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B - Constituição Económica

5. A Constituição Económica. Noção de Constituição Económica

É na Constituição que encontramos a raiz, o cerne do Direito Económico, porque aí se encerram os princípios fundamentais sobre os quais se vai erigir a organização económica, matriz dos operadores económicos, e se fixam os objectivos primordiais a atingir pelo poder político.

Toda a Constituição inclui uma caracterização da ordem económica, ainda que seja por omissão; na verdade, mesmo que uma Constituição pertença ao modelo liberal e se limite a estatuir os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e as formas de exercício do poder político, o facto de nada se dizer sobre a economia, mormente a propriedade dos meios de produção, significa que nesse âmbito vigora a ordem constitucional dos direitos fundamentais; por conseguinte, será a propriedade privada a dominar os meios de produção e a iniciativa privada a pontuar a vida económica, através da liberdade de acesso.

A Constituição pode ser considerada tendo em conta o seu objecto, o seu conteúdo ou a sua função (sentido material) e pode, por outro lado, ser vista atendendo à integração normativa, ou seja, à posição das suas normas face às demais regras jurídicas (sentido formal).

A Constituição em sentido formal dá-nos uma noção de conjunto de normas com força específica, situadas num Plano hierarquicamente superior, enquanto o sentido material aponta para uma sensibilidade jurídica, uma capacidade de sentir o valor da norma no contexto do ordenamento jurídico, embora o seu lugar de formulação seja extra-constitucional.

Em sentido formal: consiste no conjunto de normas e princípios que fazem parte da Constituição Política e que tem objectivo de estruturar a Economia a partir da intervenção do Estado. Divide-se:

  • Princípios Fundamentais (arts. 2º a 9º);

  • Direitos e Deveres Económicos (arts. 58º a 62º);

  • Organização Económica (arts. 80º a 100º).

A Constituição Económica portuguesa surgiu de forma bastante extensa no texto de 1976, consagrando uma intervenção directa muito forte a qual se traduzia na irreversibilidade das nacionalizações e na existência de um amplo Sector Público com as diversas revisões, a Constituição Económica foi perdendo expressão de carácter ideológico em grande parte resultantes da linguagem socialista do texto originário e actualmente consiste num núcleo de preceitos que se encontram distribuídos por diversas partes do texto constitucional.

A actividade económica actual surge na doutrina como uma Constituição de mercado intervencional, este conceito significa que a base do regime económico é a oferta e a procura com observância da livre concorrência entre agentes económicos. A propriedade privada é essencial e surge como Direito Económico fundamental dos cidadãos, no entanto o Estado intervém na Economia tanto por via directa através do seu Sector (Público) como por via indirecta, através das leis e decretos-lei que têm objectivo regular o mercado.

O sistema económico, modelo teórico e abstracto, não se conseguindo atingir na sua pureza ideológica.

Regime económico, forma concreta em que se aplica, condicionado pelo Estado em que ele existe, variará diacrónicamente, ao longo do tempo e sincrónicamente, de Estado para Estado.

 

6. Constituição de 1976

1ª Génese e versão originária: consagração de um regime político-económico de natureza mista: influência ideológica socialista (terminologia) garantia da propriedade e da iniciativa privada.

2ª Evolução:

  1. Revisão – 1982 – actualização da linguagem;

  2. Revisão – 1989 – actualização estrutural – consagração de um regime político-económico intervencionado;

  3. Revisão – 1992 – Revisão extraordinária;

  4. Revisão – 1997 – apuramento do regime de mercado.

 

7. Instrumentos de Tipo Socialista

Planos: que aparecem inclusivamente dotados de força imperativa, para o Sector Público Estadual; força obrigatória, só aparecia por força de contratos programa (todo o Sector Económico que celebrasse o contrato com o Estado).

Irreversibilidade das Nacionalizações (1976 a 1989):

  • Nacionalizações directas (feitas por via legislativa): consistiam em diplomas vários que identificavam as empresas nacionalizadas, as nacionalizações eram feitas apenas sobre capital nacional. As empresas de capital estrangeiro foram salvaguardadas, não sendo nacionalizadas.

  • Nacionalizações Indirectas (por arrastamento): algumas nacionalizações não foram planeadas pelo Estado. Mas ao nacionalizar algumas empresas, nacionaliza segundas empresas que pertenciam ao grupo das primeiras, mas estas segundas poderiam vir a ser desnacionalizadas: (1) tinham de ser pequenas ou médias empresas; (2) a empresa tinha que se situar fora dos sectores básicos da Economia (Lei 46/77); (3) os trabalhadores da empresa tinham de ser ouvidos, não podendo entrar nos modelos de autogestão ou de Cooperativa, se isso se desse não podia ser desnacionalizada.

 

8. A 4ª Revisão Constitucional (1997)

É o mercado que surge em todo o mundo como modelo económico de referência, sem prejuízo das diferenças locais ou regionais motivadas por entendimentos político-sociais de natureza pontual (menor ou maior intervenção do Estado, preferência pela regulação ou pela inserção em organizações supranacionais, etc.).

