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G4 - Ilicitude

97.  Introdução

O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que também analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre ilicitude material e ilicitude formal.

Nomeadamente a partir dum conceito de ilicitude material permita-se uma graduação do conceito de ilicitude, ao mesmo tempo que permitia descobrir novas causas de justificação e aderir à chamada justificação supra legal.

Quanto ao conceito de ilicitude pessoal e o contributo dado para esta categoria pelos finalistas.

Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos termos gerais e abstractos dum tipo legal de crime.

Se a tipicidade objectiva e subjectiva estiver preenchida, tem-se que o tipo indicia a ilicitude.

A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no sentido de que aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua globalidade, é algo que é contrário à lei.

Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é excluído pela intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da ilicitude ou causas de justificação. Estas são causas, que visam excluir a ilicitude do facto típico; visam dizer que aquele facto, que é típico, é aprovado pela ordem jurídica porque é um facto que está justificado.

Mas um facto justificado[38], não deixa por esse facto de ser um facto típico. Portanto um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.

Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos, ainda que aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída) não são valorativamente neutros.

A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma análise tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e da culpa. E isto porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que acaba por ser justificado é um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função de apelo, desde logo pelos fins das penas, visível em cada tipo legal de crime, quer-se dizer com isto que o legislador quando tipifica comportamentos o faz com uma determinada intenção.

Portanto, o tipo tem uma certa função de apelo:

- No sentido de que as pessoas não devem empreender essas condutas que a lei considera proibidas;

- Ou no sentido de fazer com que as pessoas adoptem determinadas condutas que a lei exige.

Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o facto esteja justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar, no entanto aprova-se que alguém mate outrem em legítima defesa.

 

98. Juízo de ilicitude

É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de desvalor que incide sobre o facto praticado, ou seja:

- A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um determinado facto que a ordem jurídica considera um facto proibido;

-  Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não adoptou o comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia.

Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que incide sobre o próprio facto.

Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de censura de culpa.

No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já um juízo individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não sobre o facto praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o agente actuou tendo praticado um facto ilícito, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, quando podia e devia ter actuado de harmonia com o direito. Portanto, no juízo de censura de culpa, o que se reprova é o agente (por isso é um juízo individualizado) por ele, naquele caso concreto, ter actuado ilicitamente, quando podia e devia ter actuado de forma diferente, ou seja, licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um juízo que procede necessariamente o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a ordem jurídica dirige ao agente um juízo de desvalor porque ele praticou um facto ilícito, então o juízo de ilicitude tem de ser anterior; tem se der firmado anteriormente que o facto praticado pelo agente é um facto ilícito.

 

99. Regras gerais e princípios que enformam as causas de exclusão da ilicitude

As causas de exclusão da ilicitude são determinada circunstâncias que, a estarem presentes excluem a ilicitude do facto praticado, ou justificam o facto típico praticado pelo agente.

Vigora um princípio, que é o princípio da unidade da ordem jurídica, ou o concerto unitário de ilicitude, princípio esse que está expresso no art. 31º CP. Portanto, o facto, não é ilícito quando a ilicitude for excluída pela ordem jurídica na sua globalidade.

Quando a ilicitude de um facto for excluída por qualquer elemento do ordenamento jurídico, então esse facto não deve ser visto, para o direito penal, como um facto ilícito, como um facto não justificado.

Como explicar este conceito unitário e esta exclusão da ilicitude, em sede de exclusão da ilicitude?

Desde logo por força do princípio da subsidiariedade do direito penal.

Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e emprestar a sua tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do direito não for suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos reputados como fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros ordenamentos jurídicos para determinados factos consideram que o comportamento é lícito, não deve vir o direito penal incriminar e emprestar a sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-penal, precisamente porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua consideração como facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.

As causas de justificação, como visam excluir a ilicitude e irresponsabilizar o agente, são normas penais favoráveis. Assim sendo, a elas não estão ínsitos os princípios de garantia e as limitações impostas, enquanto garante do princípio da legalidade, como acontece com as normas positivas ou normas que fundam positivamente a responsabilidade jurídico-penal do agente.

As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que estão enumeradas no art. 31º CP mas todas aquelas que o ordenamento jurídico na sua globalidade considera como relevantes para afastar a ilicitude de um determinado facto.

Inerente a toda a justificação existe uma ideia comum: não há participação em facto justificados, ou seja, a participação num facto justificado não é punida.

Quando existe comparticipação criminosa, quando existe um envolvimento plural de vários agentes no mesmo crime, uns desses agentes podem ser qualificados como autores e outros como participantes. A participação está prevista no art. 27º CP e participantes são os cúmplices e também, para alguma doutrina, os instigadores.

Quando se diz que não existe participação penalmente relevante, em termos de punição, dum facto justificado, significa que não existe punibilidade da participação num facto típico justificado.

Outra ideia comum às diferentes causas de justificação é a seguinte: inerentes a todas as causas de justificação existem elementos subjectivos. O elemento subjectivo da causa de justificação é, um elemento comum a todas as causas de justificação.

Toda a doutrina concorda num ponto: havendo elemento subjectivo da justificação só está aprovado, só está justificado, se se verificarem simultaneamente os elementos objectivos e subjectivos das causas de justificação.

Porém, verificando-se tão só a situação objectiva de justificação mas faltando o elemento subjectivo:

a) Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por tentativa;

b) Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é punido por facto consumado;

c) Outros autores distinguem consoante a causa de justificação tenha, quanto ao elemento subjectivo um elemento intelectual e um elemento volitivo:

* Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo não estiver preenchido o agente é punido por facto consumado;

* Se o elemento subjectivo da justificação prescindir do elemento volitivo e se contentar só com o elemento intelectual do conhecimento, ou seja, se o elemento subjectivo não tiver uma estrutura dupla, estão faltando o elemento subjectivo o agente é punido por facto tentado.

REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

 

a) Legítima defesa

 

100. Introdução

A legítima defesa assenta precisamente numa reacção a uma agressão actual e ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou terceiro. Essa reacção trem de ser uma reacção adequada, necessária a afastar ou repelir a agressão actual e ilícita.

Existe doutrinas que fundamentam a existência da legítima defesa, como causa de justificação: a doutrina monista e a pluralista.

a) Doutrina monista

Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia comum; a noção de ideia comum é que varia de autor para autor.

Poder-se-á dizer que inerente a todas as causas de justificação existe uma ideia de ponderação de interesses: do interesse a salvaguardar do interesse ameaçado. Portanto, uma ideia de ponderação de interesses.

b) Doutrina pluralista

Há quem considere diferenciadamente, para cada uma das diferentes causas de justificação, diferentes fundamentos.

101. Fundamentação da legítima defesa

Não é tanto uma ideia de ponderação de interesses, uma ideia de proporção entre o interesse ofendido e o interesse lesado com a defesa, mas a ideia de que o direito não deve ceder ao não direito. Esta ideia é de alguma forma visível se distinguir na legítima defesa duas vertentes:

- Uma vertente ao lado individual;

- Uma vertente ao lado colectivo-social.

E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum prisma) meramente individual, está uma ideia de auto-protecção.

Mas, quando se olha a legítima defesa já por um prisma social ou colectivo, vê-se que o seu fundamento é a reafirmação do direito negado. Se há uma reacção contra uma acção ilícita, de alguma forma está-se a repor um direito negado com a agressão, precisamente porque a agressão é ilícita.

Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa, pode-se assentar no seguinte.

Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-protecção (lado individual da legitima defesa) não há legítima defesa de interesses públicos. Quer-se dizer com isto que a defesa de interesses públicos é feita pelos meios coercivos normais, pelas forças públicas de defesa. No entanto, existem determinados interesses públicos que, ao serem ofendidos, podem ter uma certa repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se assim for podem defender-se interesses ou bens de natureza pública.

Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há legítima defesa de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto é, não há legítima defesa de terceiros se esse terceiro não se quiser defender ou não quiser ser defendido por uma determinada pessoa em concreto.

Como princípio, e ainda dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não há legítima defesa contra tentativa impossível.

Na ideia de reafirmação do direito negado e já numa perspectiva social da legítima defesa, pode-se assentar a seguinte ideia: a legítima defesa justifica-se e funda-se numa ideia de prevenção geral, numa óptica de prevenção geral inerente aos fins das penas visa-se evitar que as pessoas voltem a cometer crimes.

 

102. Distinção entre legítima defesa e direito de necessidade

Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de necessidade, não se exige que haja uma sensível superioridade entre o bem que se pretenda salvaguardar e o bem que é lesado com a defesa.

Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 34º CP uma pessoa só actua em direito de necessidade quando, para afastar um perigo que ameaça de lesão um determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que não seja superior ao bem que se pretende salvaguardar. Portanto, tem de haver uma ideia de ponderação entre os interesses a salvaguardar e os interesses lesados com o exercício do direito de necessidade.

 

103. Elementos da legítima defesa

O defendente, defende-se duma agressão actual e ilícita.

Uma agressão, para efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento humano que lese ou ameace de lesão um interesse digno de tutela jurídica. Tem de ser uma agressão humana. Dentro deste conceito de agressão também se entende que todos aqueles movimentos corpóreos que não constituem acções penalmente relevantes, não são considerados agressões para efeitos de legítima defesa, porque são movimentos que não são dominados pela vontade humana.

A agressão pode consistir ou num comportamento positivo ou numa omissão.

A agressão pode ser dirigida quer a bens ou interesses de natureza pessoal, quer a bens de natureza patrimonial do defendente ou de terceiro, consoante se esteja no âmbito de uma legítima defesa própria ou alheia. E é uma agressão qualificada: para além de haver uma agressão, ela tem de ser: actual e ilícita.

a) Agressão ilícita

É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir numa actuação criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de uma agressão não justificada, contra legítima defesa não existe legítima defesa.

b) Agressão actual

É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão que está em curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda dura.

Nos crimes duradouros há actualidade enquanto durar a consumação, isto é, há actualidade para efeitos de legítima defesa enquanto não cessar a consumação.

As situações em que falta o requisito da actualidade da agressão podem ser reconduzidas a situações de acção directa (art. 336º CC).

Existem também determinadas causas de justificação supra-legais, nomeadamente a legítima defesa preventiva.

São situações em que não existe uma agressão iminente, mas essa agressão é tido como certa, e portanto o defendente tem de antecipar a defesa para um estádio anterior ao da própria agressão. Por isso é que ela se designa legítima defesa preventiva.

Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual e ilícita, tem-se que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação (ou provocação pré-ordenada).

c) Mera provocação

A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão que até pode ter sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe legítima defesa. O que não pode é a agressão que o defendente repele ter sido pré-ordenada pelo defendente com o intuito de agredir simulando uma defesa.

Um outro elemento da legítima defesa, também de natureza objectiva, no entendimento da Profa. Teresa Beleza a impossibilidade de recurso à força pública, ou a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais.

A Profa. Cristina Borges Pinho na esteira de pensamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira considera que esta ideia de impossibilidade de recuso em tempo útil aos meios coercivos normais não é tanto um pressuposto da legítima defesa, mas é um problema que se reconduz à racionalidade do meio empregue, a adequação da defesa.

Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do meio que o defendente utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se vai ver se há ou não uma defesa necessária.

