G - Teoria geral do facto púnivel ou teoria da infracção
44. Introdução
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos pressupostos de punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos tipificados na lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e para que dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para o agente daquela infracção.
Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que consiste numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.
Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei penal.
Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da teoria da infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente relevantes, de factos criminosos.
E através do estudo destas categorias analíticas pode-se determinar a responsabilidade jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la ou excluía, através duma análise de subsunção progressiva.
45. Acção penalmente relevante
É todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.
Através deste conceito, já se está a excluir a responsabilidade jurídico-penal de comportamentos que provêm não de pessoas mas de animais.
Ter-se-á depois de verificar o seguinte: se está em presença de um comportamento humano dominado pela vontade, tem-se de ver se esse comportamento humano preenche ou não um tipo legal de crime.
Tem-se de ver se essa acção preenche a tipicidade de um dos tipos previstos na parte especial do Código Penal, ou então em legislação penal lateral.
Para isso é preciso verificar se essa acção é típica, isto é, é necessário verificar se estão preenchidos os elementos objectivos[21] e subjectivos[22] de um tipo legal.
Como se verifica se a acção é típica?
Tem-se efectivamente de analisar esta categoria que é a tipicidade, tem-se de verificar se aquela actuação humana se subsume ao tipo normativo na previsão dos seus elementos objectivos e subjectivos.
Depois, tem-se de ver se o elemento objectivo do tipo está preenchido.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então o que é o dolo: consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um tipo legal.
Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria analítica que é composta por elementos subjectivos e objectivos, estando integralmente preenchida indicia a ilicitude.
46. Ilicitude
A ilicitude num sentido formal, é a contrariedade à ordem jurídica na sua globalidade, de um facto ilícito é um facto contrário à ordem jurídica, contrário ao direito.
Mas numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social, numa ofensa material a bens jurídicos.
Em princípio da lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas a ilicitude indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída.
Pode estar excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêem apagar o juízo de ilicitude do facto típico, são as designadas causas de justificação que, a estarem presentes, justificam o facto típico, excluindo a ilicitude indiciada pela própria tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção penalmente relevante e a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se verifique nenhuma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude.
Na maior parte dos casos em que as pessoas cometem crimes não estão a actuar ao abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude.
47. Culpa
É a categoria analítica do facto punível.
Sabendo-se que só se pode formular um juízo de censura de culpa sobre um imputável, porque as penas só se aplicam a quem seja susceptível de um juízo de censura de culpa; àquelas pessoas a quem não for susceptível formular um juízo de censura de culpa aplicam-se medidas de segurança, é nomeadamente o caso dos inimputáveis e dos menores de 16 anos.
Logo, para que o juízo de culpa possa ser formulado é preciso que o agente tenha capacidade de culpa. O agente não tem capacidade de culpa se tiver menos de 16 anos, ou se for portador de uma anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado.
Mas para além de ter capacidade de culpa, o agente também tem de ter consciência da ilicitude do facto que pratica; e para além da capacidade de culpa e da consciência da ilicitude é preciso, para se formular sobre o agente um juízo de censura de culpa, que o agente não tenha actuado em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
48. Punibilidade
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda preciso que seja punível.
Então chega-se à conclusão que por vezes existem determinados factos praticados no seio de acções penalmente relevantes, típicas, ilícitas culposas, mas contudo os agentes não são punidos. E porque é que não há punibilidade em sentido estrito?
- Ou porque não se verificam condições objectivas de punibilidade;
- Ou então porque se trata de uma isenção material, no caso de desistência;
- Ou porque se trata de uma causa pessoal de isenção de pena.
Porque é que se fala numa subsunção progressiva?
Porque quando se analisa a responsabilidade jurídico-penal de alguém, tem-se de analisar detalhadamente todas estas categorias.
Ainda que intuitivamente se possa dar automaticamente a resposta, tem-se de percorrer estas etapas porque, por hipótese, se chegar à conclusão que aquele comportamento não foi dominado nem tão pouco era dominável pela vontade humana, imediatamente se nega a responsabilidade criminal do agente.
