A - Introdução
1. Considerações gerais
Ao Direito Penal cabe a função de proteger os bens, os valores fundamentais da comunidade, através:
- Da prevenção de lesões que sejam de recear no futuro – a chamada função preventiva;
- A punição daquelas lesões, daquelas infracções que já tiveram lugar – função punitiva.
Esta função de protecção de bens e valores que são fundamentais da comunidade e centralizada (dotada de um poder central).
O Estado chama a si o exercício desta função, da protecção da ordem social, e pelo exercício da mesma, toda a tarefa de investigar e de esclarecer, de prosseguir, sentenciar e punir os crimes cometidos dentro da chamada área da sua jurisdição, isto é, dentro do território em que ele exerce a sua autoridade político-judiciária.
O estado vai administrar a justiça virado para os próprios particulares, na medida em que ele consagra o princípio da “nulla pena sine processum”, isto é, ninguém poderá ser sentenciado sem que primeiramente haja um processo, ou sem que seja através de um processo.
Este princípio garante que a aplicação das penas e medidas de segurança[1] só pode ser feita em conformidade com as disposições do Código de Processo Penal.
A aplicação do princípio nulla pena sine processum (art. 29º/1, 32º CRP, 2º CPP):
a) Garante desde logo todos os direitos que são concedidos ao arguido, na medida em que se respeita a dignidade humana do indivíduo, portanto, do infractor;
b) E por outro lado, constitui um limite à função punitiva do Estado, na medida em que perante o cometimento de um crime, de uma infracção de natureza criminal, o Estado não pode de qualquer maneira, de uma forma cega e brutal, punir essa pessoa; mas antes terá que o fazer através de um processo penal, segundo uma forma legal que ele próprio, através do que o órgão legislativo estipulou.
Portanto:
- É uma garantia para o cidadão, na medida em que lhe são garantidos determinados direitos que ele poderá exercer ou não;
- Traduz-se num limite ao próprio Estado, na medida em que impõe que o sentenciamento das infracções seja feito através de processo (s) regulado (s) por normas processuais.
O Direito Processual Penal, é um direito que vem fixar que vem definir as condições existentes e necessárias para averiguar se o agente praticou um certo facto, qual a reacção que lhe deve corresponder e qual a forma a aplicar.
O processo penal, é um conjunto de actos que tendem a investigar e a esclarecer a prática de um crime, encontrar o seu agente, a responsabilidade que lhe cabe e determinar a legislação que pune esse acto.
O Direito Processual Penal é o conjunto de normas que vão regular os actos de processo.
Cabe ao Direito Processual Penal e ao Direito Penal regulamentar as condições, os termos necessários para averiguar se um determinado agente praticou um crime.
Entre Direito Processual Penal e o Direito Penal, existe não uma relação de subordinação, mas uma complementaridade funcional.
No Direito Penal, para que haja aplicação de uma pena, isto é, para que o Direito Penal reaja, exige-se que haja o cometimento de um crime. O Direito Penal só exerce a sua função punitiva aquando do conhecimento exacto de quem cometeu o crime.
Para o Processo Penal, não interessa quem cometeu o crime, basta a notícia, basta que alguém chegue ao Ministério Público e diga: “está um homem morto no Parque Eduardo VII”.
Há notícia de um crime, quem foi não interessa, isto basta para desencadear o processo penal. Imediatamente se fazem as diligências necessárias com vista à investigação.
2. O fim do Processo Penal
A finalidade do processo penal é a descoberta da verdade e a realização da justiça.
Visa-se a comprovação, a realização, a definição e a declaração do direito ao caso concreto. Comprovar que uma pessoa pratica um determinado crime; definir e declarar qual a norma objecto do direito pelo qual deve ser punido.
Mais do que a chamada segurança jurídica, a finalidade do processo penal é alcançar a própria justiça.
3. Objecto do processo penal
É um conjunto de factos humanos, devidamente situados no tempo e no espaço, que integram os pressupostos de que depende a aplicação ao seu autor de uma pena ou de uma medida de segurança:
a) Conjunto de factos humanos, mas não de qualquer facto, factos que são crime;
b) Situados no tempo, se ainda é ou não é possível de sanção penal; saber também o “quando”, nomeadamente por uma questão de prova: o momento, a que horas, inclusivamente para a própria qualificação do crime;
c) Situados no espaço, para se saber qual o Tribunal que vai apreciar; interessa saber o local onde o crime foi cometido.
