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C - Situação jurídica dos sócios

 

Natureza jurídica da participação social

 

28.  Noção

O sócio entra para a sociedade com uma contribuição patrimonial em dinheiro ou em espécie assumindo, em contrapartida o “status” de sócio.

A posição jurídica de sócio respeita, pois directamente à sociedade e não se estabelece entre os sócios; é uma consequência da personalidade jurídica daquela.

A participação social ou socialidade é o conjunto de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio. O sócio tem desde logo direito a quinhoar nos lucros, a participar nas deliberações de sócios, a obter informações sobre a vida da sociedade e a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização a sociedade (art. 21º CSC). Por outro lado, os sócios são obrigados a realizar as suas entradas e a quinhoar nas perdas (art. 20º CSC).

O sócio adquire, face à sociedade uma situação jurídica complexa, composta por posições activas e passivas, direitos e obrigações. A fonte desses direitos e obrigações é o micro-ordenamento resultante da personalidade jurídica da sociedade a que o sócio aderiu mediante a subscrição ou aquisição da sua participação.

A situação jurídica do sócio tem de se moldar às finalidades da sociedade como estrutura jurídica da empresa e fica sujeita a três princípios:

1) Princípio do interesse social: corresponde ao interesse da empresa como entidade colectiva que constitui o substrato da sociedade comercial;

2) Princípio da finalidade lucrativa: a sociedade tem por definição, uma finalidade lucrativa – art. 980º CC – e os sócios, ao entrarem para a sociedade fazem-no interessadamente; ao transmitirem a sua entrada de bens para a sociedade, esperam obter uma vantagem patrimonial que pode consistir na distribuição de indivíduos, na valorização da sua participação ou no direito ao “bónus” da liquidação.

3) Princípio da igualdade de tratamento: encontra-se expressamente consignado no art. 13º CRP. Mas em direito privado, o princípio da igualdade de tratamento colide com o princípio da liberdade contratual – art. 405º/1 CC.

No direito societário, o princípio da igualdade de tratamento não está expressamente consagrado, como tal, mas resulta indirectamente de vários artigos do Código das Sociedades Comerciais – arts. 22º/1 e 2; 24º/1; 58º/1-b; 203º/2; 210º/4; 250º/1; 21º; 384º/1; etc. – e da vontade negocial tácita dos sócios, na ausência de qualquer estipulação no pacto social em sentido contrário.

Uma vez constituída a sociedade, o princípio da igualdade de tratamento poderá intervir em várias situações, normalmente para protecção de minorias, nomeadamente:

1) Na exigência do pagamento das entradas de capital;

2) No chamamento de prestações suplementares;

3) Na participação dos lucros e nas perdas;

4) Na atribuição do direito do voto;

5) Nas deliberações dos sócios;

6) Nos aumentos de capital social.

29.  Capital social

É o elemento do pacto social que se consubstancia numa cifra tendencialmente estável, “representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie.

No plano interno, nas relações que se estabelecem ad intra – dentro da sociedade – o capital pretende desempenhar:

- Uma função de determinação da posição jurídica do sócio (de determinação dos seus direitos e obrigações);

- Uma função de “arrumação” do poder entre sócios;

- Uma função de produção.

No plano externo, no âmbito das relações ad extra – para fora da sociedade – onde o capital social realiza igualmente funções de maior relevância, nomeadamente:

- A função de avaliação económica da sociedade; e

- A função de garantia.

Princípio da intangibilidade: o capital social diz-se intangível, querendo com isso significar, que os sócios “não podem tocar” no capital social, aos sócios não poderão ser atribuídos bens nem valores que sejam necessários à cobertura do capital social.

As obrigações dos sócios

 

30.  Obrigações de entrada

No contrato de sociedade os sócios subscrevem uma participação social – constituída por partes sociais, quotas ou acções – e obrigam-se a realizar ou liberar o respectivo valor (art. 980º CC).