Os tipos, a não ser quando a lei expressamente o diga, são sempre dolosos.
O estudo analítico do crime, da teoria da infracção, vai permitir:
- Por um lado, fazer uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal;
- Por outro lado, vai ter uma vocação de subsunção progressiva.
Mas se hoje, entende-se que o crime é uma acção típica, ilícita, culposa e punível, esta tripartição entre tipicidade, ilicitude e culpa é uma conquista dogmática da Escola Clássica. E à Escola Clássica segue-se cronologicamente a Escola Neo-clássica, e a esta segue-se a Escola Finalista.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma acção típica, ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas considerava como integrante de cada uma destas categorias analíticas é que diverge.
Escola Clássica:
- Beling/Van Listz;
- Acção – naturalista (acção natural);
- Tipicidade – correspondência meramente externa, sem consideração por quaisquer juízos de valor; só elementos objectivos e descritivos;
- Ilicitude – formal;
- Culpa – psicológica (inserção de todos os elementos subjectivos – dolo e negligência).
- Criticas – os factos penalmente relevantes com negligência e os comportamentos omissos.
Escola Neo-clássica:
- Prof. Figueiredo Dias;
- Acção – negação de valores;
- Tipicidade – o tipo tem também elementos normativos e determinados crimes têm também na sua tipicidade elementos subjectivos;
- Ilicitude – material;
a) Permite graduar-se o conceito de ilicitude;
b) Permite a descoberta ou a formação de causas de justificação.
- Culpa – censurabilidade: pressupostos da culpa – capacidade de culpa, consciência da ilicitude, exigibilidade;
- Os conceitos de acção social e a posição de Figueiredo Dias, renúncia a um particular conceito de acção e os conceitos de:
a) Tipo indiciador;
b) Tipo justificador ou tipo do dolo negativo;
- A teoria dos elementos negativos do tipo.
Escola finalista:
- Wessel;
- Acção – final;
- Tipicidade – o dolo é um elemento subjectivo geral dos tipos;
- Ilicitude – conceito de ilicitude pessoal – o desvalor da acção e do resultado;
- Culpa – normativa; elementos da culpa.
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como acção típica, ilícita e culposa.
49. O sistema clássico
Parte de uma concepção positiva, mecânica, mesmo naturalista, lógica da teoria da infracção.
O conceito de acção para os clássicos é visto como um conceito naturalista da acção, como um movimento corpóreo, um esforço muscular ou nervoso que produz uma alteração objectiva do mundo real.
O tipo ou tipicidade é a correspondência externa de um comportamento considerado acção uma disposição legal, à discrição legal de um tipo legal de crime.
Mas a tipicidade era vista do ponto de vista meramente externo ou objectivo sem nenhuma consideração de valor.
A ilicitude é uma categoria separada. Para os Clássicos a ilicitude é vista numa óptica meramente formal, ou seja, como contrariedade à ordem jurídica na sua globalidade. Um facto ilícito é um facto contrário à lei.
Não vem permitir uma graduação do conceito de ilicitude, porque se em sentido formal, a ilicitude significa contrariedade à ordem jurídica, se o facto ilícito é o facto que contraria a ordem jurídica, donde contraria a lei, e o facto lícito é o facto que não contraria a lei, então só se pode afirmar que um comportamento é ou não é ilícito, é ou não é contrário à ordem jurídica.
Quanto à culpa, para os Clássicos, era nessa categoria dogmática do facto punível que se incluíam todos os elementos subjectivos. Portanto, a ilicitude e a tipicidade eram meramente objectivas. Tudo quanto fossem elementos subjectivos estaria na culpa.
A culpa era vista de uma óptica psicológica, porque a culpa corresponde à ligação psicológica entre uma pessoa e o seu comportamento, e essa ligação poderia ser uma ligação dolosa ou uma ligação negligente.
Logo, o dolo e a negligência são meras formas de culpa.
A tipicidade é meramente objectiva. É depois em sede de culpa que se terá de verificar que relação existe entre o agente e o seu facto, para se poder afirmar uma culpa meramente psicológica.