Este conjunto de factos tem de integrar outros pressupostos, de que dependem a aplicação de uma determinada pessoa, de uma pena ou de uma medida de segurança.
A averiguação destes factos é feita durante o inquérito ou, eventualmente, também na chamada instrução.
Nesta fase investigatória vai trazer-se para o processo tudo quanto possa incriminar ou não um determinado indivíduo. E portanto, nesta fase vão-se coligir os factos, tudo aquilo que interessa imputar ao arguido, porque há determinadas situações circunstanciais que não interessam.
Terminado o inquérito, o Ministério Público recolhe os elementos de facto e vai inseri-los na acusação.
O Tribunal só pode conhecer e só pode sentenciar os factos que constam da acusação, no processo que lhe é levado.
Dir-se-á que o objecto do processo penal é a própria acusação.
4. Âmbito do Processo Penal
O processo penal abrange o conjunto das normas que disciplinam, quer a intervenção da existência de um crime e a aplicação ao agente que praticou esse crime de uma pena ou de uma medida de segurança, mas também, numa fase posterior, o controlo da execução das reacções criminais.
O Processo Penal:
- Abrange não só a investigação, esclarecimento e punição do crime;
- Mas também o controlo da execução das reacções criminais.
5. Localização Direito Processual Penal no sistema jurídico
Ele faz parte do Direito Processual em geral.
O direito processual civil: um direito mais completo, que tem a ver com as relações entre as pessoas; o processo penal também tem a ver com as relações entre as pessoas e também entre as pessoas e o Estado.
Uma das formas de integrar lacunas em processo penal, será através do recurso às normas de processo civil, primeiramente normas de processo penal, depois normas de processo civil que se harmonizem com o processo penal.
Fazendo a comparação entre dos dois ramos de direito.
a) Direito Processual Civil:
Tem como causa uma relação de natureza privatistica, de direito privado. Pertence aos sujeitos dessa mesma relação, é dirigido por eles e dirige-se contra pessoas singulares ou colectivas.
Não implica necessariamente uma decisão judicial. As partes podem pôr fim ao litígio, ou podem nem sequer exercê-lo, podem nem sequer recorrer aos Tribunais. A investigação é levada a cabo pelas próprias partes: é ao autor que antes de fazer a petição inicial faz a investigação.
Se o réu não contestar, deverá ser condenado liminarmente. Em qualquer altura as partes podem vir ao processo para transigir. É uma relação de natureza privatistica.
b) Direito Processual Penal:
Tem-se uma relação de natureza pública, que inclusivamente só pode ser exercida contra pessoas singulares.
Tem de haver uma decisão, ou do Ministério Público para arquivar, por ex., o processo; ou do juiz de sentenciar ou absolver o arguido. O Ministério Público uma vez feita a acusação, já não pode desistir, não pode fazer acordos, não pode transigir.
Se há notícias de um crime público, o processo tem de ser desencadeado imediatamente, tem de haver investigação.
A submissão de um criminoso, de um arguido, a reacções criminosas, só pode dar-se dentro do Estado e pela via do processo[2].
O processo penal é praticamente indisponível.
Há os chamados crimes particulares, é como que uma declaração apenas entre dois sujeitos – entre o ofendido e o ofensor. Ele pode desistir do processo (não o Ministério Público, mas o assistente), é uma excepção.
O crimes semi-públicos, em que se o ofendido desistir da queixa o processo é arquivado.
Em processo penal à existência de uma fase de inquérito, uma fase secreta. É uma fase de investigação que é levada a cabo por uma entidade isenta – o Ministério Público. Não vigora o princípio da auto-responsabilidade probatória das partes. Isto é, se o arguido não contestar, não se consideram provados ou não se têm como provados os factos que lhe são imputados. Há a impossibilidade de qualquer transacção ou renúncia ao objecto do processo, não vigora o princípio do dispositivo.
Encontra-se uma quase total discricionariedade do juiz na investigação dos factos que constem da acusação o Tribunal tem inteira legitimidade e tem inteira discricionariedade para os investigar.
É um direito de natureza pública, porque nele intervém o Estado no exercício da sua função jurisdicional: ao Estado e só ao Estado compete a perseguição e condenação dos criminosos.
[1] De natureza criminal
[2] Princípio da nulla pena sine processum – ninguém será sentenciado sem que contra ele seja elaborado um processo.