplicação.
a) Competência exclusiva comunitária: é do âmbito da exclusiva competência das instituições; só as instituições comunitárias que podem desenvolver o direito comunitário aqui o direito complementar não tem qualquer razão de ser. A intervenção dos Estados-membros é uma clara violação dos tratados.
b) Competência exclusiva nacional: aqui o que não tem razão de ser é o direito comunitário[42], os Estados têm plena liberdade para fazerem aquilo que entenderem.
c) Competência concorrente: são competências que quer os Estados quer as instituições comunitárias podem desenvolver, existe um princípio que é o do primado em que o direito comunitário prima sobre o direito interno, mas não é assim pelo princípio da subsidiariedade dos tratados, porque o desenvolvimento de uma determinada acção compete aos Estados e só passa para uma instituição comunitária se for mais eficaz.
93. Costume e jurisprudência
A importância do costume no direito comunitário é praticamente inexistente, o mesmo não acontece com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.
O Tribunal de Justiça é a instituição que mais tem feito pela integração, o que fez com que o Tribunal de Justiça tenha uma importância bastante importante no meio comunitário. Através do reenvio a título prejudicial, o Tribunal de Justiça fez a interpretação das regras mas foi mais além, criando princípios gerais tais como o princípio do primado, efeito imediato ou desenvolvendo outros princípios como a aplicabilidade directa.
Na constitucionalização do Tratado de Roma, a primeira fase deriva deste meio contencioso (reenvio a título prejudicial) e num segundo momento o Tribunal de Justiça foi mais além, violou o princípio de competências de atribuição, houve um desvirtuar deste princípio, transformando determinadas competências concorrentes em competências exclusivas das instituições.
No Tratado da União Europeia, com o art. 5º, princípio da subsidiariedade, veio-se colocar um travão a esta jurisprudência do Tribunal de Justiça.
A acção para apuramento de responsabilidade extracontratual da comunidade (art. 288º TCE), esta deve indemnizar de acordo com os princípios gerais da comunidade comuns aos Estados-membros, isto para dizer que o Tribunal de Justiça recorre frequentemente à utilização dos princípios gerais de direito. O Tribunal de Justiça tem em conta determinados princípios e regras não escritos que existem no património jurídico dos diversos Estados-membros para determinar as premissas para apurar a responsabilidades.
Baseando-se nestes princípios gerais de direito comuns aos Estados-membros, declarou um conjunto de princípios que se impõe às instâncias nacionais e instituições comunitárias quando estas são chamadas a aplicar o direito comunitário. É possível agrupar estes princípios em quatro conceitos base:
1º Princípio da segurança jurídica
- Estabilidade das situações jurídicas;
- Princípio da confiança legítima dos cidadãos na actividade da administração.
Vai ter consequências em termos de:
A) Prescrição;
B) Não retroactividade;
C) Publicidade;
D) Clareza na relação dos diferentes actos jurídicos.
2º Princípio do direito à defesa
- Princípio do contraditório;
- Direito do destinatário de uma decisão individual tem de ser ouvido pelos órgãos que o produziram (a decisão dirige-se directamente à pessoa).
3º Princípio da proporcionalidade: impõe-se às instituições comunitárias e teve consagração no tratado da comunidade europeia no art. 5º TUE.
4º Princípio da igualdade: manifesta-se na proibição da discriminação em razão da nacionalidade (arts. 12º e 13º TCE).
94. Protecção dos direitos fundamentais
Estes princípios gerais têm como denominador comum a protecção dos direitos fundamentais, os tratados na sua versão originária eram essencialmente com objectivos económicos e não fazia sentido integrar um catálogo próprio de direitos fundamentais, hoje são dotados também de obrigações sociais e políticas.
No entanto como as comunidades. São comunidade de direito era necessário assegurar o respeito destes direitos fundamentais. Tenha-se de assegurar a protecção dos direitos fundamentais garantindo o princípio da unidade. As soluções encontradas foram diversas:
* Ou uma adesão à convenção europeia dos direitos do homem, mas a união não tem personalidade jurídica e não pode ser parte da convenção, e também não faz muito sentido porque ainda tem uma vertente económica muito acentuada;
* Ou cria-se um catálogo de direitos próprios desta instituição.
O que se fez não foi uma coisa nem outra, foi consagrar no art. F, actual art. 6º/2 TUE de uma forma bem tímida que se deve respeitar os direitos fundamentais tal como resulta das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.
Fica aquém do que o próprio Tribunal de Justiça tinha vindo a desenvolver, a solução que o Tribunal de Justiça encontrou para resolver esta questão assentava nos princípios gerais de direito comuns dos Estados-membros e que em termos concretos aplicam a aplicação a nível comunitário da garantia nacional máxima, garantia nacional mais elevada, standard máximo.
As comunidades não podem negar a nível comunitário gozo dos direitos existentes e protegidos a nível nacional que de qualquer forma não pode ser inferior ao nível de protecção conferida pela convenção europeia dos direitos do homem do Conselho da Europa (standard mínimo).