Se o defendente puder recorrer, em tempo útil aos meios coercivos e não o fizer, defendendo-se por suas próprias mãos, então pode-se dizer que o meio já não é adequado, mas é antes um meio excessivo.

Um outro elemento objectivo da legítima defesa é a racionalidade do meio empregue, ou defesa necessária: meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou de terceiro.

Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta causa de exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir uma agressão iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser vítima um terceiro, é um meio racional, adequado para afastar essa agressão. Se o meio utilizado pelo defendente para afastar a agressão for um meio desajustado, um meio que ultrapassa os limites da racional, então já não se está perante a situação de legítima defesa, estar-se-á no âmbito de um excesso de legítima defesa (art. 33º CP).

O que seja efectivamente o meio necessário para repelir a agressão deve aferir-se sempre no caso concreto.

Em teoria, pode-se dizer que o meio necessário é aquele dos vários meios que o agente tem à sua disposição, de eficácia mais suave, ou seja, aquele que importa consequências menos gravosas para o agressor. Mas, meio de eficácia suave, mas simplesmente meio eficaz, ou de eficácia certa.

Quer-se dizer com isto que, em última análise, a necessidade do meio empregue para repelir a agressão é aferida em concreto atendendo a múltiplos factores. Desde logo, atendendo:

- Às características da vítima (do defendente) e do agressor;

- Aos meios que o ofendente tenha à sua disposição;

- Ao meio com que o agressor ameaça de lesão o interesse jurídico protegido do defendente ou de terceiro;

- Etc.

104. Excesso de legítima defesa

As situações de excesso de legítima defesa, pela não verificação da racionalidade do meio empregue na defesa, porque é um meio que ultrapassa o necessário, faz com que já não esteja perante uma causa de exclusão da ilicitude. O facto é pois ilícito.

E sendo facto ilícito, contra um excesso de legítima defesa é admitida a legítima defesa.

Perante uma situação de excesso de legítima defesa, como o facto não está justificado, como o facto é ilícito, pode-se efectivamente actuar em legítima defesa.

Se o defendente, podendo recorrer à força pública para evitar a agressão não o faz e resolve actuar, mas usando um meio racional, tão só omitindo esta obrigação que é a de recorrer aos meios coercivo normais, então entende-se que há aqui uma situação de excesso de legítima defesa.

As situações de excesso de legítima defesa não justificam o facto praticado, este continua a ser um facto ilícito.

Nestas situações de excesso de legítima defesa[39], o facto praticado pelo defendente é um facto ilícito; pode ser objecto de uma atenuação especial facultativa da pena.

A defesa excessiva pode resultar também do art. 33º/2 CP onde se fala em não censuráveis, esta não censurabilidade é uma causa de desculpa.

O facto é ilícito, mas o agente não é punido: ainda que o agente, para se defender, tenha actuado ou respondido em excesso, ele não vai ser punido. O facto praticado pelo agente é ilícito, sendo ilícito constitui uma agressão ilícita em termos de poder ser defendida legitimamente.

Pode-se então dizer que o meio necessário para repelir a sua agressão é, dos vários meios que o agente tem à sua disposição, o mais suave[40], mas um meio de eficácia certa.

 

105. Restrições ético-sociais à legítima defesa

São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas com a sua capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas embriagada, etc. De um modo geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis, ou também daquelas pessoas que têm quanto à vítima uma relação de parentesco.

Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece, ficando tão-só, dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade de auto-tutela ou auto-protecção de interesses.

Estas restrições traduzem-se precisamente em considerar mais exigente o meio necessário para repelir essas agressões que partem das pessoas referidas.

106. Elemento subjectivo: “animus defendendi”

Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos subjectivos e referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão literal, em sede por hipótese de legítima defesa, que inculque a ideia ou a necessidade de ter presente este elemento subjectivo que é o “animus defendendi”, ou seja, a consciência que uma pessoa tem de que está na iminência de ser agredida é a vontade que tem de se defender.

A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento subjectivo do consentimento é precisamente o conhecimento do consentimento.

Se existe consentimento na realidade, mas o agente desconhece esse consentimento, o agente actua com falta do elemento subjectivo, porque não tem conhecimento do consentimento. E a lei diz: se assim for, se houver consentimento mas o agente actuar desconhecendo esse consentimento, ou seja, faltando o elemento subjectivo desta causa de justificação, o agente é punido por facto tentado.

O “animus defendendi” é a consciência que uma pessoa tem de que está perante uma agressão e a vontade que a tem de repelir, ou a vontade que tem de se defender dessa mesma agressão.

Existe divergência doutrinária quanto à falta do elemento subjectivo, quando estão preenchidos os elementos objectivos da legítima defesa.

Em primeiro lugar, existe unanimidade doutrinária (para aqueles que os elementos subjectivos integram as causas de justificação) no sentido de que se faltar o elemento subjectivo da legítima defesa ou de qualquer outra causa de justificação, concretamente se faltar o “animus defendendi”, o facto não está justificado – o facto é um facto ilícito.

A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes casos em que objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão só falta o elemento subjectivo.

É possível a analogia em direito penal?

Dentro deste entendimento, a analogia em direito penal só está proibida nos termos do art. 1º/3 CP quanto a normas penais desfavoráveis, normas penais positivas que fundamentam ou agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. Pelo agravamento ou criação de pressupostos de punibilidade e de punição.

Tratando-se de uma analogia favorável ao agente, as razões que vedam o recurso à analogia ínsitas no princípio da legalidade perdem razão de ser.

Ora, esta analogia do art. 38º/4 CP é favorável, porque é mais favorável ao agente ser punido por facto tentado do que por facto consumado:

- Em primeiro lugar, porque nem sempre a tentativa é punível: a tentativa só é punível quanto ao crime, a ser consumado corresponda pena superior a três anos de prisão (art. 23º/1 CP), a não ser que a lei expressamente diga o contrário;

- Por outro lado, na tentativa a pena é especialmente atenuada (art. 23º CP).

