A6 - INFANTICÍDIO
35. O privilegiamento e os seus elementos típicos
O fundamento do privilegiamento do homicídio da criança é pois, o estado de perturbação em que se encontra a mãe durante ou logo após o parto. E estes são simultaneamente os elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito. O estado de perturbação pode ser condicionado tanto endogenamente como exogenamente.
O objecto do facto é o filho. Do ponto de vista do bem jurídico trata-se pois aqui da vida de outra pessoa, nos precisos termos em que o elemento vale para efeito do tipo de homicídio, não da vida intra-uterina que constitui o bem jurídico do crime de aborto (art. 140º CP).
36. Conduta
A conduta consiste em a mãe matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora.
a) Matar
Assume, no presente contexto, precisamente o mesmo significado que igual elemento típico no crime de homicídio. Apenas se salientará que a conduta deve ter lugar durante ou logo após o parto, enquanto o resultado (a morte) pode ter lugar em momento posterior.
O crime pode ser cometido por omissão.
b) A conduta tem lugar durante o parto
Se ela ocorre, a partir do momento em que se inicia o processo de nascimento, quer dizer desde que se iniciam as contracções ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão da criança ou, em alternativa, desde que tem início o processo cirúrgico correspondente.
Que a conduta possa ter lugar logo após o parto é elemento relativamente ao qual suscita dúvidas se deve conferir-se uma conotação especificamente temporal ou antes psicológica, uma vez que, além deste requisito, se torna necessário que a mãe se encontre ainda sob a influência perturbadora do parto; de outro modo a lei não teria referido as exigências de que o facto ocorra durante ou logo após o parto e a mãe se encontre ainda sob a sua influência perturbadora, mas apenas esta última. A conduta tem por isso de ter lugar durante o qual é razoável supor segundo os pontos de vista objectivos dos conhecimentos da medicina, que a influência perturbadora deste ainda subsiste.
37. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É punível nos termos do art. 23º CP. Ela pressupõe que os actos de execução tiveram lugar, ou persistiram, durante ou logo após o parto e sob a sua influência perturbadora.
b) Comparticipação
Autora pode ser apenas a mãe da criança. Autoria mediata é possível, por exemplo, no caso de a mãe se servir de terceiro de boa fé para administrar uma poção fatal à criança. E o mesmo se diga da instigação nos casos em que esta deva ser considerada dentro do quadro da autoria (art. 26º in fine CP). Não se está por isso perante um crime de mão própria, mas apenas perante um tipo que pressupõe determinada qualidade especial de autoria, ser mãe da criança. Consequentemente não é punível – por este preceito mas eventualmente pelos arts. 131º, 132º ou 133º CP – a autoria mediata de terceiro que se serve da mãe para matar a criança durante ou logo após o parto e sob a sua influência perturbadora. O mesmo devendo afirmar-se para a cumplicidade de terceiro.
c) Concurso
O infanticídio consome a exposição ou abandono do art. 138º CP[4]. Discutível pode ser as relações de concurso do crime de infanticídio com crimes contra a integridade física.
[4] Concurso aparente.