G2 - imputação objectiva
72. Nexo de causalidade ou nexo de imputação
É um elemento objectivo não escrito do tipo nos crimes materiais ou de resultado.
Dentro da teoria do facto punível e das categorias analíticas começou-se por analisar a acção. Verificando-se que havia uma acção penalmente relevante, essa acção tinha de ser subsumível a um tipo. E portanto o tipo tem uma determinada estrutura que é composta por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Para se verificar se aquela acção se subsume a um tipo legal, tem-se de ver se os elementos do tipo estão preenchidos; se os elementos objectivos estiverem preenchidos, vai-se então ver se os elementos subjectivos do tipo também estão preenchidos para, estando o tipo integralmente preenchido, passar a outra categoria analítica que é a ilicitude.
Se faltar um elemento objectivo do tipo, já não há tipicidade. E já nem sequer há que passar para a categoria seguinte, para analisar a responsabilidade jurídico-penal.
Há uma acção penalmente relevante, mas não é típica se não é típica, não há responsabilização penal do agente.
Nos crimes materiais ou de resultado, tem-se como elemento objectivo o nexo de causalidade ou nexo de imputação, que permite efectivamente imputar um evento a uma determinada conduta, em termos de poder responsabilizar uma pessoa por aquele facto que ocorreu.
Esse nexo de causalidade, sendo um elemento objectivo do tipo nos crimes materiais, de resultado, ou omissões impuras, é um elemento não escrito do tipo, não está lá escrito, excepto se se tratar de um crimes de realização vinculada.
A imputação objectiva só existe nos crimes materiais, nos crimes de resultado ou nas omissões impuras, nos crimes de mera actividade, como a conduta do agente consuma desde logo o tipo legal e não é necessário que espaço-temporalmente algo se diferencia, não há nada a imputar. A própria conduta consuma o tipo legal de crime.
O nexo de causalidade pressupõe que entre os fenómenos se estabeleça um nexo causal em relação de causa e efeito. Quando se fala em imputação objectiva, pressupõe-se que entre fenómenos exista um nexo relacional.
Portanto, imputação objectiva e causalidade não são a mesma coisa, porque, pode haver causalidade e não haver imputação objectiva; da mesma forma que só artificialmente é que se poderá falar de causalidade e no entanto haver imputação objectiva.
Esta matéria de imputação objectiva mais na faz do que decidir quando é que se pode responsabilizar criminalmente uma pessoa por alguma coisa que ela fez. E nomeadamente, ver se é possível aferir, em termos de nexo de imputação, um determinado resultado, um determinado evento ou uma determinada conduta humana.
E só havendo nexo de imputação, esse nexo relacional, que não tem de ser necessária e forçosamente causal, é que se pode afirmar a responsabilidade jurídico-penal do agente.
73. Teoria da causalidade ou teoria “conditio sine qua non” ou teoria da equivalência das condições
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado a uma determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade, que pressupõe a existência de um nexo causal entre um determinado resultado e uma conduta, em termos de causa e efeitos.
A causa de um determinado resultado é toda a circunstância sem a qual o resultado não se produziria. Neste sentido todas as condições se equivalem enquanto causa do mesmo resultado. Ou seja, para os partidários da teoria “conditio sine qua non”, eles partiam dum processo hipotético de eliminação para verificar se um determinado comportamento podia ser ou não causa de um determinado resultado.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se abstrair dessa conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o resultado, abstraindo da conduta, se mantém ou não. E chega-se a esta conclusão: se abstraindo do comportamento o resultado permanecer é porque aquele comportamento não é causa de resultado.
Se pelo contrário, abstraindo-se do comportamento ou da conduta, é causado também desaparecer, então é porque o comportamento é causa do resultado. E isto faz com que exista um encadeamento causal infinito e leva a exageros de responsabilidade criminal.
Isto porquê? Porque eles nivelam todas as circunstâncias enquanto condição da produção do resultado; todas concorrem equivalentemente para a produção do resultado, sem que haja a possibilidade para se parar entre causas relevantes e causas irrelevantes.
Todas as circunstâncias se equivalem em termos de produção do resultado típico. Daí que esta teoria seja também chamada a teoria da equivalência das condições.
Mas quando à partida a relevância da causa for desconhecida, a teoria pouco ou nada diz sobre a manutenção ou não do resultado.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não resolve os casos de imputação na chamada causalidade cumulativa e na chamada causalidade virtual ou hipotética.
Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta teoria, é a de que esta teoria, já excessiva na responsabilização criminal, por referência ao conceito de causa que tem, e porque não permite distinguir entre causas relevantes e irrelevantes e irrelevantes porque todas as circunstâncias são condições aptas à produção do resultado, então este conceito naturalístico de causa não consegue explicar a imputação nos crimes omissões impuros ou impróprios.
