top of page

A - Introdução

 

1. Limites à eficácia da lei no espaço

As normas jurídicas, como normas de conduta que são, vêem o sem âmbito de eficácia limitado pelos factores tempo e espaço: elas não podem ter a pretensão de regular factos que se passaram antes da sua entrada em vigor nem os factos que se passaram ou passam sem qualquer “contacto” com o Estado que as edita; elas não podem, por outras palavras, chamar a si a orientação daquelas condutas dos indivíduos que se passaram para além da sua possível esfera de influência.

A base do direito intemporal, constrói-se, por um lado, sobre o princípio da não retroactividade das leis, e por outro lado, sobre o respeito das situações jurídicas preexistentes criadas sob o império da lei antiga, assim o ponto de partida radical do Direito Internacional Privado assenta, por um lado, sobre a regra da não transactividade das leis e, por outro lado, sobre o princípio do reconhecimento das situações jurídicas constituídas no âmbito de eficácia de uma lei estrangeira.

O direito de conflitos de leis assume como critério básico o da “localização” dos factos: a “localização” no tempo para o direito intemporal e a “localização” no espaço para o Direito Internacional Privado. Essa a razão por que se afirma que estes dois critério são direitos “de conexão”: a conexão dos factos com os sistemas jurídicos é que constitui o dado determinante básico da aplicabilidade dos mesmos sistemas jurídicos. Por isso, pode-se enunciar como regra básica de todo o direito de conflitos[1] a seguinte: a quaisquer actos aplicam-se as leis – e só se aplicam as leis – que com eles se achem, em contacto.

No Direito Internacional Privado nem sequer basta o recurso a um princípio paralelo ao da teoria do facto passado e o recurso ao princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos. Pelo que respeita às situações absolutamente internacionais, importa ainda, num segundo momento fazer intervir uma regra de conflitos capaz de dirimir o concurso entre as leis em contacto com os factos.

 

2. Noção de Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado tem por objecto as situações da vida privada internacional, isto é, os factos susceptíveis de relevância jurídico-privada que têm contacto com mais de um sistema jurídico ou que se processam adentro do âmbito de eficácia de uma lei estrangeira.

Direito Internacional Privado: internacional, porque é um direito que regula questões internacionais; privado, porque estas questões são relações entre particulares.

O Direito Internacional Privado tem como objecto as relações jurídico-privadas internacionais, os factos susceptíveis de relevância jurídico-privada. A Prof. Magalhães Collaço diz que o Direito Internacional Privado “é o direito que regula as relações jurídico-privadas atravessadas por fronteiras”.

Para se estar perante um caso de Direito Internacional Privado é necessário que haja:

* Uma pluralidade de ordenamentos;

* Uma diversidade de relações vitais que derivem das diferentes ordens públicas.

No Direito Internacional Privado tem-se normas formais, não dão a solução; são normas de remissão para outros ordenamentos, ou para o português, só indicam o ordenamento jurídico em referência que irá ser chamado para resolver a questão.

O Direito Internacional Privado tem uma justiça formal, porque de acordo ou em resultado das respectivas normas de conflito, não nos dá soluções, aponta meramente os ordenamentos jurídicos que são chamados a resolver a questão.

 

3. Modos possíveis de regular as relações do comércio privado internacional

O processo mais geral de solução dos problemas de Direito Internacional Privado é o processo próprio do Direito de Conflitos: em vez de resolver directamente tais problemas mediante disposições legislativas próprias (de carácter material), trata-se de designar a lei interna por aplicação da qual eles hão-de ser resolvidos. As disposições de Direito de Conflitos são, pois, constituídas por regras de carácter formal, regras de “remissão” ou “de reconhecimento”, e não por regras de regulamentação material.

O Direito Internacional Privado representa afinal uma disciplina jurídica especial dos factos e relações que o legislador entende serem estranhos ao seu ordenamento: as normas materiais estrangeiras chamadas através das regras de conflito seriam recebidas na ordem jurídica do Estado do foro, ficando a constituir aí, ao lado das normas materiais deste Estado, o direito especial das relações jurídico-privadas externas. O legislador, em vez de criar directamente todo um sistema particular de direito material, recorre a normas indirectas para chegar à mesma solução.