50. Criticas ao sistema Clássico
A primeira crítica diz respeito ao conceito de acção. Este conceito de acção como movimento corpóreo que produz a alteração objectiva no mundo exterior é um conceito criticável por várias razões.
Mas talvez a crítica mais forte que se pode tecer ao conceito de acção dos clássicos é precisamente a omissão porque a responsabilidade penal é afirmada por factos cometidos por acção, mas também por omissões penalmente relevantes.
O conceito de acção dos clássicos deixa de fora as omissões, ou os crimes omissivos.
Daí que os clássicos tenham reformulado um pouco esta noção, dizendo então que a acção homicida é a acção que se esperava que o agente tivesse.
Em relação à ilicitude, sendo uma ilicitude meramente formal, só nos permite afirmar se um comportamento, se um facto, se uma acção, é ou não ilícita, não nos permitindo graduar o conceito de ilicitude.
Em relação à culpa.
Sendo a culpa vista numa óptica meramente psicológica, pergunta-se como é que os Clássicos explicam a culpa negligente, mormente os casos de negligência inconsciente.
Nos comportamentos dolosos, o agente conhece e quer empreendida com determinado resultado típico, ou assumir uma determinada conduta consubstanciada num tipo legal de crime.
51. Sistema Neo-clássico
É desenvolvido na Alemanha a partir dos anos 20, procurando “limar” alguns defeitos ou arestas do sistema clássico.
A acção para os Neo-clássicos:
Vêem dizer que não é importante verificar se ouve ou não um movimento corpóreo que produziu uma alteração objectiva no mundo exterior, porque as actuações humanas são pautadas por determinadas valorações.
O que interessa é efectivamente o valor que está subjacente a um determinado comportamento. Assim, os Neo-clássicos passam a ver a acção (o crime) como a negação de valores através de um comportamento. Portanto, o crime é todo aquele comportamento que nega valores.
Klaus Roxin entende que o que é importante em sede de Direito Penal, em sede comportamental são tão só os factos ou as acções voluntárias, isto é, aqueles comportamentos dominados ou domináveis pela vontade.
Dentro da vertente Neo-clássica surge outro conceito de acção, que é a acção social, desenvolvida por Smith.
Este autor defende que mais importante que tudo para afirmar a existência duma acção penalmente relevante é verificar se aquele comportamento, se aquela actuação deve ser tido como uma acção em termos sociais. Isto é, se socialmente aquele comportamento merece a qualificação de acção.
E isto porque, desde logo, há acções que à prática, podem parecer negar valores, mas que não devem ser acções penalmente relevantes de harmonia com a própria concepção social de acção.
A tipicidade, os Neo-clássicos vêm dizer que a tipicidade é composta por uma série de elementos, e o tipo não é valorativamente neutro, implica já um juízo de valor para quem preenche a tipicidade. Referem que o tipo tem também elementos normativos, elementos que, descrevendo entidades do mundo real, carecem duma interpretação complementar pelo recurso a normas.
Para estes autores, o tipo é composto por elementos positivos e por elementos negativos:
- Elementos positivos: aqueles que fundam positivamente a responsabilidade penal do agente;
- Elementos negativos: são as causas de justificação que, quando relevantes, justificam o facto típico.
A culpa para os Neo-clássicos, não é uma culpa psicológica, como pretendiam os Clássicos, mas é antes um conceito que é integrado já por um critério de censurabilidade assente na existência de determinados pressupostos, nomeadamente a capacidade de culpa e a consciência da ilicitude.
A culpa é já uma culpa com ingredientes normativos e implica um juízo de censurabilidade pela prática de um facto.
52. Criticas ao sistema Neo-clássico
O conceito de acção: um comportamento humano que nega valores. Ora, na negação de valores cabe não só o comportamento activo, como existem também omissões que podem de igual modo lesar valores.
Portanto, aqui neste conceito de crime como comportamento socialmente relevante que lesa valores, já se pode enquadrar de alguma forma o comportamento omissivo ou a omissão, coisa que ficava de fora do conceito meramente causal e naturalístico de acção dos Clássicos.
