L - Parte Especial do Direito Internacional Público
50. Direito das obrigações
Para as obrigações (provenientes de negócios jurídicos) a regra de conflitos básica é a do art. 41º CC: a lei competente é a que tiver sido designada pelas partes ou estas houverem tido em vista. Na falta de determinação da lei competente nos termos do art. 41º CC intervém o critério supletivo do art. 42º CC por força do qual serão aplicáveis:
a) Aos negócios jurídicos unilaterais, a lei da residência habitual do declarante;
b) Aos contratos, a lei da residência habitual comum das partes e, na falta de residência comum:
i) Aos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício;
ii) Aos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.
O princípio da autonomia: em matéria de obrigações procedentes de negócios jurídicos, e designadamente em matéria de contratos, prevalece os interesses das partes. Os interesses do tráfico jurídico ou da tutela de terceiros têm, neste domínio, pouca ou nenhuma expressão. É, portanto, em atenção ao interesse das partes que se deve determinar a conexão ou “localização” decisiva dos negócios jurídicos.
O Código Civil no art. 41º/2 adoptou a seguinte posição:
a) Se a escolha das partes recair sobre uma das leis com as quais o negócio, através dos seus vários elementos (sujeitos, declaração, objecto, execução, sanção), tenha uma conexão objectiva, ela será sem mais relevante;
b) Se não for esse o caso, então apenas será atendível se “recair sobre a lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes”. Admite-se portanto, que a escolha possa recair sobre uma lei não ligada ao negócio por qualquer conexão objectiva, mas neste caso haverá que examinar se tal escolha foi motivada por um interesse sério e digno de tutela – ou se foi apenas determinada por motivos caprichosos ou fraudulentos.
51. Direitos reais
a) Princípio básico da “lex rei sitae”
Segundo o art. 46º/1 CC é a lei do Estado em cujo território, as coisas se acham situadas que se aplica à posse, à propriedade e aos demais direitos reais. Pelo que respeita aos imóveis, este princípio da lex rei sitae tem atrás de si uma longa tradição. O mesmo princípio se aplica hoje aos móveis. Quanto a estes, porém, a tradição mais antiga fundava-se na máxima mobília personan sequuntur, mandando aplicar a lei pessoal (lei do domicílio) do titular do direito real. O recurso à lei pessoal ainda hoje se torna necessário pelo que respeita a coisas situadas em territórios que se não acham integrados em qualquer soberania estadual.
Depois de estabelecer no n.º 1 o estatuto básico dos direitos reais e da posse, o art. 46º/2 e 3 CC define dois estatutos especiais: um para a res in transito, isto é, para as coisas que são objecto de um transporte internacional, enquanto atravessam o território de um país com destino a outro país; e outro para os meios de transporte submetidos a um regime de matrícula. As primeiras, manda-se aplicar a lei do país do destino, e aos segundos a lei do país de matrícula.
Por último, no que respeita à capacidade para constituir direitos reais sobre imóveis ou para dispor deles, o art. 47º CC faz uma remissão condicionada à lex rei sitae, mandando aplicar esta lei, desde que ela assim determine. Não sendo este o caso, vale a regra geral, isto é, aplica-se a lei pessoal.
b) Âmbito de aplicação do estatuto real
Conforme resulta do art. 46º CC é por este estatuto que se rege a constituição, a transferência e a extinção da posse, da propriedade e dos demais direitos reais. Por ele se determinam, desde logo, a classificação das coisas, na medida em que esta classificação das coisas, na medida em que esta classificação interessa ao regime de direito material das mesas, os tipos de direitos reais admissíveis, as coisas susceptíveis de apropriação, os limites de propriedade, etc.
52. Direito da família
Segundo o art. 49º CC os requisitos de validade intrínseca do casamento, ou seja, a falta e vícios do consentimento e a capacidade negocial são regulados, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal de cada nubente que se apreciará, desde logo, quais as características que deve revestir o consentimento, quais as consequências da divergência intencional entre a vontade e a declaração (casamento simulado), do erro (simples ou qualificado por dolo, quando esta qualificação revele) e da coacção. A mesma lei determina ainda a habilitas ad núpcias, ou seja, toda a matéria de impedimentos matrimoniais.
Quando ambos os nubente têm a mesma lei pessoal, nenhuma dificuldade particular se levanta, visto ser uma única lei a reger a constituição do estado de casado. Tendo os nubentes leis diferentes, importa coordenar as duas leis pessoais. Conforme resulta claramente do art. 49º o nosso legislador seguiu o princípio da aplicação distributiva (e não cumulativa) das duas leis: aplica-se em relação a cada nubente, a respectiva lei pessoal.
53. Separação de pessoas, bens e divórcio
São muito acusadas as divergências entre as várias legislações neste domínio de matérias. Por isso, e porque os problemas da separação e do divórcio contendem com a própria concepção do casamento e da família, matéria sobre maneira melindrosa, não admira que este seja o campo em que com maior frequência e intensidade intervém a excepção da ordem pública, para afastar a aplicação do direito estrangeiro. Assim, entende-se que um tribunal português não deverá decretar o divórcio, mesmo entre estrangeiros, por fundamentos que não sejam para a lei portuguesa.
O art. 55º/1 CC determina como lei aplicável à separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio a lei designada pelos critérios estabelecidos no art. 52º CC. É essa, com efeito, a lei que fornece o estatuto básico da sociedade familiar (ver também art. 57º CC). A conexão decisiva em causa é, pois, uma conexão móvel, tal como aliás é postulado pela regra da submissão do estatuto pessoal à lei nova. A conexão decisiva há-de ser aquela que se verificar à data da acção do divórcio – e, designadamente, no dia da audiência de discussão e julgamento, se houver mudança entre a data da proposição da acção e a do julgamento.
54. Direito das sucessões
Pelo que respeita à determinação do estatuto sucessório básico ou estatuto sucessório tout court, deve partir-se da consideração de que hoje prevalece toda a parte, no plano do direito material, a ideia de que a devolução de todos os elementos da herança deve ser submetida às mesas regras, de acordo com a noção romanista de que a sucessão opera a transmissão de uma universalidade jurídica.
Ao estatuto sucessório cabe em geral regular todas as questões relativas à abertura, devolução, transmissão e partilha de herança. Desde logo, compete-lhe regular a abertura da sucessão é, em toda a parte, a morte física. Mas poderá porventura ser ainda a morte civil ou a entrada cara o claustro. As presunções de morte e de sobrevivência, devem ser reguladas também pela lei pessoal. Isto mesmo que se trate de presunções relativas a pessoas reciprocamente sucessíveis e que faleceram num mesmo acontecimento (comoriência). Quanto a este ponto, porém, não falta quem considere, sobre tudo na doutrina francesa, as presunções de sobrevivência como verdadeiras regras de devolução sucessória.
Ao estatuto sucessório cabe igualmente determinar o âmbito da sucessão. E de igual forma regulada pela lei da sucessão a capacidade sucessória, ou seja, a questão de saber quem tem capacidade para adquirir mortis causa.