Portanto, é melhor ser-se punido por facto tentado do que por facto consumado.

107. Limite à legítima defesa resultado do art. 337º CC

Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado pela acção de defesa não seja manifestamente superior àquele que se pretende evitar, portanto joga-se aqui com uma ideia de ponderação de prejuízos entre os bens danificados com a defesa e os bens que se pretendem defender. O art. 32º CP não joga com essa ideia.

Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a legítima defesa na lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é possível recorrer aos próprios meios quando não seja possível fazê-lo através dos meios coercivos normais.

Essa situação não é um pressuposto da legítima defesa do art. 32º CP:

- Esta matéria em sede de direito penal é regulada não pelo Código Civil mas pelo Código Penal;

- Depois, porque o Código Penal é em relação ao Código Civil lei posterior;

- Finalmente, porque esta interpretação que se propõe, confere uma maior cumplicidade ao funcionamento da legítima defesa e, consequentemente, um alargamento da não responsabilização criminal do agente; de outra forma seria alargar o campo de punibilidade.

b) Direito de necessidade

108. Fundamentos

Esta causa de justificação vem prevista no art. 34º CP funcionando relevantemente, afastar a ilicitude do facto punível.

Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.

Note-se que o interesse ou bem jurídico cujo perigo se afasta tem de ser superior ao interesse sacrificado.

O estado de necessidade ora reveste a natureza de um verdadeiro direito de necessidade, e então é uma causa de exclusão da ilicitude, ora tem a natureza de causa de exclusão de culpa.

O Código Civil clarificou de algum modo a questão, admitindo no seu art. 339º CC um verdadeiro direito de necessidade, por consagrar ser lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente quer de terceiro.

Mas por esta via continuaram sem solução os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em o sacrificado tem maior valoração que não cabiam nem cabem manifestamente no direito de necessidade.

Por isso, a partir da vigência do Código Civil cimentou-se a teoria diferenciada do estado de necessidade, segundo a qual esse estado abrange casos de exclusão da ilicitude (havendo então um verdadeiro direito de necessidade) e de exclusão de culpa.

Nessa linha de orientação se integrou também o Código Penal ao estabelecer no art. 34º casos de direito de necessidade e no art. 35º de estado de necessidade desculpante.

O direito de necessidade torna a conduta lícita, dai a imposição feita no art. 34º-b CP quanto à superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar. Daí também que o art. 34º CP tenha que se conjugado com o art. 35º CP, particularmente com o seu n.º 1, e que uma vida nunca possa ser sacrificado no exercício de um direito de necessidade, já que, sendo o bem jurídico de maior valoração, nunca qualquer outro lhe pode ser superior.

Segundo a jurisprudência:

- O estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como consequência necessária de o não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao do crime. Depende ainda da verificação de outros requisitos, como a falta de outro meio menos prejudicial do que o facto praticado e probabilidade de eficácia do meio empregado.

 

109. Direito de necessidade

Esta causa de justificação vem prevista no art. 34º CP funcionando relevantemente afasta a ilicitude do facto punível.

Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.

O interesse ou o bem jurídico cujo perigo se afasta tem que ser superior ao interesse sacrificado. Isso diz-se expressamente um dos elementos do direito de necessidade, nomeadamente pela verificação do preceituado do art. 34º-b CP.

A causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, designada direito de necessidade ou estado de necessidade objectivo, também dito estado de necessidade justificante (art. 34º CP), precisamente para distinguir do art. 35º CP que prevê o chamado estado de necessidade, também dito estado de necessidade subjectivo ou desculpante:

- Enquanto que o direito de necessidade, ou estado de necessidade objectivo ou justificador é uma causa de exclusão da ilicitude;

- O estado de necessidade “tout court” ou estado de necessidade subjectivo ou desculpante é uma causa de desculpa.

Consequências desta distinção:

Em primeiro lugar, enquanto no art. 34º CP é excluída a ilicitude do facto típico, no art. 35º CP não se exclui a ilicitude do facto típico mas tão só a culpa. É portanto uma causa de desculpa, o facto permanece típico e ilícito.

Se assim é, é possível haver uma situação de legítima defesa perante uma situação de estado de necessidade do art. 35º CP. Já não é possível haver uma situação de legítima defesa face ao art. 34º CP porque este exclui a ilicitude e para efeitos da legítima defesa a agressão tem que ser actual e ilícita. Se o facto está justificado pelo direito de necessidade, contra facto justificado não há justificação.

Por outro lado, há uma importância também relevante porque, partindo da teoria da acessoriedade limitada, não há comparticipação num facto justificado. Ou seja, não se responsabilizam os comparticipantes se o facto imputado estiver justificado. Assim, se o facto praticado pelo autor, o facto principal, for um facto justificado pelo direito de necessidade do art. 34º CP os comparticipantes, virtualmente cúmplices ou instigadores, não terão também responsabilidade jurídico-penal, uma vez que o facto praticado é um facto lícito.

Já o contrário se passa no âmbito do estado de necessidade subjectivo ou desculpante do art. 35º CP porque não há comparticipação num facto lícito, mas já há comparticipação na culpa.

A culpa é um juízo de censura individualizado e pode existir uma causa de desculpa que beneficie um determinado agente e não aproveitar aos demais. Então só beneficia da causa de desculpa quem dela pode aproveitar, já podendo responsabilizar-se criminalmente os comparticipantes a quem essa causa de desculpa não aproveita. É por isso que a teoria se diz de acessoriedade limitada: porque delimita a responsabilidade criminal dos comparticipantes a um facto típico e ilícito praticado pelo autor. Se o facto for típico, mas não for ilícito, já falta um dos requisitos da acessoriedade limitada, portanto, já não há responsabilidade do participante.