Há determinados comportamentos cuja apreensão da negação ou de valores só pode ser dada pela finalidade do comportamento, ou da acção.
Os Neo-clássicos não incluíam o dolo em sede de tipo ou de tipicidade.
O dolo é um elemento da culpa, ou uma forma de culpa, porque só excepcionalmente a tipicidade é integrada por elementos subjetivos, chamados elementos subjetivos específicos, com a intenção de apropriação no crime de furto, etc.
Também os Neo-clássicos não resolvem correctamente problema da negligência e dos comportamentos negligentes.
53. Sistema finalista
Os finalistas propõem um conceito de acção que é um conceito de acção final. Chagam à conclusão que o direito, a realidade normativa, não pode aparecer totalmente divorciada e desligada da realidade ôntica, da realidade do ser que é anterior à realidade normativa.
Se o direito visa regular comportamentos humanos, estabelecer regras de conduta, então o direito, sob pena de ser uma falácia, tem de respeitar a natureza ôntica, a natureza do ser, e o que é próprio do ser humano para os finalistas, dentro de um conceito de acção, é o agir com vista à obtenção de um fim servindo-se de conhecimentos objectivos e causais que permitem essa obtenção, este conceito de acção deve ser respeitado em sede de tipicidade.
Portanto, a intenção que preside a uma determinada acção, que é a sua finalidade, deve ser espelhada no tipo. Logo, o dolo que é a intenção, o fim da actuação, deve ser um elemento subjectivo do tipo.
Quanto ao conceito de ilicitude: começa a falar-se de um conceito de ilicitude pessoal.
Actuar ilicitamente já não é tanto actuar contrariamente à ordem jurídica na sua globalidade, como pretendiam os Clássicos (ilicitude formal). Já não interessará tanto actuar lesando bens jurídicos fundamentais, como pretendiam os Neo-clássicos (ilicitude material).
Interessará mais, verificar se aquela pessoa que actua de determinada forma actua ilicitamente, se se lhe pode atacar um juízo de desvalor na acção ou no facto que pratica. Existe aqui uma certa concepção ética do direito.
Dentro deste conceito de ilicitude pessoal de se poder reprovar uma pessoa por adoptar um determinado comportamento, podem-se distinguir dois desvalores:
1) O desvalor da acção, da conduta empreendida pelo agente;
2) O desvalor do resultado, em que se traduz o comportamento ou a conduta do agente.
A acção, embora no âmbito dos crimes negligentes seja também desvaliosa[23], por comparação dos crimes dolosos em que o agente actua querendo e conhecendo um determinado resultado, o desvalor da acção nos crimes dolosos é muito superior.
Quanto à culpa.
Os finalistas têm um conceito de culpa puramente normativo.
A consciência da ilicitude, a capacidade de culpa e a exigibilidade dos comportamentos passam a ser elementos da culpa. Faltando um destes elementos da culpa, já não é possível formular sobre uma pessoa um juízo de culpa.
A capacidade de culpa consiste no fundo em a pessoa ter capacidade para avaliar as exigências. São incapazes de culpa:
a) Os inimputáveis em razão da idade (menores de 16 anos);
b) Os portadores de anomalias psíquicas, que são inimputáveis em razão da anomalia psíquica.
A consciência da ilicitude é um elemento autónomo da culpa.
54. Criticas ao sistema finalista
O conceito de acção, é um conceito de acção final e os finalistas nunca conseguiram com este conceito justificar muito bem os crimes de negligentes. Sendo assim também para as omissões.
Daí que quem segue a sistemática finalista opte por uma quadripartição do facto punível, em que se distingue:
- Crime doloso por acção;
- Crime doloso por omissão;
- Crime por acção negligente;
- Crime por omissão negligente
55. Acção
Acção penalmente relevante é todo o comportamento humano, com relevância no mundo exterior, que é dominado ou dominável pela vontade. Fica logo excluído os comportamentos ou as acções das coisas, das forças da natureza e dos animais irracionais.
Dentro do ponto de vista dos fins das penais, quer numa óptica retributiva, quer numa óptica preventiva, não faz sentido criminalizar comportamentos que não sejam dominados pela vontade.