74. Teoria da causalidade adequada ou teoria da adequação
Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 10º, quando equipara a acção à omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um determinado resultado, o facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente construção da “conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do mesmo resultado, mas são só importantes aquelas causas ou aquelas condições que sejam aptas, que sejam, no sentido de importarem a obtenção de determinado resultado.
E para a determinação de que se considera causa adequada utiliza-se um juízo de prognose objectiva posterior, ou prognose objectiva póstuma.
Neste juízo vai-se verificar se, para um homem médio, para um agente médio colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar daquele comportamento em concreto, era previsível que resultasse aquela ocorrência ou que desse comportamento resultasse aquele evento em concreto.
- Se se pudesse afirmar um juízo de previsibilidade, então dir-se-á que o comportamento é causa adequada à produção desse resultado;
- Se, pelo contrário, não se puder afirmar um juízo de previsibilidade, então, ter-se-á de considerar que aquele comportamento não é causa, no sentido de causa adequada, à produção do resultado.
75. Juízo de prognose póstuma ou posterior
Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou póstuma, porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o resultado, quer-se efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse resultado já ocorrido. Por isso é que é uma prognose – uma previsão –, mas é póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se, actuando daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento, mas vai-se efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração paralela na esfera laica do agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem médio colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente, se para ele era previsível que daquela conduta ocorresse aquele resultado.
Na descoberta do critério da causalidade adequada hão-de estar presentes não só elementos objectivos, não só o recurso à ideia da valoração feita pelo homem médio, mas há que entrar em linha de conta também com os conhecimentos concretos que o agente tenha daquela situação.
Para encontrar a verdadeira adequação, há que recorrer também aos conhecimentos que o agente tenha no caso concreto.
Qual é o critério para se discernir se uma causa é adequada ou não à produção de um determinado resultado?
Fazendo-se este juízo de prognose objectiva póstuma, faz-se entrar também em linha de conta os conhecimento que o próprio agente tinha daquela situação.
Contudo, são várias as críticas que se podem fazer a esta teoria da adequação e que são as seguintes:
Em primeiro lugar, é uma doutrina que postula, para a adequação da causa, elementos de natureza subjectiva, uma vez que se tem de ter também em conta os conhecimentos que o agente tinha da situação. E portanto já não se faz totalmente uma prognose objectiva posterior, porque ela não é mesclada por uma subjectividade, pelos conhecimentos que o agente tinha da própria situação.
Por outro lado, este critério, ou esta ideia de previsibilidade em que assenta a teoria da adequação é um critério algo impreciso. E isto porque, postulando um conhecimento da realidade e do mundo objectivo, não há dúvida nenhuma que esse conhecimento é residual.
Finalmente, não se pode esquecer também que sendo categórico o juízo de previsibilidade, ele só se pode afirmar ou negar.
76. Teoria do risco ou dos critérios do risco
Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que vêm introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias antecedentes: quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a teoria da “conditio sine qua non” ou da equivalência das condições. É a chamada teoria do risco, ou dos critérios do risco.
Os critérios do risco já não se fundam única e exclusivamente numa ideia de causalidade, já não estabelecem um nexo de causalidade causa – efeito entre fenómenos. Estabelecem antes um nexo de imputação, ou um nexo relacional, uma qualquer relação entre fenómenos.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo certo que a ideia de causalidade em sede de imputação objectiva é um pressuposto mínimo ou um limite máximo que não se pode dispensar.
Por vezes, a causalidade, o nexo de causalidade, não chega, não é suficiente para explicar a imputação objectiva porque, pode existir causalidade, pode existir um nexo de causa e efeito entre dois fenómenos e no entanto não haver lugar a imputação objectiva.
Perante a teoria do risco entende-se que só faz sentido considerar um evento, em termos jurídico-penais, consequência de um determinado comportamento, sempre que o agente, através do comportamento empreendido, criar um risco relevante, um risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica.
Portanto, só faz sentido imputar um resultado, ou uma conduta humana, quando o agente com aquela conduta:
- Criou um risco juridicamente relevante, proibido pela ordem jurídica;
- Ou então aumentou o risco existente;
- Ou ainda, quando não diminui um risco proibido.
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de ser criado, aumentado ou não diminuído o risco proibido.
Só haverá lugar a imputação objectiva quando o agente, através da sua conduta, tiver criado, aumentado ou não diminuído risco proibido.
Existem dois casos em que não há imputação objectiva:
- Nos casos em que o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado no sentido de adiar, minorar o evitar a produção de um resultado lesivo, ou seja, nos casos de diminuição do risco;
- E nos casos de risco lícito ou permitido[31].
Portanto, quando as situações estiverem fora do âmbito da esfera de protecção da norma, também não há imputação objectiva.
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a mesma coisa.