As situações do art. 35º CP que têm relevância em sede de culpa (são causas de desculpa) são aquelas em que o agente age numa situação em que não tem uma normal liberdade de avaliação, de determinação e não lhe era exigível que ele adoptasse um comportamento diferente: ou porque está numa situação de flagrante desespero, de medo ou de coacção.

Pode-se então concluir que a superioridade que se exige nos termos do art. 34º CP entre o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico ameaçado pelo perigo não se mede em termos de quantidade: a quantidade não implica superioridade qualitativa.

 

110. Elementos do direito de necessidade

Em primeiro lugar, viu-se que por força do preceituado no art. 34º CP a situação de perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente, excepto se se tratar de proteger um interesse de terceiro.

O perigo tem que ser um perigo real e efectivo. Se o perigo for uma mera aparência de perigo, estar-se-á então no âmbito do chamado direito de necessidade putativo, aqui não há um perigo real e efectivo, há tão só um perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só na cabeça do agente, é uma situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo é só penado na cabeça do agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art. 16º/2 CP.

Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou seja, tem que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo esse que pode advir de factos naturais ou facto humanos[41].

É preciso ainda que cumulativamente se verifique outro elemento desta causa de justificação previsto no art. 34º-b CP: que exista uma sensível superioridade entre o interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado.

Isto passa pela análise de se verificar qual é o interesse mais valioso, daí que a doutrina por vezes aponte alguns índices para a determinação da sensível superioridade que tem de existir entre o interesse salvaguardado e o interesse sacrificado:

- A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens jurídicos em causa, por referência à axiologia constitucional;

- Deve atender-se também aos princípios ético-sociais vigentes na comunidade em determinado momento;

- À modalidade do facto;

- À reversibilidade ou irreversibilidade das lesões;

- Às medidas de culpa;

- À medida do sacrifício imposto ao próprio lesado.

Note-se quando se trate de bens eminentemente pessoais o seu número é irrelevante para aferir a superioridade entre um e outro. Em caso de igualdade de bens jurídicos, não há lugar à aplicação do art. 34º CP.

O último requisito previsto no art. 34º-c CP: a razoabilidade da imposição ao lesado do sacrifício do seu interesse, tendo em atenção o valor e natureza do interessa ameaçado.

Esta é uma limitação ético-social que visa proteger da violação a dignidade e autonomia ética da pessoa de terceiro, pois o direito tem de se conter e de se manter de certos limites, recuando mesmo, se necessário, em face desses valores.

Elemento subjectivo:

O agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para evitar esse perigo, que é uma probabilidade de lesão.

Se o agente desconhece a situação de perigo, mas objectivamente está perante uma situação de direito de necessidade “mutatis mutandis” aplica-se o regime geral da falta do elemento subjectivo da causa de justificação, responsabiliza-se o agente por facto tentado, se a tal houver lugar.

 

111. Estado de necessidade desculpante

Consagra-se no art. 35º/1 CP o estado de necessidade como obstáculo à existência de culpa.

O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 35º/2, 2ª parte CP). É que a isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver art. 74º CP), enquadrando-se o art. 35º/2 CP o instituto da dispensa de pena, porque ainda há culpa, embora em grau muito reduzido, e não no da isenção de pena, que afasta logo abinitio a punibilidade do facto.

Os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em que o bem sacrificado tem maior valoração que o ameaçado não cabem no âmbito do direito de necessidade e têm portanto que ser resolvidos por via dos normativos deste art. 35º CP.

A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve observar a ordem por que os enumera o art. 35º/1 CP. Trata-se de interesses eminentemente pessoais.

Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se que em princípio os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os patrimoniais e que a própria lei, pela indicação dada através das sanções, estabelece o escalonamento entre os interesses da mesma natureza.

A este respeito e dentro desta orientação, expendeu o Prof. Figueiredo dias “…são conhecidas as dificuldades que uma avaliação em concreto da hierarquia dos interesses conflituantes pode suscitar. Nesta matéria deve bastar-me com acentuar que pontos de apoio para a levar a cabo são oferecidos quer pela medida das sanções penais cominadas para a violação dos respectivos bens jurídicos, quer pelos princípios ético-sociais vigentes na comunidade em certo momento, quer pelas modalidades dos factos, a medida da culpa ou por pontos de vista político criminais. Como ainda e também, noutro plano, pela extensão do sacrifício imposto e pela extensão e premência do perigo existente. Mas para além disso no novo Código existe ainda, para a justificação, que seja razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza e ao valor do interesses ameaçado. Esta limitação ético-social do direito de necessidade – independentemente de saber se ela poderá ver-se já contida, ao menos em certa medida, na exigência de sensível desproporção dos interesses conflituantes – é, minha opinião, de sufragar incondicionalmente. O direito de necessidade, justificado, embora como disse por razões de recíproco solidarismo entre os membros da comunidade jurídica, tem em todo o caso de recuar perante a possibilidade de violação da dignidade e da autonomia ética da pessoa de terceiro. E isso mesmo quer dar a entender a alínea c) do art. 34º CP…”

Por maioria de razão, deve entender-se que há lugar a indemnização, se se verificarem os seus pressupostos no caso de estado de necessidade desculpante, pois que também o há no caso de direito de necessidade.

c) Outras causas de exclusão da ilicitude

112. Acção directa

Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima defesa, mas evitar a inutilização prática de um direito.

Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização prática de um direito, pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou apropria-se de uma coisa, ou destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa resistência.