Uma acção penalmente relevante pode consistir:
- Num comportamento positivo – num “facere”;
- Num comportamento negativo – num “non facere”.
A acção tem relevância quer consista num comportamento positivo, quer numa omissão. A nossa lei equipara a omissão à acção; essa equiparação é dada pelo art. 10º CP.
Há duas formas de comportamento omissivo penalmente relevante, que se diferenciam: são designadas omissões puras (ou impróprias) e as omissões impuras (ou impróprias).
Quando o legislador descreve as incriminações, através de normas proibitivas e de normas que pressupõem um determinado resultado típico do tipo, para estar preenchido, para ser consumado exige uma conduta e um resultado.
No caso das omissões impuras nem toda a gente pode incorrer em responsabilidade jurídico-penal por omissão impura, porque o legislador só responsabiliza pelas omissões impuras aqueles sobre quem recaía ou impendia um dever jurídico que pessoalmente o obrigasse a evitar a produção do resultado típico.
Os clássicos consideravam por acção penalmente relevante todo o movimento corpóreo, esforço nervoso ou muscular, que produz uma alteração objectiva no mundo real.
O conceito de acção causal é criticável, isto porque:
- Torna-se mais difícil de explicar como é que nestes casos das omissões impuras pode haver a acção omissiva;
- Crime de injúria: este crime só é concebível a partir de uma certa ponderação social daquele comportamento como negação de um determinado valor, só é crime porque socialmente se convenciona que aquele comportamento é uma acção relevante;
- Este conceito de acção causal não afasta, de per si, comportamentos dominados pela vontade.
Só através de um critério exterior ao próprio conceito de acção causal é que se consegue delimitar os comportamentos com relevância penal e os comportamentos que não têm essa relevância.
Para os Neo-clássicos, o conceito de acção é todo o comportamento que nega valores – é uma negação de valores.
Smith vem com um conceito social de acção, dizendo que acção penalmente relevante é aquilo que é socialmente adequado a ser acção.
Mas este conceito não explica de per si porque é que algumas omissões negam valores não é dada tanto pela acção, mas pela ordem jurídica.
Muitas vezes também, a relevância social da acção não pode estar desligada daquilo que o agente quis.
Por outro lado, não há dúvida que o mesmo comportamento pode ter vária e diferente relevância social, consoante a intenção do agente.
Finalmente o conceito de acção final para os finalistas.
É todo o comportamento em que a pessoa se serve dos conhecimentos objectivos e causais para atingir uma determinada finalidade.
O processo causal nos crimes omissivos representa especialidades face aos crimes activos. Essas especialidades fazem com que os próprios finalistas tivessem de chegar a uma análise quadripartida do facto punível (ou da infracção):
- Crimes dolosos por acção;
- Crimes dolosos por omissão;
- Crimes negligentes por acção;
- Crimes negligentes por omissão.
Este conceito de acção final não é compreensível para abarcar todas as realidades e comportamentos que podem dar origem à responsabilidade jurídico-penal.
Há autores que, em relação ao conceito de acção penalmente relevante, como categoria autónoma da punibilidade, porque não é um conceito isento de críticas em qualquer formulação, dizem que nós devemos renunciar a um particular conceito de acção e é própria tipicidade que englobamos os comportamentos por acção e por omissão (Prof. Figueiredo Dias).
Há outros autores que discordam e que dizem que o conceito de acção penalmente relevante e efectivamente uma categoria que não se deve descurar, porque o conceito de acção tem um determinado rendimento em sede de dogmática jurídico-penal.
56. Tipo ou tipicidade
Por detrás de cada tipo incriminador, o legislador há-de pretender sempre a tutela de um ou mais bens jurídicos, porque o direito penal encontra a sua justificação na tutela de bens jurídicos fundamentais.
O bem jurídico é algo distinto do chamado objecto do facto ou objecto da acção.
Enquanto que o bem é aquela realidade que não é uma realidade palpável, é um valor, um interesse.
O objecto do facto ou da acção é o “quid” concreto sobre o qual incide a actividade criminosa do agente.