Com a subscrição da participação social constitui-se a obrigação de entrada; a realização ou liberação do capital social é o acto de cumprimento dessa obrigação. As entradas dos sócios podem ser:

1) Entradas em dinheiro

A entrada inicial tem de ser depositada numa instituição de crédito antes da constituição da sociedade, como forma de controle, mas pode ser levantada após o registo da sociedade e, mesmo, antes, quando os sócios autorizem o seu levantamento pelos administradores para fins determinados, nomeadamente os encargos com a constituição, instalação e funcionamento da sociedade (arts. 202º/3 e 4; 277º/3 e 4 CSC).

Se o sócio não efectuar a entrada no prazo estipulado entra em mora depois de interpelado para efectuar o pagamento e fica sujeito às sanções legais e estatutárias (arts. 27º/3; 203º/3; 285º/2 CSC)

2) Entradas em espécie

Têm de ser claramente descritas no acto constitutivo da sociedade e podem consistir na transmissão de propriedade de coisas móveis ou imóveis, inclusive de um estabelecimento comercial, na transmissão de direitos da propriedade industrial, ou na transmissão de créditos, incluindo os próprios suprimentos à sociedade.

3) Entradas em trabalho

Correspondem aos chamados sócios de indústria, que só são admitidos nas sociedades em nome colectivo (art. 178º CSC) e nas sociedades em comandita quanto aos sócios comanditários (art. 468º CSC).

31.  Obrigações de prestações acessórias e suplementares

O Código das Sociedades Comerciais prevê a possibilidade de os estatutos estipularem, para além das obrigações de entrada, obrigações de prestações acessórias (arts. 209º e 287º CSC).

Estas prestações acessórias podem consistir, para além da obrigação de prestação de um serviço ou trabalho, na obrigação de ceder o gozo à sociedade de determinada coisa, móvel e/ou imóvel, ou de mutuar certa importância a título gratuito ou oneroso (art. 244/1 CSC).

32.  Dever de lealdade

O sócio está adstrito a um dever de lealdade e colaboração, que constitui um dever acessório de conduta em matéria contratual e um dever geral de respeito e de agir de boa fé.

Este dever é tanto mais alargado quanto maior for a “affectio societatis” do tipo societário e abrange mesmo a proibição do sócio exercer actividades concorrentes com a actividade social nas sociedades civis (art. 900º CC) e nas sociedades em nome colectivo (art. 180º CSC).

Direitos dos sócios

 

33.  Direito à qualidade de sócio

É o direito de o sócio não ser arbitrariamente excluído pela maioria.

- Limites

Princípio da conservação da empresa, que é uma aplicação do princípio do interesse social, o sócio, que pelo seu comportamento lesivo dos interesses sociais possa fazer perigar a subsistência da empresa, poderá ser afastado da sociedade, para salvaguarda da própria empresa.

Na verdade, nesse caso, o sócio não estaria ao exercer o direito à qualidade de sócio de acordo com a sua função social, mas sim numa situação de abuso de direito.

De igual modo, o aproveitamento da qualidade de sócio para praticar actos lesivos do interesse social é uma manifesta violação do princípio da boa fé.

- Casos legais de exclusão de sócios

A lei prevê os seguintes casos legais de exclusão de sócios:

* Falta de realização das entradas;

* Falta de realização das prestações suplementares nas sociedades por quotas;

* Exclusão por justos motivos;

* Aquisições tendentes ao domínio total.

Todavia, nenhum destes casos funciona automaticamente, isto é, verificado o facto cabe aos sócios a faculdade de deliberarem, ou não, a exclusão do sócio faltoso (arts. 246º/1-c; 373º/2 CSC).

Para além da exclusão judicial por justos motivos, o Código das Sociedades Comerciais prevê ainda a possibilidade de exclusão do sócio através da amortização forçada das quotas ou acções, verificados os casos expressamente previstos nos estatutos da sociedade mediante simples deliberações (arts. 232º e segs.; 241º/1 e 2; 374º CSC).