Assim, denotando um regime misto, a Constituição de 1976 possibilitou uma ampla intervenção do Estado, em ambas as vertentes, situação esta que a 1ª Revisão (em 1982) não veio alterar de modo significativo.

Desde a 2ª Revisão Constitucional, veio a acentuar-se um novo enquadramento para o Sector Público e uma nova moldura jurídica para as nacionalizações; por consequência, o Estado tem podido, desde então, diminuir o peso da intervenção directa, afastando-se de uma presença excessiva como agente económico, sem prejuízo de, ao nível de intervenção indirecta, ter visto reforçada a sua autoridade na Constituição em vigor; na verdade, não só o vasto elenco de alíneas do art. 81º exige uma intervenção minuciosa e traduzida sobretudo na prática de actos legislativos, como a matéria correspondente às Políticas Económicas deixa supor uma programação interventiva de amplo alcance ao nível do enquadramento do processo produtivo.

1. Direitos e deveres económicos:

  • Arts. 58º e 59º (Direito ao trabalho e direitos dos trabalhadores);

  • Art. 60º (Direitos dos consumidores);

  • Art. 61º (Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária);

  • Art. 62º (Direito de propriedade privada).

2. Organização económica: há uma quase que “afinação” dos preceitos ordenadores da parte económica da Constituição, tendo por finalidade a adaptação de um mercado indiscutível, embora sujeito, em certa medida, à “acção voluntária dos poderes públicos, directa ou indirecta, exercida sobre a economia com vista a orientá-la num sentido conforme à política económica adoptada”. Ao nível dos sectores de propriedade dos meios de produção, se continua a tríade originária (Sector Público, Sector Privado e Sector Cooperativo e Social), na ordem sistemática conferida pela 1ª Revisão Constitucional, há uma nova densificação do Sector de gestão colectiva, uma vez que aí são inseridos os meios de produção vocacionados para a solidariedade social, desde que sem fins lucrativos (art. 82º/4-d).

 

9. A Constituição Económica

A tipologia das Constituições Económicas, consiste nos vários modelos consagrados ao longo do tempo para ordenar as relações de produção no contexto das Constituições Políticas; existem três tipos fundamentais que podem ser encontrados durante o séc. XX:

Tipo Liberal: caracterizando-se por um mínimo de normas económicas e pela garantia da propriedade e da iniciativa privada;

Tipo Socialista: que foi adoptada na URSS e surgiu ao longo do séc. XX em todos os Estados que adoptaram o Sistema Socialista baseando-se na intervenção do Estado na planificação da Economia e na restrição por vezes total do Sector Privado;

Mercado regulado: este tipo contempla diversas formas desde o dirigismo visível na nossa Constituição de 33 até ao actual modelo de mercado intervencionista e caracteriza-se pela atitude activa do Estado face à Economia.

 

10. Princípio da Constituição de 1997

Artigo 2º:

  • Estado de Direito Democrático;

  • Soberania popular; pluralismo; organização política;

  • Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos;

  • Separação/interdependência de poderes;

  • Democracia económica, social e cultural/democracia participativa.

É um artigo de caracterização geral do Estado. O voto tem de se reflectir na organização pública. Órgãos de soberania diferenciados, mas são independentes em relação aos poderes. O Estado vai ter intervenção na Economia directa e indirecta.

A noção de Estado de Direito Democrático é fundamental para caracterizar a República Portuguesa, assim as ideias de primado da lei e da soberania popular conjugam-se com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos os quais devem ser promovidos e diferenciados pelo Estado. A democracia surge na qualidade de objectivo, sendo destacadas as vertentes económica, social e cultural.

Artigo 9º: tarefas fundamentais o Estado – vinculativos para os órgãos de soberania.

  • Independência nacional;

  • Direitos, Liberdades e Garantias / respeito pelo princípios do art. 2º;

  • Democracia política;

  • Direitos económicos, sociais, culturais e ambientais;

  • Património cultural;

  • Língua portuguesa;

  • Desenvolvimento de todo o território.

As tarefas fundamentais do Estado, dizem respeito a várias vertentes sendo a Economia contemplada na alínea d); esta alínea remete-nos para os direitos económicos consagrados nos arts. 58º a 62º e também para o art. 81º que trata de especificar as tarefas do Estado em matéria económica.

 

11. A intervenção do Estado na vida económica

As incumbências prioritárias do Estado em matéria económica consistem num conjunto de actos de intervenção indirecta, ou seja, de condicionamento dos agentes económicos através da criação de regras, de políticas, e de medidas de apoio. No art. 81º encontramos diversas linhas de actuação do Estado de acordo com os objectivos visados em cada alínea:

  1. Orientação do crescimento económico: a alínea a) pertence a este grupo bem como as alíneas c) e d), visto que apresentam o objectivo comum de promover um quadro de desenvolvimento económico;

  2. Justiça social: alínea b) dirige-se à garantia de intervenção do Estado do sentido de correcção dos desequilíbrios na destruição da riqueza e dos rendimentos, esta actuação do Estado vai realizar-se sobretudo através da Política Fiscal.