57. Estrutura do tipo
Por detrás de cada tipo legal encontra-se sempre a tutela de um ou mais bens jurídicos.
Os tipos têm na sua descrição elementos descritivos, predominantemente, mas também é concebível que nalguns tipos apareçam elementos normativos. Aliás foram os Neo-clássicos que chamaram à atenção para a existência destes elementos normativos do tipo.
Os elementos descritivos são aqueles elementos que expressam entidades do mundo real, quer no foro exterior quer interior, quer para a sua cabal compreensão, não necessitam de nenhuma valoração suplementar feita pelo recurso a uma norma.
Os elementos normativos são aqueles que, expressando também entidades do mundo real, para seu cabal entendimento carecem do recurso a uma valoração suplementar, do recurso por exemplo a outra norma.
Há quem diga, como Ihering, que não existem elementos puramente descritivos: todos eles são mais ou menos normativos; postulam sempre, para seu cabal entendimento e compreensão, uma valoração suplementar, seja ética, seja de ordem jurídica.
O tipo é integrado sobretudo a partir duma abordagem finalista, por uma estrutura mista: é composto por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Referindo, agora, tão só ao crime comissivo por acção, ou crime doloso por acção, pode-se encontrar os seguintes elementos objectivos do tipo:
a) O agente;
b) A conduta ou descrição da acção típica;
c) O resultado;[24]
d) O nexo de imputação, também designado de causalidade[25];
e) Algumas circunstâncias que rodeiam a conduta ou descrição da acção típica.
Estes elementos objectivos do tipo referenciam entidades ônticas que existem independentemente de qualquer representação entre a mente do agente e o facto por ele praticado, por isso se dizem elementos objectivos.
Os elementos subjectivos, são aqueles que pressupõem já uma relação com o foro íntimo do agente, ou seja, entre a representação da mente do agente daquilo que ele pensa e quer aquilo que objectivamente se verifica, por isso se designam elementos subjectivos.
Como elementos subjectivos e no âmbito do crime doloso, encontram-se os chamados elementos subjectivos específicos, que são elementos que têm de existir para que os tipos legais de crime se considerem efectivamente preenchidos. São as especiais tendências, as especiais intenções.
O elemento subjectivo geral será o dolo, no âmbito dos crimes dolosos.
O dolo consiste no conhecimento e vontade de empreender um determinado tipo legal de crime. O dolo consiste no conhecer e querer os elementos objectivos de um tipo legal de crime.
O dolo apresenta pois, uma estrutura bipartida, integrada por um elemento intelectual que é o conhecimento – o conhecimento de uma determinada realidade objectiva; e um elemento de natureza volitiva, o querer efectivamente essa realidade objectiva de determinada forma.
Nos crimes negligentes, o elemento geral será a negligência.
58. Elementos objectivos do tipo especial
a) Agente
O agente é aquela (s) pessoa (s) que adopta uma conduta típica descrita num determinado tipo legal de um crime e que empreende a realização típica – o agente do tipo legal de crime.
b) Acção típica ou conduta
A conduta típica, também dita descrição da acção típica, ou tão só a acção típica, aparece como um elemento objectivo do tipo legal de crime e encontra-se efectivamente descrita no tipo.
c) Resultado
É também um elemento objectivo do tipo, nos chamados crimes materiais ou de resultado: é o próprio resultado típico.
Há crimes em que, para além da descrição da conduta típica, se exige que espaço-temporalmente se desprenda ou se destaque da conduta típica algo diferenciado que é o resultado – o resultado típico – para que o facto possa estar efectivamente consumado.
Nestes crimes materiais ou de resultado, que para além da conduta pressupõe, ainda, para a sua consumação, a verificação do resultado típico.
d) Nexo de causalidade
Isto traduz-se, em saber se um determinado resultado pode ser imputado a uma conduta do agente; se aquilo que se verifica pode ser efectivamente considerado como obra daquela actuação típica do agente.
É um elemento não escrito do tipo, isto porque, nos crimes materiais ou de resultado, naqueles crimes que se designam normalmente por crimes de forma livre. Ou seja, são crimes cuja obtenção do resultado típico previsto pela norma pode ser obtido, por referência à conduta do resultado típica que é matar, pelas mais diferentes formas.