 

4. Como Solucionar casos de Direito Internacional Privado

Com direito interno material comum: o facto de solucionar problemas de Direito Internacional Privado recorrendo às normas materiais não é uma solução viável por levar a soluções antagónicas e criar incerteza jurídica. Há quem entenda que levaria a um “fórum shopping”. A aplicabilidade do direito português material interno poderia conduzir a soluções desvantajosas ou injustas embora fossem escolhidas pelas partes[2]; por essas razões não foi esta a solução escolhida pelo legislador.

Com direito uniforme adoptado por convenções internacionais: em determinadas matérias e por via da consagração de convenções internacionais alguns ordenamentos jurídicos encontram uma solução uniforme. No entanto nem todos os Estados aderem a convenções e existem algumas lacunas, além de certas matérias estarem desactualizadas.

O legislador português entendeu que a melhor maneira de solucionar casos de Direito Internacional Privado seria o método de regulamentação material através do qual procura-se encontrar a regulamentação para a questão privada internacional, ou seja, saber qual o ordenamento jurídico material com a qual ou quais esta mesma questão é conexa para dela se extraírem as normas aplicáveis ao caso concreto – normas de conflito.

 

5. Primeira noção de regras de conflitos

O processo normalmente adoptado pelo Direito Internacional Privado para regular as relações de comércio privado internacional é o processo próprio do direito de conflitos: em vez de regular directa ou materialmente a relação, adopta o processo indirecto consistente em determinar a lei ou leis que a hão-de reger. A determinação desta lei, decorre por vezes logo directa e indirectamente daquela regra ou princípio básico do direito de conflitos segundo o qual a quaisquer factos só deve aplicar-se uma lei que com eles esteja em contacto.

 

6. A “lex fori” como lei do processo

O processo seguido perante os tribunais portugueses é regulado pela lei portuguesa, ainda que ao fundo da causa se aplique uma lei estrangeira. Vale dizer que as leis relativas ao formalismo ou rito processual não levantam um problema de conflitos de leis, visto não afectarem os direitos substanciais das partes. São, pois, de aplicação imediata e de aplicação territorial.

Há, que distinguir duas espécies de leis relativas às provas: as leis de direito probatório formal, que se referem propriamente à actividade do juiz, dos peritos ou das partes no decurso do processo, e as leis de direito probatório material, a esta segunda categoria pertencem as leis que decidem sobre a admissibilidade deste ou daquele meio de prova, sobre o ónus da prova e sobre as presunções legais. Aos pontos ou questões do direito regulados por estes tipos de normas já não se aplica a lex fori enquanto lex fori, mas a lei ou leis competentes para regular o fundo da causa: a lei reguladora da forma dos actos, a lei reguladora da relação jurídica em litígio ou a lei que regula os actos ou factos aos quais vai ligada a presunção legal.

 

7. O Direito Internacional Privado e o “direito dos estrangeiros”

Entende-se por “direitos dos estrangeiros” o conjunto de regras materiais que reservam para os estrangeiros um tratamento diferente daquele que o direito local confere aos nacionais. De resto, como regra, os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos privados (art. 14º/1 CC). Só assim não será quando exista disposição em contrário, ou quando se verifique o pressuposto a que se refere o art. 14º/2 CC.

São portanto, dois os princípios que regem a matéria de capacidade de gozo de direitos dos estrangeiros em Portugal, no domínio do direito privado: o princípio da equiparação e o princípio da reciprocidade. Por força do primeiro princípio, os estrangeiros, pelo facto de o serem, não vêem a sua capacidade de gozo de direitos restringida em Portugal. Diz o art. 14º/1 CC que eles são equiparados aos nacionais.

O princípio da reciprocidade, por seu turno, só funciona quando o estrangeiro pretende exercer em Portugal um direito que o respectivo Estado nacional reconhece aos seus súbitos, ou a estes e aos súbitos de outros Estados com os quais mantenha relações particulares, mas recusa aos portugueses em igualdade de circunstâncias, só porque estes são estrangeiros ou porque são portugueses. Tem que haver, pois, um tratamento discriminatório dos português fundado na simples circunstância de estes serem portugueses ou serem estrangeiros.

 

[1] Normas de conflitos: são as normas que vêem resolver os conflitos de leis.

[2] Às partes tenderam a escolher o ordenamento jurídico que lhes fosse mais conveniente.
 

bottom of page