Neste sentido, esta causa de justificação distingue-se também da legítima defesa porque assenta já numa ideia de ponderação de interesses, na medida em que o interesse inerente ao direito cuja inutilização o agente visa evitar tem de ser superior ao interesse lesado com a actuação do exercício da acção directa.

Distingue-se também da legítima defesa na medida em que esta causa de justificação não exige já o requisito da actualidade, exigindo como qualificativo da agressão na legítima defesa.

 

113. Direito de retenção

O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de Processo Penal.

De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de um crime que corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem deter esse indivíduo; os outros indivíduos, que não os agentes da autoridade podem proceder à detenção.

Em princípio, enquanto que para as autoridade públicas se trata do cumprimento de uma obrigação imposta por lei, para o comum dos cidadãos existe a faculdade de poder exercer o direito de detenção.

E isto, porque de um modo geral as pessoas não se podem andar a prender umas às outras, porque podem incorrer em responsabilidade criminal pelo tipo de sequestro; ou eventualmente para deter outra pessoas podem ter de lhe lesar a integridade corporal e pratica as ofensas corporais; ou podem ter de coagir o indivíduo a um determinado comportamento, tudo isto são factos típicos penalmente relevantes.

114. Direito de correcção

Direito de correcção que os pais têm sobre os filhos e que os professores têm sobre os alunos.

É esta uma causa de justificação entendida como de origem costumeira. O costume não é fonte de direito em direito penal, mas quando funciona como contra-norma, ou seja, afastando a responsabilidade penal do agente, portanto no âmbito de uma norma favorável, já não lhe vê serem-lhe aplicadas as limitações decorrentes do princípio da legalidade.

Portanto, o legislador aceita aqui o costume como causa de justificação ou de exclusão da ilicitude.

Qual é o fundamento desta causa de justificação?

Só são detentores e só podem invocar esta causa de justificação determinadas pessoas que tenham uma posição específica em relação a outra: pais em relação a filhos, professores em relação a alunos.

Este direito de correcção deve ser aplicado utilizando precisamente o meio adequado a exercer essa missão pedagógica do direito de correcção.

Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, tem-se o “animus corrigendi”ou a intenção de corrigir. Portanto, o agente tem que se aperceber da situação fáctica que carece de correcção e actuar com o objectivo de pedagogicamente corrigir aquela situação.

Quando o agente, para corrigir, excede o limite imposto, quando se afasta do meio necessário dentro da função pedagógica de reeducar, então já não há o preenchimento desta causa de exclusão da ilicitude.

 

115. Consentimento

O consentimento do ofendido está previsto, como causa de exclusão da ilicitude no art. 38º CP. Importa distinguir:

- Por vezes, o consentimento é uma causa de exclusão da ilicitude;

- Noutros casos, o consentimento já não faz parte da ilicitude, não íntegra uma causa de justificação, mas é um elemento do tipo ou da tipicidade, podendo ser um elemento positivo ou um elemento negativo do tipo.

Existem determinados tipos legais que só estão preenchidos por exemplo sem o consentimento do agente, neste caso o consentimento não é uma causa de exclusão da ilicitude, mas um elemento negativo do tipo, tem que se verificar a ausência do consentimento para que a tipicidade esteja preenchida.

Noutras vezes o consentimento é também um elemento do tipo, mas um elemento positivo, nestes casos, para que o tipo esteja preenchido é necessário que a vítima de alguma forma dê um certo consentimento à conduta desenvolvida pelo agente.

Quando o consentimento é um elemento do tipo e ele não está presente, o tipo está logo afastado; já não se vai ver se o comportamento do agente é ilícito ou não.

Quando o consentimento não for um elemento do tipo, mas uma causa de justificação, então é que se tem de verificar se o comportamento típico do agente está ou não justificado pelo art. 38º CP.

Desde logo são de referir as características da pessoa que dá o consentimento, não é qualquer pessoa que pode validamente prestar o consentimento: a lei indica desde logo no art. 38º/3 CP: só maiores de quatorze anos podem, validamente consentir.

Por outro lado, tem de ser um consentimento actual (art. 38º/2 CP). E só se admite o consentimento para justificar lesões a bens jurídicos que sejam livremente disponíveis pelo seu titular.

A integridade corporal é um bem jurídico que pode ser de alguma forma disponível. Portanto, há que adequar um pouco a motivação que leva ao consentimento da lesão e também a relevância em termos de reversibilidade ou irreversibilidade da lesão.

Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, é ele o conhecimento do consentimento. No art. 38º/4 CP prevê-se a punibilidade para o agente que actua perante uma situação objectiva de justificação, mas com a falta do elemento subjectivo da causa de justificação, ou seja, no art. 38º/4 CP prevê-se a punibilidade por facto tentado para quem lesar um bem jurídico livremente disponível pelo seu titular, desconhecendo que o seu titular consentia a lesão.

Consentimento presumido: vem previsto no art. 39º CP; neste há uma situação em que se permite a lesão de determinados bens jurídicos, tendo em conta que se o titular desses bens tivesses conhecimento das circunstâncias em que a lesão ocorre, teria consentido essa mesma lesão.

 

116. Conflito de deveres

É uma causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 36º CP. Trata-se daquelas situações em que se torna lícito ao agente não cumprir um dever se cumprir outro dever de categoria igual ou superior.

Se colidirem dois deveres a que o agente está obrigado, de igual valor, o agente tem a liberdade de optar por um deles, não cumprindo o outro, sendo certo que só tem a possibilidade de cumprir um deles.

Se colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de natureza superior, então está justificado o agente que não cumpre o dever de natureza inferior satisfazendo um dever de natureza superior.

Colidindo imesuravelmente dois deveres, sendo certo que o agente só pode cumprir um deles, está justificado o não cumprimento do outro dever ou da outra ordem, se tiver valor igual ou inferior ao dever (ou ordem) que o agente cumpre.