  3. Relações económicas internacionais: a alínea f) consagra a necessidade de ser estabelecida uma cooperação económica internacional.

  4. Regulação de mercado: esta função central da intervenção indirecta do Estado expressa nas alíneas e), g), h), i), em particular mediante a aprovação de leis de defesa dos consumidores e de protecção da livre concorrência, em todos os sectores da actividade económica;

  5. Políticas sobre os recursos: as alíneas j), l), m), são dirigidas à necessidade de intervenção do Estado no âmbito do desenvolvimento científico e tecnológico, bem como no que diz respeito à eficaz repartição dos recursos hídricos e à maior rentabilização dos recursos energéticos.

O art. 81º, articula-se com os Planos e com as Políticas Económicas, construindo o programa obrigatório para todos os Governos quanto aos objectivos que estabelece, é este preceito que nos leva a caracterizar a medida das intervenção indirecta do Estado na Economia.

 

12. Artigo 80º da Constituição

Os princípios fundamentais da organização económica têm por objectivo definir e caracterizar o regime económico, assim em 1976, o art. 80º, explicitava a forte influência do Sistema Socialista, indicando como objectivos económicos e sociais, o desenvolvimento das relações de produção socialista e apagando a importância da propriedade privada deste sector.

Com a 1ª Revisão em 1982, o art. 80º é estruturado de forma diferente e passa a conter um conjunto de princípios indicados por alíneas como forma de salientar a fase de organização económica, ao mesmo tempo são retiradas algumas expressões ideológicas de tipo socialista, passando a ser utilizada uma sistematização mista. A 2ª Revisão Constitucional de 1989, trouxe algumas mudanças à Constituição Económica adaptando-a ao regime de mercado intervencionado, mas o art. 80º não acompanha de forma plena esta evolução, só em 1997, o texto constitucional consagra como um dos princípios da organização económica o investimento empresarial e a denúncia privada, ao mesmo tempo surge também o princípio da concertação social, ou seja, do diálogo entre os parceiros sociais, para a resolução de conflitos no processo produtivo. Os princípios hoje constantes no art. 80º são desenvolvidos ao longo de toda a Constituição Económica.

 

13. A Constituição Económica (sentido formal e sentido material); A tipologia (caracterização)

A Constituição Económica é o núcleo do Direito Económico, tanto do ponto de vista da hierarquia das normas como da sua própria dimensão funcional; isto significa que a Constituição Económica estabelece as normas programáticas e as normas estatutárias do regime económico vigente: (a) sentido formal, da Constituição corresponde às normas que fazem parte da Constituição Política; (b) Constituição Económica em sentido material, corresponde a determinados diplomas (lei ou decretos-lei) cuja a matéria é essencialmente para o regime económico.

A tipologia das Constituições económicas é formada pelos vários modelos de regulação da Economia no contexto constitucional. Podemos distinguir vários textos históricos, sendo mais característico a Liberal (a Constituição Económica é quase inexistente), o Socialista (Constituição Económica máxima), a Dirigista e a de Mercado intervencionado.

 

14. Os Direitos e Deveres Económicos (arts. 58º a 62º)

Os Direitos e Deveres económicos estão previstos na qualidade de deveres fundamentais análogos pelo que gozam particular protecção constitucional:

  1. Direitos relacionados com o trabalho (arts. 58º e 59º): referem-se sobretudo à obrigação do Estado no tocante às políticas de pleno emprego e à definição do estatuto dos trabalhadores sendo esta categoria entendida no sentido desenvolvido pelo Direito do Trabalho, ou seja, trabalhadores por conta de outrem.

  2. Direito na qualidade de consumidor: este é um Direito Económico recente que visa proteger a parte da procura considerando que se encontra vulnerável e que deve ser por isso protegido pelo Estado.

  3. Direito ao investimento: surge como Direito de iniciativa económica no art. 61º, não se restringindo à iniciativa privada garantindo também as formas, Cooperativa e autogestionária (iniciativa económica colectiva ou de tipo social).

  4. Propriedade privada: este é um direito essencial para a caracterização do sistema económico referencial, uma vez que a propriedade privada dos meios de produção, implica a adopção do sistema económico de mercado.

 

15. A evolução dos princípios fundamentais da organização económica (art. 80º)

A organização económica, assenta num conjunto de princípios basicamente diversos entre si. As várias alíneas do art. 80º, foram revistas em 1997 de modo a reflectirem o modelo de mercado intervencionado onde concorrem agentes económicos diferenciados e onde o Estado fornece indicações através dos Planos e orienta por meio das Políticas Económicas. O art. 80º tem hoje um carácter descritivo dos vários preceitos que constituem a organização económica.

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