A relação entre um determinado comportamento humano e um resultado, para efeitos de punição, não tem que ser sempre necessariamente causal; e mesmo quando seja causal, essa relação muitas vezes não é suficiente para afirmar a responsabilidade jurídico-penal do agente. É o que acontece nomeadamente no caso dos crimes omissos impuros (ou omissões impuras), em que não há uma causalidade em termos naturalísticos.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação objectiva, são casos de diminuição do risco[32].
Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma actuação negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da origem a um determinado evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse um comportamento lícito, mesmo que o agente actuasse diligentemente, com a observância de todos os cuidados que lhe são impostos e de que era capaz, o resultado produzia-se na mesma.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos para aqueles que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o chamado comportamento lícito alternativo.
77. Desvios do processo causal
Quando uma pessoa pretende praticar um determinado crime, quando pretende a obtenção de um determinado resultado típico, prevê normalmente a forma de obtenção desse evento ou desse resultado típico, constrói, concebe um determinado processo causal, isto é, faz desencadear uma série de acontecimentos que vão produzir o evento pretendido pelo agente.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do evento ou do resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há diversos tipos de desvios no processo causal:
- Desvios relevantes ou essenciais;
- Desvios irrelevantes ou não essenciais.
O critério utilizado para verificar se o desvio no processo causal é um desvio relevante ou não relevante, isto é, se é um desvio essencial ou não essencial, é o mesmo critério de previsibilidade que se utiliza para aferir da adequação da causa na teoria da adequação.
Ou seja, pergunta-se se, daquela actuação do agente seria previsível que ocorresse um risco tal que levasse à produção daquele resultado.
- Se se afirmar essa previsibilidade e se disser que era previsível, então trata-se de um desvio irrelevante;
- Se, pelo contrário, se afirmar que não era previsível, então trata-se de um desvio relevante ou essencial.
Portanto, nos casos de desvio irrelevante ou não essencial do processo causal, há sempre imputação objectiva.
78. Processo causais atípicos
São aquelas situações em que o agente consciente e voluntariamente provocou o desvalor de acontecimento atípicos ou estranhos, isto é, provocou o desenrolar de acontecimento que vão dar origem a um determinado resultado por ele pretendido, mas através dum processo anormal, dum processo atípico ou estranho.
Causalidade virtual ou hipotética
É aquela causa que acontecem se isto ou aquilo não se verificasse ou não ocorresse; se não se verificasse outro acontecimento que é, esse sim, a condição ou a causa real.
79. Comportamento lícito alternativo
São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento negligente, não observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é capaz e, com esse comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um resultado lesivo; mas prova-se que, mesmo que o agente actuasse diligentemente, observando todos os deveres de cuidado, o resultado lesivo seria o mesmo, os chamados casos de comportamento lícito alternativo.
Isto é, o agente teve um comportamento ilícito. Mas se tivesse sido um comportamento lícito, o resultado seria exactamente o mesmo.
Nestes casos, os defensores da ideia de risco dividem-se:
- Há aqueles que dizem que nos casos de comportamento lícito alternativo não há lugar a imputação objectiva;
- E há aqueles que dizem que nestes casos deve firmar-se a imputação objectiva do agente.
80. Consagração no âmbito legislativo do art. 10º CP
O legislador relativamente ao art. 10º CP, equipara a acção à omissão e que ai se consagrar as chamadas omissões impuras ou impróprias.
Nos termos do art. 10º/1 CP, diz-se que quando um determinado crime, ou um determinado facto típico, compreende um resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida para a imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da adequação que, sendo no entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, completada pelos critérios de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco.
Assim, em termos de imputação objectiva o quadro doutrinário no nosso país é o seguinte:
- O Prof. Cavaleiro Ferreira e o Prof. Eduardo Correia utilizam basicamente a teoria da adequação para formular a imputação objectiva;
- O Prof. Figueiredo Dias utiliza já alguns critérios do risco;
- A tendência é hoje cada vez mais para se adoptar:
* Ou uma teoria da “conditio sine qua non” e introduzir-lhe depois determinados correspectivos com os critérios do risco;
* Ou, pelo contrário, partir de uma teoria da adequação – causalidade adequada – e corrigi-la depois com os critérios ou ideias do risco.
Para afirmar a imputação objectiva assenta-se no critério básico da teoria da adequação, num critério de previsibilidade assente num juízo de prognose póstumo ou posterior.
Introduzem-se depois correcções a esta teoria, correcções essas trazidas pela ideia de risco, nomeadamente os casos de diminuição do risco, os casos de risco permitido ou risco lícito, os casos que se situam para além da esfera de protecção da norma, em todos eles há causalidade mas não há imputação objectiva.
Ainda um outro correctivo introduzido por força de um princípio dominante no Direito Penal, que é o princípio da responsabilidade pessoal ou individual em Direito Penal e não responsabilização por facto alheio.
[31] São riscos lícitos ou permitidos, porque são inerentes à própria sociedade em que as pessoas vivem.
[32] Quando o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado, no sentido de evitar a produção de um risco, de o adiar, ou de evitar um risco maior.