34.  Direito à informação

- Direito geral à informação

Tem contornos distintos em função do tipo de sociedade.

Nas sociedades em nome colectivo, o direito à informação é pleno e ilimitado, embora tenha de ser exercido pessoalmente pelo sócio, que, contudo, se pode fazer acompanhar de um perito (art. 181º CSC).

Nas sociedades por quotas o direito à informação é, em princípio, pleno, embora os estatutos possam estabelecer limites e regulamentá-lo, contanto que não seja impedido o seu exercício efectivo ou injustificadamente limitado.

Nas sociedades anónimas o direito geral à informação varia consoante a percentagem de capital detido pelo accionista ou grupo de accionistas que queira exercer o direito em conjunto.

- Direito à informação preparatória das assembleias-gerais:

Consiste no direito de os sócios consultarem, na sede social, desde a data da convocação da assembleia-geral (arts. 289º/1 – arts. 248º/1; 263º/1 CSC).

A falta de fornecimento das informações podem determinar a anulabilidade da deliberação (art. 51º/1-c/4 CSC).

- Direito à informação nas assembleias-gerais

Consiste no direito do sócio a que lhe sejam prestadas na assembleia-geral informações verdadeiras, completas e elucidativas sobre a sociedade e sociedades coligadas, que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação (art. 290º/1 – 248º/1 CSC).

35.  Direitos aos lucros

O direito aos lucros é um direito fundamental dos sócios, pois ele é a causa da sua participação na sociedade.

É inderrogável e irrenunciável, embora possa ser renunciável em concreto, após a aquisição pelo sócio do direito a determinado dividendo.

É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros, ou que o isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria, que não são admissíveis nas sociedades de responsabilidade limitada.

Art. 22º/1 CSC estabelece um princípio supletivo: os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores nominais das respectivas participações no capital. Preceito especial é o art. 178º/2 CSC, que isenta o sócio de indústria de participar nas perdas.

1) Conceito de lucro distribuível

Os lucros são apurados relativamente ao conjunto dos exercícios e não para cada exercício isoladamente. Vigora aqui o princípio da solidariedade dos exercícios sociais: no cálculo dos lucros não é possível considerar os lucros de um só exercício, fazendo abstracção dos que o precederam e dos resultados relativos.

Só haverá lucro distribuível quando o activo da sociedade for superior à cifra do capital social e da reserva legal, antes disso não poderá haver distribuição de quaisquer dividendos ou entrega de quaisquer bens aos sócios. A tal se opõe o princípio da intangibilidade do capital social.

2) Necessidade de deliberação social

A regra é a de que nenhuma distribuição de lucros ou de bens sociais pode ser afectada sem ter sido objecto de prévia deliberação dos sócios (art. 31º/1 CSC) e a deliberação da distribuição de lucros tem de ser precedida da prévia aprovação das contas.

3) Direito a uma distribuição periódica de lucros.

36.  Direito de voto

É um direito fundamental do accionista, também inderrogável e irrenunciável.

Todavia, nas sociedades anónimas, há um caso que os accionistas não têm direito de voto: são os titulares das chamadas acções preferenciais sem voto, que em contrapartida, conferem direito a um dividendo prioritário (art. 341º CSC). Mas mesmo nestas acções, se o dividendo prioritário não for pago aos accionistas durante dois exercícios, eles passam a poder exercer o direito de voto (art. 342º/3 CSC).

O princípio do interesse social reflecte-se no impedimento do direito de voto em caso de conflito de interesses entre o sócio e a sociedade.

Assim, o sócio está impedido de votar nomeadamente nas deliberações que recaíam sobre (arts. 251º e 384º/6 CSC):

a) Liberações de obrigações dos sócios;

b) Litígios entre o sócio e a sociedade;

c) Relações entre o sócio e a sociedade estranhas ao contrato social;

d) Exclusão do sócio;

e) Consentimento para o administrador exercer actividades concorrentes com a sociedade;

f) Destituição com justa causa dos administradores ou membros do conselho fiscal.

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