95. Características do direito comunitário
Podem-se considerar três características (principais):
* Aplicabilidade directa;
* Efeito directo;
* Primado do direito comunitário sobre o direito interno.
Aplicabilidade directa
O princípio da aplicabilidade directa foi encarado pelo Tribunal de Justiça como um princípio essencial da ordem jurídica comunitária.
Entretanto as questões de interpretação do direito comunitário que ao abrigo do art. 234º TCE as jurisdições nacionais lhe foram submetendo, o Tribunal de Justiça conseguiu definir critérios comunitários de aplicabilidade directa que, desviando-se radicalmente dos do Direito Internacional Público, permitiram aos particulares – indivíduos e empresas da comunidade – beneficiar largamente do estatuto de sujeitos do direito comunitário.
Vem consagrada no Tratado da Comunidade Europeia, este princípio não foi criado pelo Tribunal de Justiça mas foi desenvolvido por ele. A aplicabilidade imediata implica quatro consequências:
1) Que o direito comunitário se integre plenamente nas ordens jurídicas internas dos Estados sem necessidade de recepção;
2) Que o direito comunitário se integre enquanto direito comunitário;
3) Ao integrarem-se directamente no ordenamento jurídico interno dos Estados-membros todos têm que respeitar, os juízes nacionais têm a obrigação de os aplicar.
4) Que a aplicação desse direito comunitário deve ter aplicação segundo as regras de interpretação que lhe são próprias.
Relações entre direito internacional e o direito interno, que podem ser analisadas à luz de duas teorias:
* Dualista: as normas de direito interno e de direito internacional são ordenamentos jurídicos separados quer quanto às fontes quer quanto à matéria que regulam. Para as normas de direito interno entrarem em vigor internamente é necessário uma transformação da regra de direito internacional em direito interno;
* Monista: o direito interno e o direito internacional são normas de um único sistema, ou então o direito internacional só existe para um determinado Estado na medida que o Estado os aceita como suas.
Isto vale para explicar a relação existente entre direito comunitário e o direito interno dos Estados, é a teoria Monista, art. 249º TCE.
Actos de direito comunitário derivado:
Quanto ao regulamento, tem a aplicabilidade imediata, não levanta qualquer dúvida. As directas dirigem-se aos Estados, vinculam os Estados quanto ao objectivo a alcançar deixando à sua escolha os meios para alcançar esse resultado. Os Estados escolhem a forma e os meios para atingir aquele fim, não pode dizer se aceita ou não aceita a transposição da directiva, não deve ser vista como um acto de recepção, mas como um acto de execução, assim sendo, a directiva goza de aplicabilidade imediata. Quanto aos outros actos, têm aplicabilidade imediata.
96. Efeito directo
É o direito que qualquer pessoa tem de solicitar ao juiz nacional que aplique as disposições dos tratados e o dever que o juiz tem de o aplicar qualquer que seja a legislação do país. O facto de gozar do efeito implica uma rotura da teoria clássica internacional “um acordo entre Estados nunca cria direito para os particulares”.
O Tratado presume o efeito directo, desde logo no art. 234º TCE no pressuposto que o direito comunitário é aplicável nos tribunais nacionais. Considerações sobre a característica do efeito directo:
a) As disposições do direito comunitário são susceptíveis de produzir efeito directo no entanto nem todas produzem pelo que cabe ao Tribunal de Justiça se pronunciar por quais as que gozam de efeito directo e que tipo de efeito directo elas gozam.
b) Para que uma disposição goze de efeito directo tem que cumprir uma exigência, as suas características próprias, daquela disposição, seja susceptível de aplicação judicial.
Nos tratados existem disposições que gozam de efeito directo e outras não. Podem ainda gozar de efeito directo:
- Horizontal;
- Vertical;
- Completo.[43]
Os particulares (indivíduos e empresas) podem invocar em juízo as disposições do direito comunitário, quer no caso de um diferendo contra o Estado (aplicabilidade directa vertical) quer nas suas relações com outros particulares (aplicabilidade directa horizontal). Com a ressalva, no que respeita às directivas: estas, impondo obrigações apenas ao Estado (art. 249º TCE) não podem ser invocadas por um particular contra outro particular para fazer valer um direito subjectivo a que não corresponderia qualquer obrigação da parte demandada.
Isto não prejudica, porém, a invocação por um particular contra outro das disposições de uma directiva comunitária, a título de defesa por excepção, nos litígios em que alguém pretenda opor ao excipiente uma norma nacional contrária a essa directiva.
i) Efeito directo completo
Que podem ser invocadas pelos particulares nas suas relações face ao Estado (efeito directo vertical), mas também podem ser invocadas em relações com os outros particulares (efeito directo horizontal). Ex.: regras da concorrência, regras que proíbem a descriminação em relação da nacionalidade, a livre circulação de pessoas.
ii) Efeito directo vertical
São as mais numerosas nos tratados e que impõe aos Estados, obrigações positivas ou negativas, de facere ou non facere.
Ex.: art. 12º TCE de não aumentar os direitos aduaneiros de efeito directo, ex. art. 2º TCE porque não tem a característica que permite a sua invocação em juízo (art. 10º TCE).
