F - Interpretação e integração de conflitos
27. Interpretação
As normas são interpretadas com as regras próprias de interpretação do Direito Internacional Privado. O pilar fundamental que subsiste na interpretação de tratados internacionais é o princípio geral da regra da boa fé (como primeira norma). Como segunda norma deve-se atender ao contexto geral dos tratados.
As normas de conflito interno são aquelas que se encontram sistematizadas no Código Civil, as regras gerais obedecem às regras do art. 9º CC.
1) Normas de conflito de fonte internacional
É aceite pela doutrina que o aplicador do Direito Internacional Privado terá que atender à letra da lei.
Dois princípios essenciais nesta interpretação dos tratados internacionais:
a) Princípio da boa fé;
b) Princípio segundo o qual deve-se atender ao contexto geral dos tratados: âmbito ou teor criativo consagrado no tratado; elemento teológico ou finalístico.
2) Normas de conflito de fonte interna
Nesta matéria da interpretação das normas de conflito o legislador tenderá a aplicar as regras gerais consagradas no art. 9º CC.
No entanto não se pode esquecer que o Direito Internacional Privado é um direito especial relativamente ao direito privado comum, por isso, não se pode ignorar esta especialidade na sua interpretação, assim, como não se pode ignorar o facto de as normas de conflitos serem normas abertas aos outros sistemas jurídicos.
28. Interpretação de lacunas
O sistema de normas de conflitos português é de um sistema extremamente organizado, o que não impede, no entanto, que hajam lacunas em matéria de Direito Internacional Privado.
Surge uma lacuna em Direito Internacional Privado quando relativamente a uma questão privada internacional, que não se encontre uma norma de conflito que determine qual a regulamentação própria dessa questão. Há que distinguir a lacuna do caso omisso.
A lacuna: existe quando o legislador não regulou uma questão porque não a previne, mas se a tivesse previsto, regularia por se tratar de um caso que deve cair sob a tutela da ordem jurídica.
Caso omisso: é o caso posto à margem do direito que o legislador não regulou porque entendeu que deveria ser excluída da tutela da ordem jurídica.
No direito português, o art. 10º CC diz que uma das saídas para integrar uma lacuna é a analogia ou ainda a interpretação extensiva.
Será admissível em Direito Internacional Privado a integração de lacunas?
A doutrina é unânime na admissibilidade da integração de lacunas no Direito Internacional Privado.
No entanto o Prof. Baptista machado entende que a integração de lacunas é o processo normal de funcionamento da norma de conflitos, mas verificada a analogia entre um instituto estrangeiro e outro da lex fori; então aquele instituto estrangeiro caberá no conceito quadro da lei do foro.
A Prof. Magalhães Collaço aceita esta ideia e refere em especial o art. 10º/3 CC: terá que se atender sempre ao espírito do sistema português porque conduz à necessidade de descobrir os princípios gerais de Direito Internacional Privado e a partir daí, encontram-se as soluções que permitam integrar as lacunas das normas de conflito. Quando houver uma lacuna, o juiz tenderá a criar uma norma de conflito tendo em conta os princípios gerais do Direito Internacional Privado.
Em conclusão: no que toca ao sistema de interpretação e integração de lacunas, a doutrina entende que o Direito Internacional Privado restringe-se às normas de interpretação que o intérprete português tem: art. 9º, 10º e 11º CC.
29. Aplicação no tempo
Quanto ao início e termo das normas de conflito a unanimidade da doutrina entende aplicar o sistema integrado no art. 12º e 13º CC como princípios gerais. A vacatio legis aplicar-se-á para as normas de conflito[13].
Relativamente à aplicação sucessiva de leis no tempo, quando possa existir uma sucessão de normas materiais aplicáveis em virtude de uma alteração, pode-se ter:
a) Sucessão das normas materiais da ordem jurídica competente;
b) O problema complica-se quando existe uma sucessão no tempo de ordens jurídicas aplicáveis em consequência de uma alteração no conteúdo concreto do elemento de conexão utilizado na norma de conflitos do foro.
A doutrina clássica preconiza a aplicação imediata e total da norma de conflitos. A Prof. Magalhães Collaço entende que o ordenamento jurídico do foro, como o responsável pela situação deve competir-lhe a resolução da questão pelo que por via da aplicabilidade do art. 3º/3 CC, terá que se remeter para aplicação do art. 2º/1, 1ª parte CC, assim como do art. 13º CC.
30. Aplicação das leis no espaço
As normas de conflito têm uma vocação universal, que é a sua total ambivalência. Aplicar-se-ão a todos os ordenamentos jurídicos independentemente de saber se no foro há alguma conexão ou limitação.
A tese clássica afirmava que as normas de conflito tinham vocação universalista e neste sentido o legislador das normas de conflito substituía-se ao legislador internacional.
A tese dos direitos adquiridos as normas de conflito goza do carácter da territorialidade com vocação universal.
Exemplo:
A e B, italianos casaram em Nova Iorque onde viveram, tendo A, mudado a sua residência para Lisboa e aqui resolve intentar uma acção de anulação do casamento (questão de capacidade).
A lei italiana considera este casamento inválido e a lei americana valida este mesmo casamento. Várias soluções são possíveis:
Segundo a tese clássica, aplica-se a norma de conflito portuguesa. O art. 49º CC remete para a lei pessoal dos nubentes que é a lei italiana (lei da nacionalidade, art. 31º/1 CC), a qual considera o casamento como inválido.
Segundo a tese dos direitos, não se pode aplicar o art. 49º CC porque não existia à data do casamento qualquer conexão com a nossa ordem jurídica.
A Prof. Magalhães Collaço vem dizer que o Direito Internacional Privado não pode deixar de formular critérios gerais para questões mesmo que estas se tenham constituído no estrangeiro sem contracto com a norma de conflito, logo a via resolutiva para esta questão teria de ser apontada pela norma de conflito potencialmente aplicável.
Para esta questão a norma potencialmente aplicável é o art. 49º CC, logo o ordenamento jurídico competente para regular a validade deste casamento é o ordenamento italiano.
É entendimento unânime da doutrina que é impossível a autolimitação das normas de conflito, mas não impede que não aceitando esta autolimitação se crie uma solução “ad hoc” para entender às situações constituídas no estrangeiro ao abrigo de uma norma estrangeira sendo esta diferente da lei do foro. Exemplos: arts. 31º/2, 47º, 28º/3 CC.
Conclusão: não se preconiza nem a tese clássica nem a tese dos direitos adquiridos, tem-se um carácter territorial com vocação universalista, a qual pode sofrer as limitações já referidas.
[13] No que toca ao início e termo das normas de conflito.