Por vezes, muito raramente, o legislador pode pretender dar cobertura literal a esse elemento, ou a este nexo de nexo de causalidade ou de imputação objectiva, e descrevê-lo.
É o que acontece nos chamados crimes de realização vinculada.
Aqui o crime é de realização vinculada, pela descrição do elemento, por uma certa descrição do nexo de causalidade. Um outro elemento não escrito no tipo e que existe apenas nalgumas classificações, ou nalguns tipos de crime – os crimes de omissão impura ou imprópria – é o chamado dever de garante.
Muitas vezes a lei descreve comportamento que considera proibidos e que as pessoas não devem adoptar, porque ao adoptá-los isso importa a obtenção de um determinado resultado lesivo, o qual pode ser obtido quer por via de um comportamento activo ou de uma acção, quer por via de um comportamento omissivo ou de uma omissão.
Para que uma pessoa seja responsabilizada por ter dado origem à produção de um resultado típico proibido pela lei em virtude de uma inactividade, ou em virtude da sua passividade ou omissão, é preciso que sobre essa pessoa impenda um dever jurídico que pessoalmente a obrigue a evitar a produção desse resultado lesivo.
Este dever de garante pode resultar fundamentalmente de três pontos: ou directamente da lei, ou de contrato, ou de uma situação de imergência.
e) Circunstâncias que rodeiam a conduta
As circunstâncias podem ser, para a nossa lei, ou crimes autónomos, ou então elementos que integram qualificações ou priviligiamentos de tipos legais de crimes.
59. Acepções em que se utiliza a palavra tipo
a) Tipo de garantia, total, ou em sentido amplo
Pretende abranger todos os elementos que concorrem para fundamentar uma responsabilidade criminal, abrangendo simultaneamente não só a categoria analítica da tipicidade mas também as outras categorias dogmáticas como a ilicitude a culpa e a própria punibilidade.
O tipo garantia corresponde ao conjunto de pressupostos de punibilidade e de punição de um tipo legal, de um crime.
b) Tipo iniciador ou tipo em sentido restrito
O tipo abrange tão só a categoria da tipicidade, com a estrutura somente de elementos objectivos e subjectivos.
Podendo-se dizer assim que, tipo indiciador ou tipo em sentido restrito é a correspondência objectiva e subjectiva à definição de um tipo legal de crime. Ou, por outras palavras, com a expressão tipo indiciador, tipo em sentido restrito ou tipo de injusto, visa-se a delimitação de um comportamento proibido ou exigido, ao qual se comina uma sanção penal geral e abstractamente estabelecida.
Tipo em sentido restrito, porquê?
Porque o facto de preencher um tipo neste sentido restrito não significa de per si que a pessoa vá ser punida, porque a pessoa pode ter actuado tipicamente, todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo podem estar preenchidos mas a pessoa não ter responsabilidade jurídico-criminal porque, por hipótese, naquele caso actuou em legítima defesa.
E designa-se também tipo indiciador porquê?
Porque uma vez preenchida integralmente a tipicidade, preenchidos integralmente os elementos constitutivo do tipo de crime, formula-se um juízo de valor sobre essa pessoa no sentido de que a tipicidade indicia a ilicitude, a qual pode ser excluída pela intervenção das causas de justificação.
c) Tipo intermédio
Pretende-se significar que a um comportamento típico acresce simultaneamente um juízo de equidade.
Significa pois, a situação de que alguém cometeu um facto típico em sentido estrito, que é simultaneamente ilícito, ou seja, uma pessoa cometeu um facto que corresponde à descrição objectiva e subjectiva de uma norma legal, não actuando ao abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude, ou não actuando ao abrigo de nenhuma causa de justificação.
[21] Agente, conduta, resultado, nexo de causalidade.
[22] Dolo, especiais intenções.
[23] Pela inobservância de um dever de cuidado.
[24] Nos casos dos crimes materiais ou de resultado.
[25] Também nos crimes materiais ou de resultado.