Quanto aos regulamentos e às decisões é incontestável o seu efeito directo e na maior parte dos casos gozam de efeito directo completo, ou seja, pode-se invocar as disposições de uma decisão ou um regulamento em juízo, nas relações com o Estado e com os particulares.
Questão mais complicada é as directivas. Tradicionalmente a doutrina entendia que as directivas antes de serem transpostas não produziam efeito directo, o que fazia com que os Estados-membros fossem os únicos destinatários das directivas, não atribuía aos particulares.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça veio a orientar-se em sentido contrário, gozam de efeito directo com base em dois argumentos:
1) Houve a tendência por parte do Conselho com base nas directivas adoptassem regulamentos, adoptavam regulamentos com a designação de directivas, como se fossem directivas, sem atribuir a protecção de efeito directo, para os particulares não invocarem.
2) O Tribunal de Justiça entendeu o efeito directo das directivas como forma de sancionar os Estados pela não transposição atempada das directivas comunitárias.
Hoje é entendimento dominante que as directivas são susceptíveis de produzir efeito directo, os particulares podem invocar as disposições das directivas em juízo. São invocáveis em juízo:
* Quer para exigir do Estado o cumprimento da obrigação (resultado) que a directiva consagra;
* Quer para oporem ao Estado as disposições da directiva quando o Estado invoque disposições do direito nacional contrárias a essa directiva;
* Quer ainda para reparação de prejuízos de particulares que resultaram da não transposição da directiva por parte do Estado;
* Quer para fazer valer um direito subjectivo quando a directiva o consagra.
A directiva não goza nunca de efeito directo horizontal, só goza de efeito directo vertical ou completo, não podem ser invocadas pelos particulares nas relações com particulares.
97. Princípio do primado
Autonomia da ordem jurídica comunitária implica que ela não é tributária das ordens jurídicas dos Estados-membros e que, portanto, define as suas relações com estas ultimas segundo os seus próprios princípios e critérios – ou seja, sem subordinação às leis constitucionais ou ordinárias dos Estados.
Embora emanando de uma fonte autónoma, as normas comunitárias são, integradas como tais na ordem jurídica interna dos Estados-membros – sem que sejam necessárias quaisquer medidas nacionais pelos tribunais nacionais considerados como tribunais comuns da ordem jurídica comunitária, já que o Tribunal de Justiça dispões apenas das competências específicas que lhe foram atribuídas.
A característica do efeito directo que consagra uma garantia de invocação em juízo só produz o seu efeito se as regras comunitárias prevalecerem sobre o direito interno, ou seja, a característica do efeito directo exige a característica do primado.
Este princípio do primado foi criado pelo Tribunal de Justiça para dirimir conflitos entre as regras do direito interno e comunitário, uma vez que os tratados nada dizem, daí teve consagração jurisprudencial.
Esta questão de hierarquia do direito comunitário e interno foi impulsionada pelo Tribunal de Justiça na ausência de uma disposição nos tratados e se fosse resolvida pelos Estados poderia por em causa a unidade e uniformidade.
As regras de direito comunitário primam sobre o direito interno.
a) O princípio do primado foi desenvolvido em jurisprudência posterior e foi consagrado como uma condição essencial da existência do direito comunitário;
b) O princípio do primado é incondicional porque resulta do próprio direito comunitário que impõe o princípio do primado, e não resulte da concessão por parte das ordens jurídicas internas;
c) O direito comunitário prima sobre qualquer regra de direito nacional sem excepção, incluindo a constituição dos Estados-membros, o que não acontece na maior parte dos Estados;
d) Que o primado não deve aplicar-se apenas às relações entre os Estados-membros e instituições mas que produz efeitos nas ordens jurídicas internas dos Estados, os juízes nacionais têm que garantir o princípio do primado.
Duas situações:
1º Consequência do princípio do primado:
a) Qualquer regra nacional incompatível com o direito comunitário deve ser expugnada do ordenamento jurídico;
b) Impedir a formação de novas regras contraditórias ao direito comunitário;
c) Obrigatoriedade que os Estados têm de reparar os prejuízos que resultarem de violações do direito comunitário[44].
2º Analisar a situação concreta entre direito comunitário e a constituição
O nosso Estado não admite que acima da Constituição esteja qualquer regra embora existam Estados que aceitem o direito comunitário como supranacional. A nossa Constituição não admite por duas razões:
1) São inconstitucionais as normas que infrinjam a Constituição, não abre excepção às disposições comunitárias (art. 277º/1 CRP);
2) Art. 204º CRP quando proíbe os tribunais de aplicarem regras que infrinjam as disposições da Constituição.
[38] Característica primeira das comunidades
[39] Indivíduos ou empresas.
[40] Por exemplo os arts. 99º/2 e 104º/7 TCE.
[41] Por exemplo arts. 133º/3 e 300º TCE.
[42] A não ser quando o direito comunitário se funde num acto de direito complementar e estará subordinado ao direito complementar.
[43] Gozam de efeito directo vertical e horizontal.
[44] Que lhe sejam imputáveis.