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B - Tipos históricos de Processo Penal

6. Processo tipo inquisitório

É um tipo de processo que é característico dos Estados absolutistas, com o poder absoluto dos Reis e da Igreja; e ainda dos Estados totalitários, em que se verifica uma posição de supremacia total do Estado sobre o indivíduo.

Há um juiz, mas que não é independente do poder político. E, ao mesmo juiz, à mesma entidade, compete instruir, acusar e julgar. Isto é, compete fazer a investigação, finda esta, se já coligiu elementos, deduz a acusação; e depois vai julgar.

Há uma prevalência total da verdade formal da verdade material. A confissão era a rainha das provas: bastava o arguido confessar o seu crime para que se fosse condenado. É a chamada verdade formal[3].

Ao arguido não eram reconhecidos direitos. O arguido era uma coisa, era um objecto a quem era feito o processo.

Por conseguinte era admitida a tortura para obter a confissão do arguido.

 

7. Processo tipo acusatório

O que caracteriza este processo é que o Estado e o cidadão estão em igualdade, um quer punir, o outro quer defender-se, são reconhecidos ambos os direitos.

O grande impulso deste processo surge com os filósofos, com os doutrinários da Revolução francesa e todo o movimento jus-naturalista, desde logo o Iluminismo, há que reconhecer os direitos inalienáveis da pessoa humana.

Nasce a teoria da separação constitucional dos poderes e surge a independência dos juízes: surge a publicidade, a contrariedade e a oralidade dos julgamentos.

No processo tipo acusatório entendia-se o processo penal como uma oposição de interesses:

a) Por um lado o Estado, a querer punir;

b) Do outro lado o indivíduo, a querer afastar a punição, a querer-se defender-se.

Ambos dispõem dos mesmos meios; não há supremacia por parte do Estado.

Vale o princípio do dispositivo, o processo pode ser transaccionado. Vale também o princípio do juiz passivo, o juiz limita-se a ouvir o que a acusação tem a dizer e o que a defesa tem a dizer; dá como certos os factos que não foram contraditados por cada uma das partes e profere a sentença, apenas com base nesses mesmos factos.

Resulta daqui uma sentença formal. O juiz apenas tem de ter em conta aquilo que não foi impugnado, é uma sentença formal, que resulta dos autos[4].

Em processo penal, neste tipo de acusatório, aquilo que não foi impugnado pela outra parte considera-se como certo, o princípio da auto-responsabilidade probatória das partes.

Tem-se também outro princípio, o princípio da total inocência do acusado até à condenação, todo o indivíduo se considera inocente até ser condenado.

A acusação e a prisão só são possíveis dentro das formas e dos casos previstos na lei. É a consagração do “nullum crimen sine legem”. Ninguém pode ser sentenciado por um crime que não está legalmente previsto, nem pode ser aplicada nenhuma pena que igualmente não esteja prevista.

 

8. Processo reformado ou misto

Misto porque tem-se aqui inserida uma fase investigatória que não se confunde com o processo inquisitório, mas que é levada a cabo por uma entidade distinta.

Consagra-se os princípios da contrariedade, da publicidade e da oralidade do julgamento e da livre convicção probatória.

Aparece a figura do júri, ao lado da criação do Ministério Público com o órgão judicial de acusação.

 

9. Processo mitigado

Criado em Portugal durante a vigência do Estado Novo.

Cria-se o Ministério Público, mas subordina-se a sua actividade ao juiz. A competência da instrução preparatória era do juiz: finda esta, ele ordena ao Ministério Público que acusasse. E se não concordasse com a acusação do Ministério Público, ele poderia ordenar que fizesse nova acusação, depois ia julgar.

Cria-se a figura do defensor, aparece como colaborador da realização dos interesses da administração da justiça. O defensor é a pessoa que vai assistir tecnicamente o arguido.

 

10. Sistema processual penal actual

Concebe o processo penal como parte da ordenação comunitária. Ele está ao serviço da comunidade e não ao serviço do Estado.

Caracteriza-se desde logo pela existência de um princípio não inquisitório, mas um princípio de investigação, integrado numa fase secreta que é chamado inquérito e que tem como finalidade esclarecer e instituir autoritariamente o facto que deve ser sujeito a julgamento.

É vedado ao Ministério Público, transigir, fazer qualquer acordo com o arguido ou com o defensor, no sentido de deixar de deduzir aquela acusação.

Caracteriza-se ainda pela existência de certas limitações à liberdade do arguido.

O Ministério Público actuará em todo o processo segundo princípios de estrita objectividade (art. 53º/1 CPP) e vinculado ao princípio da legalidade.