Esta causa de justificação, justifica-se, quando o cumprimento de um dever superior em deterimento de um dever jurídico ou de uma ordem de valor inferior, está aqui inerente uma ideia de ponderação de interesses.

Para o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito do art. 36º CP só há conflito de deveres quando colidem dois deveres de acção; já não é assim quando colidem um dever de acção e um dever de omissão.

Há quem entenda (e parece bem) que podem coexistir um dever de acção e um dever de omissão, desde o momento em que se trate de bens eminentemente pessoais, ou de natureza pessoal, aí o dever de acção cede sempre perante o dever de omissão.

 

117. Causas de justificação supra-legais

A justificação supra-legal não encontra o seu regime plasmado na lei, mas sai causas de justificação que se constroem a partir dos princípios gerais do ordenamento jurídico e, mais concretamente, a partir dos princípios que norteiam o regime jurídico da exclusão da ilicitude.

Assim, costuma a doutrina apontar duas causas de justificação supra-legais:

1) A legítima defesa preventiva:

Esta é aceite naqueles casos em que o defendente actua antes da própria agressão, mas com o intuito de a evitar, sendo aceite que o defendente não pode esperar pelo momento da agressão sob pena da sua defesa ser absolutamente ineficaz.

2) O direito de necessidade (ou estado de necessidade) defensivo:

É uma causa de justificação supra-legal que nasceu para de alguma forma dar cabimento à exclusão da ilicitude do crime de aborto, quando a interrupção voluntária da gravidez era efectuada sob indicação médica na medida em que o nascimento do feto poderia redundar na morte da mãe.

Para remover ou afastar o perigo de morte da mãe – mulher grávida – admitia-se esta causa de justificação supra-legal.

Hoje em dia e face à nossa lei tem-se um regime especial de justificação para o crime de aborto, e que se denomina precisamente “causas especiais de justificação do crime de aborto”. São causas de exclusão da ilicitude especiais, em sentido próprio. E isto porquê?

As causas de justificação estão plasmadas na parte geral e valem, em princípio, para toda a parte especial, ou seja:

- O consentimento enquanto causa de justificação pode servir para excluir a ilicitude de uma ofensa corporal, ou a ilicitude de outro tipo qualquer;

- A legítima defesa pode efectivamente justificar um homicídio, uma ofensa corporal, ou um outro tipo legal de crime, mesmo um furto.

Agora existem causas tipificadas na parte especial que o legislador cria para esses tipos concretos. Donde, as causas de justificação que estão contidas na parte especial do Código Penal e que valem só para aquele tipo legal de crime que a lei indica são designadas causas de justificação especiais.

Mas ainda se pode encontrar na parte especial do Código Penal causas de justificação especiais, umas que o são em sentido próprio e outras que o são em sentido impróprio.

Está-se perante causas de justificação especiais em sentido impróprio quando elas, estando embora previstas na parte especial do Código Penal para determinado tipo de crimes (e daí a sua especialidade) apresentam já uma semelhança muito grande com o que esta preceituado na parte geral do Código Penal a propósito do regime das causas de justificação. Outras causas de justificação há que, estando previstas na parte especial, têm um regime jurídico que não pode ser reconduzido, não tem atinência ou semelhança com o que está preceituado na parte geral. Essas são as designadas causas de justificação especiais em sentido próprio, de que é exemplo a justificação do crime de aborto.

 

118. Erro sobre os pressupostos de facto ou elementos normativos de uma causa de justificação

Tem-se “mutatis mutandis” precisamente o inverso do que acontece naquelas situações em que existe objectivamente uma situação de justificação mas falta o elemento subjectivo.

Aqui é precisamente o contrário: o agente tem o elemento subjectivo, falta é o elemento objectivo da justificação, por isso é que é uma causas de justificação putativa.

São situações que são reconduzíveis ao art. 16º/2 CP que exclui o dolo; e nos termos do art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade a título de negligência.

São aquelas situações em que o agente representa erradamente que está perante uma situação objectiva de justificação e actua com o elemento subjectivo correspondente a essa mesma causa de justificação que ele julga que está efectivamente presente, quando na realidade falta o elemento objectivo: falta um pressuposto de facto um elemento normativo dessa causas de justificação.

Para estas situações de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de causas de justificação, a solução esta consagrada no art. 16º/2 CP ou seja, o erro sobre um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude do facto, exclui o dolo.

Viu-se em sede do art. 16º/1 CP que fala em “erro sobre os elementos do facto típico” –, o dolo que estaria excluído seria o dolo do tipo.

Agora aqui pergunta-se: como é que o dolo do tipo pode estar excluído se o agente actuou, ainda que na convicção errada de que estava actuar em legítima defesa, não deixou, em termos de tipicidade, de conhecer e querer aquele resultado?

Como é que em termos de tipo ele actua como dolo e depois a consequência do art. 16º/2 CP é excluir o dolo?

Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:

1) Teoria rigorosa da culpa

Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está excluído. Então, aquilo de que o agente pode beneficiar nestas situações de erro é de uma atenuação da culpa, ou mesmo de uma exclusão da culpa.

E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial, consoante seja um erro evitável ou não evitável.

2) Teoria limitada da culpa

Para os partidários desta teoria, a consequência do erro sobre os pressupostos de facto ou elementos de direito das causas de justificação deve ser a mesma das situações de erro de tipo: aplica-se na mesma a exclusão do dolo como se de um erro de tipo se tratasse. E isto por analogia, ou seja, eles chegam à conclusão de que nesta circunstância o dolo de tipo deveria estar excluído, não porque dogmaticamente seja essa a solução, porque por um processo analógico, ou por uma entidade de razão, se deve estas situações como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse, portanto, por analogia aplicam o mesmo regime do erro sobre elementos do facto típico – o erro do art. 16º/1 CP.

Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está em erro sobre um elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do ponto de vista da tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz muito sentido excluir o dolo de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão do dolo de tipo (erro sobre elementos de facto, de direito ou sobre proibições) do art. 16º/1 CP o dolo está excluído porque:

- Ou há uma ignorância total da realidade;

- Ou há uma errada representação da realidade.

Porque há um erro ignorância ou um erro suposição.

3) Teoria dos elementos negativos do tipo

Elementos negativos do tipo são causas de justificação. O tipo é composto, para estes autores, não só pela tipicidade positiva (elementos positivos do tipo), mas também por elementos negativos, que são as causas de justificação, tudo isto faz parte do tipo de ilícito, porque eles não separam tipicidade, ilicitude e culpa como categorias diferenciadas.

Assim, as causas de justificação, que são elementos a ponderar em sede de ilicitude, categoria autonomizada da tipicidade, para eles são elementos negativos do tipo.

Ora, se as causas de justificação são elementos negativos do tipo, não deixam de ser elementos do tipo, logo, se há um erro sobre um elemento de uma causa de justificação, não deixa de haver um erro sobre um elemento do tipo. Se é um erro sobre um elemento do tipo então o dolo de tipo está excluído.

4) Teoria do Duplo enquadramento do dolo em sede de tipo e em sede de culpa (culpa dolosa)

O dolo tem um duplo enquadramento não só em sede de tipo, como elemento subjectivo geral, mas também em sede de culpa como elemento subjectivo do tipo, enquanto referenciador do facto proibido pela ordem jurídica ou enquanto referenciador do facto exigido pela ordem jurídica, é o chamado dolo de tipo, elemento subjectivo geral.

Mas em sede de culpa o dolo também tem alguma função a desempenhar: o dolo, ou a culpa dolosa, manifesta já o grau mais censurável da deficiente posição que o agente adopta para com a ordem jurídica quando se decide pela prática de um facto ilícito, podendo e devendo decidir-se de forma diferente, podendo e devendo decidir-se pelo lícito. Neste sentido ter-se-á a culpa dolosa e o referenciador do dolo de culpa.

Assim, para quem faz esta bipartição entre o dolo de tipo e a culpa dolosa (ou dolo de culpa) é fácil dizer que nestas situações de erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação o dolo de tipo não está excluído; então, quando muito, aquilo que se exclui é a culpa dolosa.

Nos termos do art. 16º/2 CP a estatuição é o “preceituado do número anterior”, que é a exclusão do dolo; e que o dolo abrange também o erro sobre pressupostos de facto ou de direito de causas de justificação ou sobre elementos da culpa.

 

119. Erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação (art. 17º CP)

Ambas as modalidades – erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação – são espécies do chamado erro sobre a ilicitude indirecto ou erro sobre a proibição indirecto.

No âmbito do erro sobre a existência de uma causas de justificação, como o próprio nome indica, tem-se desde logo aquela situação em que o agente actua, tem consciência que aquilo que está a fazer é um facto ilícito, é desaprovado pela ordem jurídica.

Mas pensa que aquele facto, no fim de contas irá ser aprovado pela ordem jurídica porque ele está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação que julga existir, quando na realidade a ordem jurídica não conhece essa causa de justificação, nem é possível inferi-la a partir dos princípios jurídicos gerais que norteiam o regime jurídico da exclusão da ilicitude ou da justificação.

Erro sobre a proibição indirecto, porque o agente em princípio tem consciência da ilicitude do facto, mas pensa que depois esse facto vai estar justificado quando na realidade não vai. Por isso é um erro indirecto sobre a proibição.

As situações de erro directo sobre a proibição são aquelas em que o agente:

- Actua conhecendo que aquilo que está a fazer é proibido;

- Ou não actua, desconhecendo que agir era uma obrigação.

Nas situações de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o erro sobre a proibição já é indirecto, porque o agente tem consciência do carácter ilícito do facto que pratica; ou tem consciência do carácter ilícito da omissão que desenvolve.

Simplesmente, julga que depois esses factos vão ser aprovados pela ordem jurídica, pela existência de uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude que a ordem jurídica afinal não conhece.

Um outro tipo de erro sobre a proibição indirecto e que tem a ver com causas de justificação ou de exclusão da ilicitude é o erro sobre os limites de uma causa de justificação.

Aqui o agente age desconhecendo o carácter proibido da conduta que empreende, mas está convencido que está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação, que na realidade existe e é reconhecida na lei; mas o agente erra quanto aos limites dessa causa de justificação.

Tem-se, portanto as situações de erro sobre a proibição indirecto ou erro sobre a ilicitude indirecto, seja erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causas de justificação, que não erros intelectuais, mas erros morais ou de valoração, e como tal o regime de relevância é dado pelo art. 17º CP.

Então distingue-se consoante esses erros sejam erros censuráveis ou erros não censuráveis, consoante esses erros sejam erros evitáveis ou erros inevitáveis, e assim:

- Se o erro for um erro evitável, logo um erro não censurável, nos termos do art. 17º/1 CP a culpa está excluída;

- Se pelo contrário for um erro censurável, porque evitável, nos termos do art. 17º/2 CP o agente é punido com a pena correspondente ao crime doloso que pode ser especialmente atenuada.


[38] Um facto que é aprovado pela ordem jurídica, porque nele intervêm relevantemente causas de exclusão da ilicitude.

[39] E o excesso é dado porque o agente excedeu o meio necessário à defesa.

[40] Aquele que menores consequências tem para o agressor.

[41] Factos humanos, sejam eles lícitos ou ilícitos, culposos ou inculposos.

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