 

11. Direito Processual Penal como direito constitucional aplicado

Com o processo penal põem-se em causa direitos, liberdades e garantias do cidadão. Assim sendo, tem-se que admitir desde logo que ele tem de estar em concreta conformação com a Constituição.

O art. 29º CRP, vem dizer que “ninguém pode ser sentenciado criminalmente”, este “sentenciado” refere-se a toda a elaboração de um processo com vista ao provimento de uma decisão sobre o mérito ou dos méritos da actuação do arguido.

Há todo um princípio constitucional que está a regular e a atribuir aos Tribunais a administração da justiça e a forma como ela deve ser administrada (arts. 29º e 32º CRP).

Só a lei é que estabelece em que condições é se que podem ser restritas ou limitadas as liberdades dos cidadãos.

 

12. Fontes de Direito Processual Penal Português

a) A Lei:

- Lei internacional;

- Lei nacional.

Dentro da lei internacional, pode-se fazer uma referência a:

- Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão;

- Convenção europeia sobre os Direitos do Homem;

- Convenção europeia para a Repressão do Terrorismo; entre outras.

Dentro da lei nacional, tem-se:

- A Constituição da República Portuguesa;

- Código de Processo Penal;

- Lei Orgânica dos Tribunais;

- Lei Orgânica do Ministério Público.

b) A Jurisprudência

O art. 205º CRP, ao admitir que os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, faz com que não nos restem dúvidas de que as decisões dos Tribunais que administram a justiça em nome do povo constituem uma fonte material de Direito Processual Penal.

Dentro da jurisprudência, tem-se a jurisprudência judicial, a interpretação jurídica – como fonte material de direito – na medida em que tal interpretação se faz através de exigências juridicamente concretas, no caso concreto.

Os Tribunais, ao interpretarem a lei, estão exercer aqui uma função criadora; e fazem-no no caso concreto.

A lei é geral e abstracta. Cabe precisamente aos Tribunais aplicar a lei ao caso concreto e fazer a sua interpretação, isso é a função criadora da jurisprudência.

Tem-se depois a chamada jurisprudência obrigatória, como fonte formal de direito, a qual é estabelecida na sequência de recurso extraordinário, previsto no art. 437º CPP.

c) A Doutrina

A Doutrina é também uma fonte material de Direito Processual Penal, na medida em que lhe compete a construção dogmática jurídico-processual.

Tal como na jurisprudência, também através da Doutrina se pretendem encontram soluções justas e adequadas para concretos problemas da vida comunitária.

 

13. Interpretação da lei processual penal

Em toda e qualquer interpretação de uma norma processual penal têm que estar sempre presentes as normas da Constituição, esta tem que estar sempre subjacente a qualquer interpretação da lei processual penal, na medida em que esta tem de estar sempre em conformidade com a Constituição e com o próprio fim do processo penal.

 

14. Integração da lei processual penal

Nos casos omissos aplica-se, primeiramente os preceitos da legislação processual, terá o intérprete que se socorrer de preceitos do processo civil que se harmonizem com os princípios do processo penal. Só na falta de preceito em qualquer destes dois ramos que possa ser aplicado, deverá o intérprete socorrer-se dos princípios gerais do processo penal (art. 4º CPP).

 

15. Aplicação pessoal, no tempo e no espaço

a) Aplicação no espaço (art. 6º CPP)

Coincide com os limites do Estado português, sendo extensivo ao território português, nos termos e com os limites que são definidos em tratados (ex. as embaixadas).

b) Aplicação pessoal

Abrange todas as pessoas a quem é aplicado o direito penal. Tem restrições e limites, desde logo, as derivadas do próprio Direito Penal substantivo, etc.

c) Aplicação temporal (art. 5º CPP)

Em princípio rege a regra geral, que é a aplicação imediata da nova lei processual penal, princípio “tempus regis actum”, formulado no art. 5º/1 CPP, conduz a que os actos do processo criminal sejam regulados pela lei em vigor no momento da respectiva prática.

Deriva desde logo uma não retroactividade da nova lei processual penal, na medida em que os actos praticados na vigência da lei processual penal revogada mantêm a sua validade.

Sintetizando:

Regra geral – “tempus regis actum” – aplicação imediata da lei processual penal:

- Tem como corolário, a não retroactividade da lei processual penal;

- As excepções derivam das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 5º CPP e são:

* Agravamento sensível e evitável (tem de ser uma situação potencial) da situação processual do arguido;

* Quebra de harmonia e da unidade dos actos processuais.

[3] Hoje procura-se a verdade material, saber como é que realmente os factos se passaram.

[4] Não a que resulta da realidade de como os factos se passaram.
 

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